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A pecha - R. Santana

 

     A pecha é um defeito ou uma imperfeição atribuído por alguém a fulano. A pecha é sorrateira e se espalha como “fogo de monturo”, pouco e pouco, às vezes, ela acompanha o indivíduo até a morte. Não é um defeito congênito, não nasce com o indivíduo, é um defeito embasado no preconceito e juízo de valor precipitado do outro, se alguém espalha que sicrano é homofóbico pelo fato de seus princípios religiosos, não significa que, ele tenha aversão ao homossexual e deseje seu mal ou que alguém é racista pelo fato dele não gostar de um negro, não do negro.

     A pecha não é um apelido, uma alcunha, um cognome, a pecha é um defeito e uma imperfeição profundas de ofensa moral. Às vezes, as pessoas são identificadas pelos apelidos mais que os nomes de batismo e de família. Se alguém perguntar às pessoas se conhecem Agenor de Miranda Araújo Neto, 99% vão responder que não sabem quem é essa pessoa, mas, se perguntasse quem é “Cazuza”, todos vão responder que foi um poeta e cantor brasileiro. O mesmo se diria se perguntar por Maria Odete de Miranda Marques, ninguém iria dizer que conhece, porém, se perguntasse por Gretchen, todos a conhecem.

     Alguns gênios receberam a pecha de loucos em sua época por eles serem diferentes, a exemplo de Albert Einstein, Galileu, Gandhi, Lima Barreto, Vincent van Gogh, porém, se não fossem esses “loucos”, não teríamos grande avanço na ciência, na política, na literatura e na arte pós-impressionista ocidental, todavia, é sabido que eles sofreram em sua época, indiferença e rejeição sociais.

     A pecha possui outros nomes, não menos desairosos e não menos preconceituosos, que ao longo do tempo é absorvido naturalmente pelo indivíduo: “maluco”, “sovina”, “desestabilizador”, “mão de vaca”, “pavio curto”, “picuinha”, “misantropo”, pão-duro, “excêntrico”, “problemático”, etc., etc. A pecha, geralmente, não é dita frontalmente, cara-cara, é dita por detrás, na ausência, por debaixo do pano, porém, seu efeito é devastador socialmente, a vítima fica isolada e estigmatizada para sempre.

     A pecha é mais nociva do que o apelido. O apelido pode gerar um “bullying” se o apelidado se estressar, reagir física e moralmente, todavia, se o apelidado levar na brincadeira, no deboche, o apelido acaba se perdendo ao longo do tempo, enquanto a pecha é um traço de conduta diferente, um comportamento antissocial do indivíduo, porém, a pecha não chega ser um transtorno mental, mas uma condição mental.

     Em 1991 fui nomeado diretor geral do Colégio Estadual de Itabuna - CEI (já era vice-diretor há 03 anos). A Coordenadora Geral, a saudosa Eneida Silveira, me chamou em particular e advertiu-me: “Olhe, nomeação política é uma coisa, aceito pelo grupo é outra. Aqui tem mais de 200 professores e mais de 5000 alunos nos 03 (três) turnos. A maioria dos professores é da esquerda, alguns são sindicalistas, terá que ter muito jogo de cintura”. Ela me fez essa advertência pelo fato que, naquela época, eu participava do grupo político do Fernando Gomes e a maioria absoluta do professor itabunense e intelectuais de Itabuna não votavam no saudoso prefeito e recebi a pecha de seu fiel amigo e escudeiro na educação.

     Irene, próspero negociante, morador da cidade “X”, foi lhe dado à pecha de sovina, miserável, mão de vaca e ouros adjetivos afins. Não perdia um centavo pra ninguém se algum freguês lhe restasse qualquer dinheiro, ele não o deixava em paz até o dia de completa quitação. Se alguém lhe pedia dinheiro pra comprar um pão, ele lhe dava um sonoro “não!”, porém, amolecia o coração se uma criança vizinha adoecia e precisava de cuidado médico.

     “Zé do Ó” é um desses casos que marcam a história de Itabuna. Direito, administrador de mancheia, ele foi candidato a prefeito 02 (duas) vezes, vitorioso na última. Velhinho, ele ainda carrega a pecha de avarento. Suas histórias de sovinice são folclóricas e escabrosas, por respeito, deixamos de contá-las aqui.

     Porém, toda regra há exceção, nem sempre a pecha é má, nos idos de 1969, um médico de origem alemã, Dr. Simão Fiterman, recebeu a pecha de “caridoso”, “médico dos pobres” e, morreu com o reconhecimento da comunidade itabunense de médico benfeitor, solidário e humano jamais visto nesta terra do cacau.

     Já foi dito que “pecha” não é “apelido”. A pecha é uma mancha moral que se espalha pela incompreensão do outro, pela falta de respeito às diferenças individuais. Se houver empatia, se alguém se colocar no lugar do outro, se despir dos seus preconceitos arraigados e considerar a natureza do seu irmão, jamais a pecha prevalecerá, pois segundo Rousseau, o homem nasce bom e a sociedade o torna mau.

 

Autor: Rilvan Batista de Santana

Licença: Creative Commons

Membro Fundaddor da Academia de Letras de Itabuna - ALITA

Imagem: Google

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 07/06/2023
Alterado em 22/06/2023


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr