Quando era adolescente (isto nos idos de um mil novecentos e uns), achava que seria advogado. Quando lia História Universal, deliciava-me com os grandes tribunos: Cícero, Diógenes, Júlio César, Montesquieu, padre Vieira, Ruy Barbosa, Tobias Barreto, Rousseau, eram os meus preferidos.
Quando lia os grandes romancistas brasileiros observava que a maioria era advogado ou formado em Ciências Jurídicas e Sócias, noutras palavras, tinham o curso de bacharel em direito, mas não tinham tido a prática forense.
Certo dia o saudoso João Leal (homem culto que gostava de declamar em latim as Catilinárias de Cícero), num bate papo vocacional, induziu-me inscrever-me num curso que me daria o registro para ensinar matemática. Naquela época, a carência de professor dessa disciplina era significativa. Completava o professor Leal que eu iria ficar rico de dinheiro e trabalho. Ele juntou a fome com a necessidade de comer - eu não tinha nem dinheiro nem trabalho. Aí, o país perdeu um advogado e ganhou um sofrível professor de matemática.
Hoje, eu agradeço à memória do saudoso João, o diabo não é tão feio como se pinta, não fiquei rico (professor rico, só por herança ou loteria), mas nunca me faltou trabalho, eu passei a vida orientando adolescentes e adultos em escolas públicas e particulares, na ciência de Pitágoras. Se tivesse sido advogado, salvo, ter me pendurado no galho dum emprego público ou privado estaria à mercê de parcos e eventuais honorários e esporádicos clientes.
A nossa justiça está tão abarrotada de processos e eternos recursos, tão emperrada e ociosa que transformou o profissional do direito num mendigo de gravata, a maioria presta serviço em mais de uma comarca para sobreviver.
Foi de somenos importância a criação dos juizados especiais. A lei que deu origem a esses tribunais de causas modestas, tinha por objetivo desafogar os tribunais tradicionais e dar mais celeridade às demandas jurídicas, entretanto, esses tribunais, atualmente, estão tão empedernidos e congestionados de processos que quando as partes envolvidas numa questiúncula não usam o bom senso para um desfecho comum, entulham-se as prateleiras de ”arquivo morto”.
Além do sistema judiciário brasileiro está assentado em Códigos que não evoluíram às mudanças sociais, alguns agentes da justiça também não incorporaram essas mudanças e os exemplos de injustiças são diversos. Afora os casos de desvio de dinheiro público, vendas de sentença, tráfico de influência, corporativismo e etc.
O brasileiro enxergou uma luz no fim do túnel para solução dos seus problemas, com a cantada e decantada reforma do judiciário. Alinhavaram-se (ninguém quis abri mão dos seus direitos adquiridos, isto é, deixar as tetas do dinheiro público e quase nada mudou), umas leis no Congresso, um órgão independente foi criado para gerir os atos do poder judiciário, porém os resultados práticos dessas mudanças não chegaram para o povo. Os magistrados e os funcionários graduados da justiça ainda continuam gozando das benesses e privilégios dos seus cargos. A sociedade não possui mecanismos jurídicos nem o exercício da cidadania amadurecido e definido para cobrar do poder judiciário, produtividade e eficiência. É notório os erros de sentença, de pessoas serem condenadas por delitos que não cometeram ou os controversos casos do cidadão comum ser apenado de maneira desproporcional por uma situação delituosa famélica em 39 cárceres desumanos enquanto cidadãos da elite desviam milhões do dinheiro público, praticam outros delitos e ficam presos em suas mansões - a chamada prisão domiciliar. São as brechas das leis que só beneficiam os ricos e os poderosos...
Seria excelente para o povo que tivéssemos um judiciário operante e rápido, que os processos não criassem bolor pelo tempo. Um judiciário que salvaguardasse de fato os nossos direitos. Que as nossas reivindicações trabalhistas, cíveis, criminais e as injustiças cometidas por outros poderes do país fossem atendidas e solucionadas. Que todos nós fôssemos iguais perante à lei e não uma figura de retórica constitucional.
Por causa desse importante e necessário poder da República está tão enferrujado e desacreditado é que os recém egressos jovens das escolas de direito, estão usando somente o interregno tempo de experiência profissional exigido e migrando para atividades empresariais ou funções públicas que lhes garantirão estabilidade social e funcional, então ingressando na política, o caminho mais fácil de dinheiro e poder. Deixando para trás os seus colegas encanecidos e alquebrados, de ternos surrados, o trabalho de porta de cadeia e as lides inglórias dos tribunais.
Autor: Rilvan Batista de Santana
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Membro da Academia de Letras de Itabuna - ALITA
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