Textos


“Não quero mais ser eu...” - R. Santana


Naquela manhã de domingo, eu saí de casa com o espírito perturbado, não entendia e jamais iria entender as coisas do mundo e de Deus. No ginásio, impressionara-me uma aula do professor, depois, desembargador baiano Lourival Ferreira: “Quem sou eu? De onde vim? Para onde vou?”, o tempo passou, hoje, com os cabelos prateados pelo tempo, ainda não respondi nenhum desses questionamentos. Quando li Sócrates que analisava o conhecimento e a verdade: “Conhece-te a ti mesmo”, pensei que fosse um recurso de retórica do velho filósofo grego, ledo engano, o conhecimento de si e a essência da existência são tão complexos quanto o significado da vida.
Com essas chorumelas na cabeça, por intuição, fui procurar o meu velho amigo e guru Tanaguchi e o encontrei no lugar que ele gosta de ficar aos domingos: Praça Olinto Leone. Tão logo o encontrei, não lhe despejei de imediato minhas conjecturas existenciais, sabia, a priori, que toda conversa com Tanaguchi, descambaria, fatalmente, pra os mistérios da vida e coisas da ciência. Não é que queira esnobar sabedoria, afetado, ele é um sábio que não sabe que é sábio.
Fiz das tripas coração:
- Já encontrou o coronavírus, meu velho?
- Não! Estou tomando todas as precauções da idade para não ser comido pela covid-19, é uma morte horrível!
- Acha que os chineses modificaram, geneticamente, esse “animal”?
- Não sei... não sei... eles estão num boom de prosperidade, riqueza, e autoestima para liderar o mundo, não iriam cometer um crime contra a Humanidade. Acredito que eles cometeram crime de informação por conta do regime político totalitário. A endemia começou em Wuhan, o médico Li Wenliang que alertou sobre a doença foi “silenciado” e a endemia tornou-se pandemia, o vírus correu mundo... Concorda?
- Sim! – Acrescentei:
- Não entendo os desígnios da Providencia para que a Humanidade sofra tanto?
- O ateu aqui sou eu meu caro! – Continuou:
- Narvil, não meta Deus no sofrimento do homem. As pandemias sempre existiram e existirão. Na Bíblia, você encontrará a praga dos gafanhotos e outras pragas. A peste negra na Europa dizimou milhões de pessoas, a gripe espanhola matou outro tanto. O sífilis, a malária, a catapora, a chikungunya e o HIV ainda estão fazendo vítimas, são doenças muito antes da covid-19. Deus não tem nada a ver com esse sofrimento da Humanidade. O homem é o lobo do homem, “homo homini lúpus”, o homem que destroi a natureza, suja o mundo, daí advêm as endemias e as pandemias, o homem que constroi sua história...
- Estimado Tanaguchi, parodiando Sócrates, você é um polvo que nos entorpece, entorpece as nossas ideias, a nossa alma. Chequei aqui em busca de resposta pelo que estar acontecendo no mundo e entender os desígnios de Deus, mas, não encontro resposta, você sustenta que o homem é responsável pelos seus males, pelo seu destino. Conclui-se que Deus não existe. Roga-se em vão a ajuda de um Ser Divino. O homem que se cuide, se quiser sobreviver, use sua racionalidade e suas experiências passadas para encontrar suas respostas, as soluções dos seus problemas. Não é Tanaguchi!?
- Meu amigo, eu sou ateu, um agnóstico para suavizar, quando muito, um panteísta romântico. Não sou um religioso, um crente... Procurar a fé em mim, é procurar água num poço estéril. Procuro ver as coisas pela ótica da razão, do racionalismo cartesiano, “cogito ergo sum”, o homem é que produz seus males, suas mazelas, não Deus!
- Então, é fantasia a promessa de Jesus Cristo de vida eterna? Que estamos aqui para redimir os pecados? Que no Dia de Juízo todos serão julgados? Que a carne é corrompida e a alma não? Que na volta de Jesus Cristo, os bons e os maus ressuscitarão, porém, só os bons entrarão no reino dos céus? Portanto, nada disto é verdade, Tanaguchi?
- Amigo Narvil, não há verdade absoluta. Feliz do indivíduo que sustenta suas convicções religiosas, sua fé, seus princípios morais e senso de justiça até o fim dos seus dias. O homem que abdica da fé é infeliz. Você poderá questionar: “Tanaguchi, que incoerência essa sua, faz uma coisa e recomenda outra?”, então, lhe responderei: “Amigo quero que o outro seja feliz, conforme sua natureza, sua carga emocional, seus sentimentos inatos, a razão pura é inóspita, a vida requer sentimento de alegria, de tristeza, de satisfação, de plenitude, de relações sociais, sem esses ingredientes, a vida não tem sentido. Todo ateu Narvil, tem seu momento de fé, de fraqueza humana, de insegurança, às vezes, renega o dia que nasceu e culmina com: “Não quero mais ser eu...”, muitos recorrem ao suicídio!
- Todo ateu tem esses conflitos existências?
- Sim!
- Pensei que tu fosses bem resolvido!?
- O tempo nos ensina a sublimação da vida. Substituímos os conflitos existenciais por ações hedonistas e solidárias. Os prazeres da vida não são estritos, somente, aos carnais, mas todos os prazeres que a vida proporciona ao homem, inclusive, o prazer de não ser constrangido por filigranas morais. Não acreditamos, também, em ações maniqueístas do Bem absoluto (Deus) e do Mal absoluto (Diabo), entendemos que o bem e o mal são princípios morais relativos, que o mundo não é regido, somente, por esses princípios. - Ufa!...
- Velho guru, percebo seu cansaço mental, não é fácil elaborar esses princípios teóricos de repente, numa conversa informal, numa praça da cidade, embaixo dessas árvores caindo “insetos” em nossas cabeças, num dia de domingo, sem tempo para elaborá-los, todavia, antes de voltarmos para nossas casas, que significa “Não quero mais ser eu”?
- Obrigado por sua preocupação com a minha saúde. Essa expressão Narvil, significa quando o sujeito cai em si, que a vida não vale a pena, niilismo, descrença absoluta, o fim do homem é condição absoluta: nasce, cresce e morre. Quem tem religião se agarra aos seus preceitos e morre nas asas da esperança e o racionalista descobre que todos os seus projetos de vida terminam quando o corpo desce à terra. Alguns homens fracos antecipam o fim com o suicídio. É isso aí, meu amigo, não sei se lhe fui convincente, mas, é uma realidade que assusta, é inexorável...
- Compreendi, mas não aceito, prefiro morrer na ilusão da fé... Obrigado!
Eu saí dali mais confuso e perturbado.


Autoria: Rilvan Batista de Santana
Licença: Creative Commons

 
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 15/06/2020
Alterado em 16/06/2020


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr