Cara Senhorita Naná:
Há meses que pensamos lhe escrever, mas esbarrávamos em conjeturas morais: ficávamos preocupados em magoar, melindrar ou ferir pessoas que nos ajudaram na difícil caminhada que culminou com a morte de nossa filha.
Não queremos polemizar, porém, compreender as atitudes estranhas e os comentários desairosos pela nossa estada em sua casa no ano passado.
Somos seus eternos devedores, por isto, gostaríamos de preservar sua amizade. Jamais Vanda teria, inicialmente, a mesma desenvoltura, o mesmo desempenho na condução do tratamento da doença de Paulinha (não conhecíamos São Paulo), se não contássemos com sua disponibilidade e presteza permanentes. Jamais esqueceremos os préstimos de Chico, e de sua esposa. Jamais esqueceremos o apoio moral de José. Jamais esqueceremos a ajuda de Leninha e tia Nair. Jamais esqueceremos a simpatia de Virgínia e Juvenal e Tavinha.
Por termos consciência de nossa gratidão de nosso reconhecimento que tomamos a decisão pessoal (Vanda não tem conhecimento), de levar ao conhecimento da Senhorita o nosso desapontamento com suas atitudes e lamentamos, a posteriori, ter voluntariamente, lhe causado tantos aborrecimentos.
Nunca falamos mal de sua casa. Já falamos enésimas vezes que a nossa transferência para São Paulo foi em decorrência da comodidade de Paulinha e por não possuirmos um carro disponível e nem recursos financeiros para transportá-la de táxi na frequência que a doença exigia.
Nossos deslizes e nossas falhas foram circunstanciais. Nunca tínhamos saído da nossa modesta casa, e, compulsoriamente fomos empurrados numa cidade grande a mercê da bondade e boa vontade das pessoas, na esperança de salvar a nossa filha. Era uma situação angustiante, difícil...
Não tínhamos aí 03 (três) contas bancárias, não tínhamos nem conta, pois, não tínhamos dinheiro suficiente para abertura de uma conta que o limite exigia: tínhamos sim, 02 (duas) poupanças: uma no Banco Itaú de Santo André; outra, no Bradesco de São Paulo.
Embora sejamos eternamente gratos aos filhos de Deus que fizeram suas doações na compra de bilhetes de 02 (duas) rifas que fizemos, é necessário que se diga para o bem da verdade que os recursos para as nossas despesas pessoais foram oriundos das nossas economias e do meu trabalho e alguns recursos dos irmãos de Vanda, posteriormente, das campanhas que Nilcinha bondosamente promoveu. Esses recursos eram creditados no Bradesco em nome de Ana Paula e sua genitora, isto é, pessoalmente, não os administrei... Somente no dia do nosso retorno, tivemos uma despesa de passagem de avião, embalçamento do corpo e outros encargos que jamais seriam solucionados com as parcas doações que recebemos. Somente o aluguel do apartamento, mandamos naquela época Cr$ 18.000 000, 00 (dezoito milhões de cruzeiros) para D. Fany. É óbvio e racional: são tantas as campanhas e são tantos os problemas de saúde que não há mais uma resposta significativa da comunidade para esses apelos.
Além dessas preocupações financeiras, tivemos outras de cunho moral: Ana Paula já em fase terminal, teve alguém interessada em tecer comentários, censurá-la por um erro juvenil que ela tinha sido vítima da ação de um homem velho e casado e inescrupuloso. Não levando em consideração o seu sofrimento e a gravidade de sua doença. Soubemos de tudo e demos boca calada como resposta.
Porém, de todos os fatos que vimos, soubemos ou sentimos, um, justificaria o nosso desabafo: a indiferença de sua mãe. Ela está aqui há mais de um mês, esteve na casa de Célia, Vandi, Aicê e outros familiares, entretanto, fez descaso e ouvidos moucos aos nossos convites, nem Fany que não é da família e passamos 08 (oito) meses em sua casa, demonstrou tanta falta.
Não somos ricos, mas sempre soubemos receber as pessoas que nos são caras. Se seu pai fosse vivo, ele ratificaria as nossas palavras, pois, fomos honrados várias vezes com as suas visitas.
Naná, nos parágrafos anteriores, usei o verbo na primeira pessoa do plural, porque as minhas ações se confundiam com as ações dos meus familiares, todavia, passarei, doravante, falar pessoalmente o quê penso e o quê sofri durante a tempestade que o destino me arrastou. Começando pelos qualificativos pejorativos confidenciados por você a Aicê: “boca...”, “baixinho”, “pobre”, “feio”, e, “prefiro montar no cabo de uma vassoura”, etc., etc.
Não irei retribuí-los, seria falta de cavalheirismo enumerar e designar os defeitos físicos ou morais duma dama, de outro lado, ainda lhe sou grato pelo que você fez pela minha família e também, tenho consciência dos meus defeitos físicos. Contudo, digo-lhe que sou bom caráter e um ser humano de raras qualidades, é pena que você não me tenha conhecido em circunstâncias diferentes.
Se Deus tivesse invertido os papéis e tivesse me dado a oportunidade de socorrer uma família que saiu do seu “habitat” de sua rotina do dia a dia dos seus colegas de trabalho, dos seus parentes, de sua rotina alimentar e que duma hora pra outra é jogado às intempéries da vida com uma filha adolescente, portadora de uma doença remotamente curável, eu teria agido de acordo o princípio cristão: “Dê com a mão direita que a esquerda não perceba”. Isto significa que quando se faz alguma coisa para alguém não se cobra, não se exige mudanças de atitudes, de comportamento, não se faz juízo precipitado das pessoas e das situações, principalmente, não se promove a animosidade e o ressentimentos entre parentes e conhecidos.
O período que eu passei em sua casa, procurei agir com respeito, carinho e solicitude (minha única preocupação era cura minha filha). Evitei ser um “peso” e assim que foi possível, dividir o aluguel de um apartamento com uma estranha, para não abusar os meus parentes por afinidade mais do que às circunstâncias tinham me obrigado abusar.
Enfim, não quero réplica, não quero polemizar, apenas, tomei esta decisão com o objetivo de esclarecer algum mal entendido, sem ressentimentos e peço a Deus que você ou seus familiares nunca passem pelas experiências que passamos, senão, irá constatar na pele, angústia, desespero e revolta indescritíveis.
Obrigado por tudo e que Deus lhe pague. Fraternalmente, Rilvan Batista de Santana. Itabuna, 30 de julho de 1994.
Att.: Esta carta é um documento histórico de 28 anos. Eu a encontrei recentemente, já comida pelas traças, eu resolvi arquivar em meu site do "ESCRITOR" para ser lida pelos meus filhos e netos um dia. Peço desculpa ao leitor por expor esta missiva de cunho particular.