Textos


Solidão - R. Santana

 

     O Aurélio diz: “... solidão é um sentimento de desconexão com o meio que te cerca”, ou seja, a ilha de Crusoé: o indivíduo sozinho cercado pelo ambiente por todos os lados. Quantas pessoas vivem em completa solidão? Milhões de pessoas! Porém, milhões de pessoas têm sentimentos positivos da solidão e escolhem com prazer o isolamento, a reclusão e o distanciamento conscientemente, nesses casos a solidão não produz sentimentos danosos na vida do indivíduo, porque é um ato de prazer e de vontade.

     Este texto se propõe refletir sobre as experiências de vida, as histórias de vida, não sobre os efeitos colaterais da solidão: tristeza, angústia, ansiedade, medo, desprezo pela vida, depressão profunda e suicídio, portanto, este texto não se propõe ao estudo da etiologia da solidão, mas seu cotidiano, o dia a dia de pessoas solitárias e pessoas que, mesmo cercada de gente, elas experimentam o sentimento da solidão.

     Eu escolhi alguns depoimentos de pessoas que viveram a solidão e narrativa de indivíduo que fez da solidão seu modo de vida. Veja a história de Paulo Gustavo, professor de português de escola pública de tempo integral:

“Quando me formei em “Letras”, eu já trabalhava há 2 anos nos principais colégios públicos da cidade, 40h/aula por semana, em cada colégio. Uma carga horária puxada, mas para quem ainda não tinha 30 anos de idade, era um cansaço prazeroso, quando chegava em casa, tomava um banho quente, almoçava bem, um cochilo de 20 minutos e estava pronto para retornar à escola e lá ficar até o último horário/aula da noite. Porém, quando findava a aula e voltava para casa e colocava a chave na fechadura, abria a porta, a casa sem ninguém, as coisas não tinham significado, o medo tomava a minha mente, a ansiedade tomava a minha alma e a solidão tomava conta de mim. Não foram poucas as noites de pesadelo, vontade de cometer suicídio, que findaram quando deixei de morar sozinho”.

     Dona Candinha, velha extrovertida, gostava de morar sozinha, fazia do isolamento social seu modo de vida. Sua casa é simples. Ela mora numa chácara cheia de hortaliças, plantas medicinais, flores e árvores frutíferas, mandioca, cana-de-açúcar, batata doce, inhame, macaxeira, etc.:

     “Tenho 4 filhos, 2 mulheres e 2 homens e 5 netos. Eles moram no Rio de Janeiro e São Paulo, eu moro no interior de Pernambuco numa Chácara. Quando fiquei viúva, encontrei vários pretendentes, nunca os aceitei, criei os meus filhos e voluntariamente me isolei, passo os dias em minha casa, plantando, colhendo e vendendo os meus produtos. Não tenho amigos íntimos, todos são meus amigos e minhas amigas depois da soleira da porta. Não convido ninguém para almoçar ou jantar comigo. Gosto de viver sozinha, tenho prazer enorme de viver sozinha. Se não fosse pra sobreviver não sairia de casa. É melhor viver sozinha de que mal acompanhada. Só vive na solidão quem não ocupa a mente. Não vivo sozinha, Deus está ao meu lado o tempo todo. O último depoimento é de Iara, moça solteirona, beata e executiva de mancheia numa multinacional:

     “Eu sou executiva duma multinacional. Eu trabalho com muita gente, a maioria, meus subordinados. Trabalho com a realidade e não me desconecto, pois se me desconectar dos problemas reais, serei demitida sem cerimônia. Poderia não sofrer solidão, todavia, esse sentimento surge quando estou no meio de muita gente, às vezes, parentes queridos. Nas minhas folgas, eu comecei pesquisar sites de relacionamentos e encontrei Maurício. Namoramos 2 meses virtualmente e juntamos as nossas escovas depois disso. Maurício era engenheiro civil, fomos felizes por alguns meses, depois, ele ficou agressivo e agredir-me verbal e fisicamente. Registrei B.O. até expulsá-lo de casa. Certa noite, eu fui surpreendia com Maurício em meu apartamento, xingando e agredindo-me fisicamente, num impulso o empurrei na escada, ele morreu na queda”.

     Nas histórias acima, conclui-se que a solidão não é uma doença, é um estado d´alma que a psicologia ou a psicanálise não possa resolver, às vezes, é uma condição de vida. A história de Dona Candinha é a história de milhões de pessoas que resolvem viver na solidão voluntariamente. A história de Paulo Gustavo e a história de Iara representam o dia a dia, também, milhões de pessoas que convivem com muitas pessoas, no trabalho, no esporte, na igreja, no clube, contudo, falta-lhes o apoio emocional dum companheiro ou de uma família quando voltam para casa.

     Enfim, se a solidão não é uma doença, mas um sentimento que lhe pode fazer bem, não use esse sentimento para lhe fazer o mal, o objetivo da vida é ser feliz, pois os problemas existenciais são passageiros, Deus lhe deu a vida, dê-lhe o colorido.

 

Autoria: Rilvan Batista de Santana

Licença: Creative Commons

 

Nota Editorial:

Licenciado em Filosofia/Matemática, pós-graduado em PSICOPEDAGOGIA, professor aposentado, arremedo de escritor, membro fundador da Academia de Letras de Itabuna – ALITA, ex-vereador de Itabuna, 22 livros publicados no amazon.com, Recanto das Letras, Domínio Público, etc. Cidadão Itabunense pela Câmara de Vereadores de Itabuna, administrador do blog Saber-Literário e agraciado em 2019 com o título: "Mérito Educacional FTC", pela Faculdade de Tecnologia e Ciências - FTC.

 

Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 02/03/2022
Alterado em 05/03/2022


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr