Textos


O Natal - R. Santana

 

     Em tempos idos, tempo de simplicidade, de amor e paz, o Natal era nossa festa maior. A minha tia Judite, que carinhosamente, eu a chamava de “mãe Judite”, fazia o possível e o impossível para alimentar o meu sonho de “Papai Noel”. Nas noites dos dias 24/25, ela servia a ceia natalina, mais farta e diversificada, mas, antes de tudo, a família prostrava-se em oração para celebrar o nascimento de Jesus Cristo. Quando dava meia noite, lá estávamos na Missa do Galo.

     A casa não era rica, mas não podíamos nos queixar da ceia de Natal: peru, frango ao molho pardo, carne, patê de fígado, purê de batata, feijão, arroz, saladas, nozes, azeitonas, tudo regado com bom vinho para os adultos e a molecada se empanturrava em doces de caju, manga, jabuticaba, quem não gostava de doce, se empanturrava no caldeirão de ponche natural – não havia geladeira.

     Quando voltávamos da missa, na estrada de barro, quando não estava chovendo, que a lama respingava e manchava nossa roupa nova, nós vínhamos brincando e pegando picula, os garotos eram da mesma idade, tudo era festa. Não havia malfazejo, ladrão só de galinha, saíamos da missa e chegávamos em casa sem sermos molestados por algum malfeitor.

     Nós não entendíamos bulhufas do que o padre falava. A maioria das vezes, era um padre alemão de língua embolada, sabíamos que tinha chegado ao fim, quando ele ultimava os ritos finais: “Benedicat vos omnipotens Deus” e “Pater et Filius et Spiritus Sanctus, Amen!”, aí, corríamos para o presépio, onde Jesus Cristo, deitado na manjedoura significava o gesto de humildade absoluta. Não sabíamos o significado eclesial do presépio, queríamos só brincar e olharmos os animais do presépio e os três Reis Magos adorando o Menino–Deus, José e Maria.

     Questionava mãe Judite como Papai Noel conseguiu passar pelo telhado com aquele saco enorme de presentes. Ela dizia-me que Papai Noel é encantado e entra em qualquer casa, desde que o menino lhe rogue um brinquedo, e acrescentava que Papai Noel mora numa terra muito distante, lá no Polo Norte, lugar de muito gelo, por isto, sua roupa vermelha fechada com boina de lã para evitar o frio e, nas grandes distâncias, ele usa seus trenós mágicos com renas amestradas para percorrer o mundo.

     Porém, o bom do Natal era o dia seguinte: pulava da cama em busca do presente que tinha pedido ao Papai Noel, uma bola, um “caminhão”, ou, uma pistola de jato d`água, encontrava-o dentro do sapato ou fora, conforme o tamanho do presente, certa feita, ganhei um velocípede da empresária Nela.

     As rádios AM e os alto-falantes dos bairros eram imprescindíveis para divulgar os festejos e as noites natalinas, Jesus Cristo era o tema, mas o sentimento infantil e lírico das letras deslumbravam os garotos: "Natal está chegando, plim plim plim / Que bom te ver sonhando, plim plim plim / Aqui não vai ter neve, vai ter sim / Muito calor e amor pra mim!"

     Não se pode apagar a chama do Natal, pois apagar-lhe seria desconstruir um reino de magia, de sonhos, de esperança, além do significado religioso que é importantíssimo na história da humanidade. Festejar o nascimento de Jesus Cristo é um ato de gratidão por ter morrido na cruz pra redimir o pecado do homem.

     A tradição oral e escrita, hoje, a mídia falada e televisada são fundamentais para alimentar o sonho do bom velhinho, bonachão, barrigudo, barba e cabelos brancos, que traz no seu saco de brinquedos, a inocência, o amor e a paz, que, ele fique na mente das crianças e dos adultos para sempre.

     Se a vida é tão dura e difícil, se a alma não fosse alimentada com efeito artístico, magia e fantasia, a morte seria um descanso, não a esperança de vida eterna. Por isto, Papai Noel é o suporte emocional necessário para preencher a lacuna de insegurança do homem de todas as raças e credos, não, somente dos cristãos.

     Os estadunidenses, por causa do limite físico do homem e sua natureza finita, eles criaram, também, no Século XX, seus heróis imortais, não a exemplo de Papai Noel, personagem infantil, mas heróis que combatem a injustiça e protegem os mais fracos, a exemplo de Thor, Hulk, Homem de ferro, Capitão América, dentre outros heróis.

     O brasileiro para mexer com a alma dos seus pequenos, criou seus personagens que povoam a mente de crianças e adultos, eles não são universais, mas satisfazem o imaginário do seu povo, a exemplo de Saci-pererê, Curupira e Boitatá.

 

Autoria: Rilvan Batista de Santana

Licença: Creative Commons

Membro da Academia de Letras de Itabuna – ALITA

Imagem: Google

 

Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 20/12/2024
Alterado em 21/12/2024


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr