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Capitu - R. Santana

     Na história da ficção não existe um romance que seus personagens sejam tão articulados quanto “Dom Casmurro” de Joaquim Maria Machado de Assis. Acho que Capitu foi uma personagem real como Messalina, Herodíades, Salomé e Cleópatra. Ela contribuiu para dezenas de teses e antíteses acadêmicas que defendem-na ou acusam-na de adultério, que ela traiu Bento de Albuquerque Santiago (Bentinho) com Ezequiel de Souza Escobar (Escobar) ou que nada aconteceu, senão, a paixão cega de Bentinho.

     Capitu, certamente, não foi uma Messalina que numa noite de orgia e sexo, em que cada ato sexual, ela brindava com uma coroa de flores ao seu deus grego e quando alvoreceu, ele queixou-se que “estava cansada, mas, não saciada”. Diria que Capitu em sua natureza dissimulada, ela aproximava-se de Cleópatra, rainha do Egito, que não gostava de homens fracos e quando a oportunidade lhe bateu à porta, Cleópatra levou para cama, o imperador romano Júlio César e o general Marco Antônio. Ela não era, também, igual às malucas de Herodes, Erodíades e Salomé.

     Capitu era filha de Pádua e dona Fortunata. Ele funcionário administrativo da Marinha, homem de quase nenhum recurso e nenhum saber, que enxergou o namoro de sua filha com Bentinho, filho único de dona Glória, mulher abastada, um meio de ascensão social.

     Bentinho foi prometido, pois dona Glória havia perdido o primeiro filho e na segunda gravidez, ela fez promessa a Deus que se nascesse “varão”, faria dele um padre. Todos da casa sabiam dessa promessa, seu irmão Cosme, prima Justina e José Dias, o agregado. Numa conversa não cuidadosa, Bentinho ouviu sua mãe dizer ao agregado que estava próximo de interná-lo no seminário.

     Bentinho não se adaptou ao seminário, não tinha nenhuma vocação, jamais seria padre, além de Capitu não sair do seu pensamento, noite e dia, pensava nela, fizeram juras de amor eterno, que não iria cumprir a promessa de sua mãe, teria que haver uma saída, porque sem o amor de Capitu, a vida lhe era de somenos importância.

     No seminário encontrou Escobar, que se tornaram amigos, ambos tinham em comum, o desejo de nunca serem padres. Ezequiel Escobar era filho de uma família de comerciantes do Sul do país e Bento Santiago filho de dona Glória, uma viúva rica. Escobar foi apresentado à família de Bento Santiago e a Capitu que com os “olhos de ressaca” não demonstrou interesse de sua amizade.

     Escobar com o tempo, ganhou a confiança da família Santiago, principalmente, a amizade de dona Glória e conseguiu lhe convencer que por falta de vocação de seu filho, que não seria um bom padre, melhor seria se patrocinasse os estudos de um jovem pobre vocacionado. Ela ofereceria para Igreja Católica um bom padre e cumpriria, assim, sua promessa: - o problema foi solucionado.

     Foi “a sopa no mel” para Capitu. Bentinho foi estudar direito no Largo São Francisco em São Paulo e tornou-se doutor Bento de Albuquerque Santiago, enquanto, seu amigo Escobar tornou-se um próspero comerciante. Logo, logo, Bentinho casa-se com seu grande amor Capitolina e Escobar casa-se com Sancha, antiga colega de colégio de Capitu.

     Os casais tornam-se “unha e carne”, um “dueto afinadíssimo”, as visitas eram recíprocas e constantes. Dentre pouco tempo, Sancha deu à luz uma linda menina que recebeu o nome de “Capitolina” em homenagem à amiga Capitu. Alguns anos depois, Capitu teve um filho que o casal retribuiu a homenagem com o nome de Ezequiel.

     Não há tempo bom que não se acabe nem tempo ruim que perdure para sempre. Ezequiel tinha por hábito, antes do Sol nascer, tomar seu banho matinal no mar e, num dia qualquer daquele Verão, o mar lhe tirou a vida. Foi um grande infortúnio, uma adversidade, um trauma inexplicável e doloroso. Ezequiel tinha um corpo de atleta e ainda moço.

     O menino de Capitu cresce em sabedoria e semelhança com Escobar, “cuspido e escarrado” e, “o filho do seu pai”. A desconfiança e o desespero começam tomar conta de Bento Santiago. As discussões são frequentes com a mãe do pequeno Ezequiel, Ele já não consegue disfarçar, às vezes, cuida do menino com irritação. Pensou beber uma xícara de café envenenado, pensou também, envenenar o menino, porém, só conseguiu dizer: “eu não sou seu pai”, que foi ouvido sem querer por Capitu. Ela sustenta que é mera semelhança e jura de pés juntos que não o traiu, contudo, Bento não é convencido e, resolvem se separar.

     Bento Santiago levou a mãe e o filho para Europa. De quando em vez, encenava uma viagem para o exterior com o pretexto de visitá-los, ficava algum tempo lá, porém, não ia vê-los. Capitu tentou reatar com o ex-marido, todavia, foi rejeitada sempre, o garoto foi o empecilho.

     Depois de muitos anos, Capitu morre na Europa, Ezequiel Santiago volta para o Brasil e esbarra na frieza do pai que o recebe com tanta distância que o rapaz é convidado para uma pesquisa arqueológica e morre de febre tifoide em Jerusalém.

     A história da ficção jamais perdoou ou perdoará Capitu. Ela traiu Bentinho e foi traída pela natureza, é impossível dois seres de genomas diferentes, terem o mesmo fenótipo genético e comportamental. Desde a primeira infância que Ezequiel Santiago não tirou a mãe da culpa, já era o Escobar infantil.

 

Autoria: Rilvan Batista de Santana

Licença: Creative Commons

Membro da Academia de Letras de Itabuna -ALITA

Imagem: Google

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 01/07/2025
Alterado em 05/07/2025


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr