Não faz muito tempo, mas um tiquinho de tempo, o eterno presidente da Academia de Letras de Itabuna - ALITA, Wilson Caetano, sugeriu-me que eu escrevesse a minha história de vida, respondi-lhe: “... meu amigo Caetano, não tenho muito jeito para falar de mim mesmo, acho um vitupério... Mas se um dia resolver, quero começar pelo meu tempo de estudante, que será o I Capítulo”.
Não fui um aluno brilhante, daqueles que o currículo é recheado de 10, fui um aluno disciplinado e esforçado, era bom naquilo que gostava, quando não gostava, estudava para nota de aprovação. Gostava mais das Ciências Humanas e algumas Ciências da Natureza. Quando fazíamos Admissão ao ginásio, os nossos pais, a maioria semianalfabetos, eles recomendavam mais o estudo do Português e de Matemática.
Durante toda minha vida estudantil, eu trabalhava pelo dia e estudava pela noite. Quando chegava da escola o corpo pedia cama enquanto a mente recusava-se aprender. Não dispunha de recursos de aprendizagem, a exemplo de uma pequena biblioteca, reforço escolar, material didático, além de tempo para estudar ou pesquisar, portanto, a nota ruim refletia a privação de recursos.
Naquela época não se valorizava muito o pensamento crítico, o raciocínio, aquele que tivesse a faculdade de memória avançada, tinha certa vantagem com os demais, as provas eram objetivas e, não discursivas com questões alternadas, por exemplo: “Quem descobriu o Brasil?”, ao invés de respostas: a,b, c e d. No 2º. Ano Científico, eu tive um professor de Física que nos fez decorar as fórmulas de dilatação linear, superficial e volumétrica, ao invés de desenvolvê-las logicamente. Na faculdade, eu descobri em Descartes, a famosa frase: “Cogito, ergo sum”. que se traduz: “Eu penso, logo existo”. O pensamento determina a existência.
Repito: “Não fui um aluno brilhante, daqueles que o currículo é recheado de 10”, nunca persegui esse feito, interessava-me ser aprovado com a nota máxima ou a nota mínima de aprovação. Porém, preenchia minhas lacunas intelectuais com muita leitura, principalmente, literatura. No 3º Ano Científico já tinha lido as principais obras de Machado de Assis, Lima Barreto, Jorge Amado, Ernest Hemingwey, José Mauro de Vasconcelos, Antoine Saint-Exupéry, Morris West, Sidney Sheldon, Drummond, Guimarães Rosa, Cora Coralina, Mário Quintana, Euclides da Cunha, Franklin Távora, Alexandre Dumas, Camões, Fernando Pessoa Pessoa, Eça de Queirós, George Orwell, Dante Alighieri, etc.
A “cola” nunca foi institucionalizada, mas, naquela época, a “cola” era uma ofensa extremamente grave, o colega nem “colava” nem se deixava colar. O professor que surpreendia alguém “colando” tomava o teste e lhe atribuía uma nota zero, além de lhe fazer um discurso moralmente condenável. Jamais esse aluno iria repetir o mesmo feito.
As pesquisa eram realizadas na biblioteca da escola ou na biblioteca do município. O trabalho não era uma cópia, teria que ser lido e interpretado, depois se passava para o papel. Lembro-me que uma colega desvisada, fez um trabalho com uma velha ortografia, que se escrevia fósforo com “ph”, o professor tomou toda a aula para comentar sua falta de atenção e ignorância.
Hoje, há 4 (quatro) níveis de ensino: infantil, fundamental (1 e 2), médio e superior. Naquela época, havia, o curso primário (admissão ao ginásio), ginásio, médio (magistério, clássico ou científico). Com a Lei nº5.692/71, foram criados os cursos técnicos profissionalizantes.
O curso de Admissão ao ginásio era um “vestibularzinho”, tínhamos uma base sólida de Ciências, Matemática, Português, Geografia e História. O nosso conhecimento nessa fase de admissão ao ginásio era significativo, dominávamos todo conteúdo das disciplinas do curso primário,
Estudante é a melhor fase da vida de um jovem, além do conhecimento adquirido, a formação moral, intelectual e o processo de integração dos indivíduos no grupo e o espírito de cooperação são relevantes e expressivos. Alguns encontros afetivos duradouros de casais se originaram no período estudantil.
È durante a fase de estudante que descobrimos os docentes vocacionados, preparados, e, os docentes não vocacionados, despreparados. Nunca os esqueci e os guardei na memória até os dias de hoje. Nunca esqueci de Nestor Passos, latinista de mancheia, mestre da língua portuguesa; Flávio Simões, emérito professor de Sociologia; João Arbages, metódico professor de Matemática; Nair Assis Menezes, professora inesquecível do primário; Walter Moreira, máximo da Química e Dr. Cândido da Física, que dizia: “Não há escuridão que a chama de uma vela não ilumine”.
Causos da vida estudantil:
- Professor Arbages, vice-diretor do CEI, nos apresentou, 3º.Ano Científico, um professor de Jaguaquara, que além de professor, ele era odontólogo, que iria ensinar Biologia e Zoologia. Era um desleixado: paletó sem gravata, camisa aberta, calça na virilha, etc. Não daríamos “um tostão de mel coado”, porém, foi o melhor professor desse ano letivo de Biologia e Zoologia. Ele possuía completo domínio do conteúdo dessas disciplinas, além de ser um exímio desenhista, ele usava essa ferramenta para ilustrar suas aulas. Enfim, não se deve julgar um livro pela capa.
- Final de ano, prova de inglês, professor Pantaleão, sargento do Exército Brasileiro, sediado em Ilhéus. Pantaleão era um sujeito inquieto de difícil conversação... Não sabemos a causa, mas, faltava muito, além disso, minha base no idioma inglês era fraca, havia muita lacuna na minha formação em idioma estrangeiro. Recorria ao escritor Eça de Queiroz: “Falar bem o nosso idioma, é falar mal o idioma estrangeiro”. Naquela noite, Pantaleão distribuiu as provas entre todos os alunos, uma página um pouco mais da metade de uma folha de papel ofício. Quando recebi a prova, eu descobri que pouco sabia, mas, alguém que foi levar a namorada na escola, deu uma encostada no poste com o carro e provocou um blackout, a escola ficou escuro e a prova foi transferia para semana subsequente. Pantaleão saiu recolhendo o material, eu guardei a minha prova e com ajuda de um velho Expedicionário da batalha de Monte Castelo, na Itália, Segunda Guerra Mundial. Ele traduziu o texto, ajudou-me responder o questionário e fui aprovado na prova.
- Nilton Freire era professor de Física do 2º. Ano Científico, também era odontólogo, acho que não tinha vocação nem preparo para ensinar Física. Um dia qualquer, ele passou um problema que havia uma potência de ( 10 ) 7 = 10x10x10x10x10x10x10 = 10.000.000 / que é dez milhões. Porém, virou uma algazarra, cada aluno dava um resultado diferente, Nilton Freire, na casa do sem jeito, simulava uma dor de barriga e sumia... Foram 2 dias de bagunça e Nilton Freire deixou de ensinar Física em nossa sala.
Ocorreram vários outros episódios, contudo, esses 3 ficaram guardados em minha memória. Foi um tempo inesquecível, que não tínhamos outras obrigações, senão, estudar. Era uma época difícil, não possuíamos os mesmos recursos atuais. Hoje, temos as bibliotecas eletrônicas, o Google, principalmente, e, a Inteligência Artificial.
Autoria: Rilvan Batista de Santana
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Membro da Academia de Letras de Itabuna - ALITA
Imagem: Google