Textos


Vida simples - R. Santana
 

     Hoje, a vida perdeu sua simplicidade. Não vivemos, existimos... Existimos como pessoa física, existimos como pessoa moral, existimos como pessoa ética, existimos como pessoa jurídica, existimos como pessoa de família, existimos como pessoa social, existimos como pessoa econômica e financeira, mas não vivemos a simplicidade da vida.
     O homem contemporâneo é escravo das coisas materiais. A vida moderna cria encargos financeiros, econômicos e sociais perenes. A sociedade exige cada vez mais que o homem não se satisfaça com pouco, mas se satisfaça com mais e mais. Homem de sucesso é aquele que acumula riquezas materiais e efêmeras e não riquezas morais e espirituais. A evolução moral e espiritual não dá condição de vida material ao homem, mas lhe dá felicidade.
     A felicidade está na simplicidade, no desprendimento do excesso, do supérfluo e do acúmulo. A felicidade é um estado de espírito, de abnegação dos prazeres e disciplina da vontade. Não é condição necessária ser feliz morar numa oca no Parque Nacional do Xingu ou morar no castelo de Windsor na Inglaterra. A felicidade é individual não é um estado de d´alma coletivo, além de não ser um estado duradouro.
     A tecnológica e a ciência trouxeram nova qualidade de vida física para o homem, concomitante, surgiu um mercado consumidor de produtos de tecnologia avançada e que se renova cada dia. A sociedade é pressionada consumir por necessidade e pela cultura consumista que se originou com o apelo da mídia. Não se é contra a tecnologia nem se é contra a ciência, porém, as expectativas e o consumo exagerado desses produtos geram transtornos de ansiedade, de angústia, de depressão, de afetividade e outras doenças mentais.
     A história da humanidade traz lição de vida simples que o tempo não conseguiu apagar de alguns protagonistas. O mais folclórico foi Diógenes, o Cínico. Diógenes (412 a. C. - 323 a. C.), foi discípulo de Antístenes, fazia da pobreza uma virtude e a autossuficiência uma prática. Dormia num barril e percorria as ruas de Atenas com uma lamparina acesa procurando um homem honesto. Conta-se que certa feita, descansava sob o sol matinal quando Alexandre, o Grande, parou o animal em sua frente e lhe perguntou: “Tudo que me pedires te darei”, sem se mover, ele respondeu: “Não me tires aquilo que tu não podes me dar”, é que o cavalo do imperador fazia sombra, lhe impedia os raios de Sol. Diógenes entendia que a felicidade era o exercício do autodomínio e da liberdade. O sujeito para ser feliz teria que ter livre-arbítrio, independência e determinação para decidir seu destino.
     Outro exemplo de desprendimento foi Sócrates (470 a.C. – 399 a.C.), ele vivia às expensas dos discípulos, principalmente, Platão, Aristófones, Xenofonte e Aristipo de Cirene etc. Sócrates não via com bons olhos os sofistas, pois os sofistas ensinavam os jovens que lhes remuneravam, Sócrates não cobrava “dez réis de mel coado” dos seus alunos.
     Sócrates foi um exemplo de abnegação e renúncia. Pobreza era sinônimo de ignorância, o importante era a busca do conhecimento, para conhecer o outro, teria que conhecer a si, “conhece-te a ti mesmo”. Sócrates foi levado a beber cicuta por “corromper a juventude com os seus ensinamentos”. Não deixou nada para sua mulher.
     Jesus Cristo ensinou o valor da simplicidade e o amor ao próximo com atos e palavras. Os cristãos afirmam que Jesus Cristo é “Filho Unigênito de Deus”, para os não cristãos, Jesus Cristo foi um grande filósofo humanista. Um virtuoso... Suas palavras permanecem vivas e atuais: “Considerai como crescem os lírios do campo: eles não trabalham nem fiam, contudo vos digo que nem Salomão em toda a sua glória se vestiu como um deles” ( Mateus 6:25-34)
     Noutra passagem do Novo Testamento, Ele fala da inutilidade de acumular riquezas: “Derrubarei os meus celeiros e construirei outros ainda maiores, e ali guardarei toda a minha safra e todos os meus bens. E assim direi à minha alma: tens grande quantidade de bens, depositados para muitos anos; agora tranquiliza-te, come, bebe e diverte-te!” Contudo, Deus lhe afirmou: “Tolo! Esta noite arrebatarei a tua alma. E todos os bens que tens entesourado para quem ficarão?” (Lucas 12).
     Vida simples é desvencilhar-se de tudo que é complicado. Não é fácil para o homem moderno ter uma vida moderada quando a sociedade moderna é desregrada e consumista e os princípios éticos, morais e religiosos são corrompidos. Vida simples não é cinismo, não é o cinismo de Diógenes. Vida simples é desobrigar-se do excesso, do desnecessário e do inútil. Vida simples, também, não é sinônimo de irresponsabilidade e de fraude. O homem simples não se isenta de suas obrigações e deveres. Não confundir vida simples com dificuldade de sobrevivência ou mendigo. Vida simples não é ostentação, luxo, nem ser perdulário incorrigível. Vida simples é viver em harmonia e em paz consigo mesmo e o mundo.
     Chegará o tempo que o homem será menos existência e mais vida, menos corpo e mais alma. Vida simples não é carência, é compartilhar o que sobra.


Autoria: Rilvan Batista de Santana

Membro fundador da Academia de Letras de Itabuna
Licença: Creative Commons

Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 11/07/2021
Alterado em 22/09/2023


Comentários


Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr