Textos

Zé Magrinho - R. Santana


Não sei se foi o ano de 1963 ou 1964 ou 1965 ou, outro ano antes ou, outro ano depois desses anos, enfim, o ano não importa. Aliás, é costume nosso apegarmos mais ao tempo do que à ocorrência. O fato é maior do que o ano ou não? Claro! O ano serve, somente, como referência de tempo e o episódio como referência de vida.

Num desses anos, encontrei Zé Magrinho engolido numa rede nordestina na casa do seu avô João Zabelinha, na cidade sergipana de Lagarto, no distrito de Coqueiro. Zé Magrinho só tinha pelanca e osso, mais osso do que pelanca. Naquela rede, ele parecia um filhote de coruja assustado. Tossia noite e dia, já não se aguentava mais em pé, todos apostavam que dali pra o cemitério. Ninguém apostaria uma moeda de mel coado que Zé Magrinho teria mais seis meses de vida. Todos diziam: ele está na fila da eternidade, não no finzinho, mas no comecinho, que morreu e esqueceu-se de cair.

Caro leitor, ele não nasceu doente, mas filho de pais sertanejos, no dizer de Euclides da Cunha: “... o sertanejo é ante de tudo um forte, não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços do litoral”. Sua mãe, mulher da roça, mulher parideira, que paria não nos hospitais, mas, com as parteiras da roça que se gabavam ter “pegado” muitas crianças sem Deus as ter levado uma sequer pra o céu. Passou o resguardo lá estava á mãe de Zé Magrinho na malhada cultivando fumo enquanto o pai estava na labuta das cabras, dos bodes, dos bois, das vacas e dos suínos. Zé Magrinho nasceu e cresceu nesse ambiente duro, desagradável e tedioso, que faz do homem fraco, homem forte.

Entediado com a vida de campo de Poço Verde, depois de dominar o alfabeto, ler a cartilha e assinar em garatujas o seu nome e rascunhar os primeiros cálculos, ele se despediu dos irmãos menores, de sua mãe (seu pai havia morrido em consequência duma garrafada de babosa), arrumou sua trouxa, pegou um Ford do tipo pau-de-arara e partiu para cidade de Lagarto, que além de mais desenvolvida que Poço Verde, seus parentes maternos estavam lá, todos com o burro na sombra.

Na idade de servir à pátria, deixou um trabalho de serviçal em Salvador, com casa, comida e roupa lavada e foi alistar-se numa unidade do Exército em Aracaju. Todavia, o homem põe e Deus dispõe, lá em Provérbios (16:19) está escrito: “O coração do homem considera o seu caminho, mas o SENHOR lhe dirige os passos”, parece até sina, determinismo, não é, é que o Pai sempre estará voltado para o destino do homem, para seu bem-estar, ou seja, qualquer pai deixa que sua criança corra na calçada, desde que, ela não caia num buraco... Zé Magrinho foi traído pelas circunstâncias antes de ser militar: caiu à toa e fez-se uma pústula à altura de um dos pulmões que quase lhe tira a vida.
Naquela época, não havia ressonância magnética nem tomografia, a teoria de Robert Kock estava no “comecinho” e os antibióticos de Alexander Fleming não venciam a contento os bacilos “Mycobacterium tuberculosis”. Pelos exames empíricos daquele tempo, ele foi diagnosticado tuberculoso e abrigou-se na casa dos seus avôs maternos pra morrer, era o destino de todo tuberculoso, quando o sujeito morria, todos os objetos que ele tinha usado, eram incinerados pela família, aliás, muito antes do doente morrer, todos os utensílios domésticos e pessoais eram separados.
Caro leitor, para que as premissas não sejam maiores que a conclusão, faz-se necessário esclarecer que o apodo “Zé Magrinho” não é demérito para o prenome, nome e sobrenome de José Joaquim do Rosário. Hoje, alguns poucos chamam-no pelo nome de batismo, mas pelo apelido que não escolheu e ficou para sempre.

Hoje, ele com 80 anos de vida, filhos e netos, alquebrado pela idade, ainda é um exemplo de autoestima, de confiança em seus atos, determinado, perseverante, nunca deixou que o mal prevalecesse, que a doença e as más circunstâncias botassem lhe pra baixo. Seus contemporâneos contam que certa feita, Zé Magrinho no pé da escada que o levaria ao consultório do médico Dr. Simão Fiterman, encontrou-se com Sinfrônio Abreu, conhecido babalorixá itabunense, que sem reserva:

- Está doente, rapaz? – Zé Magrinho não se aguentava nas pernas:

- Eu? Acho que é vosmicê!... – Sinfrônio caboclo sarado, protegido por Iansã, Xangô, Ogum, Oxalá e outros orixás, escafedeu-se pra cidade de pés juntos, poucos anos depois, Zé Magrinho está até hoje, firme e forte, como o rabo de macaco.

Leitor amigo, perdoe-me a presunção, eu sou machadiano por opção, não por necessidade, costumo misturar nas minhas narrativas, os entretantos com os finalmentes, ou seja, o começo no fim e o fim no começo. No livro Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis, o narrador conta sua história depois de morto. Brás Cubas, defunto, conta sua história às avessas, de trás pra diante, por isto, leitor amigo, amigo leitor, eu deixei os entretantos para os finalmentes com o cuidado de não comprometer a narrativa, fiel à verdade, sem acrescentar os fatos nem diminuí-los, mas de tamanhos certos, por isto, deixei o começo pra o fim.

Depois que Zé Magrinho “homiziou-se” na casa do seu avô, praticamente desenganado pela medicina de Aracaju, seu dia a dia era deitado numa rede nordestina, um peloco de coruja, os olhos assustados, quase não se aguentava em pé, tossindo diuturnamente. O tratamento por falta de condições era fisioterápico, pouco se usava o tratamento alopático, mas tudo em vão, não surtia efeito favorável, o doente sentia-se cada vez pior.

Certo dia apareceu um velho pedinte com cara de profeta e olhou para Zé Magrinho e teve pena:

- Rapaz tenha fé em Jesus Cristo e será curado! ... - Recomendou-lhe que fizesse o chá das folhas da jurubeba e comesse as frutas em quantidade.

Antes de 3 dias, dessa fórmula medicativa, romperam-se os apostemas no organismo do doente, aí, ele passou a expelir pus em forma de catarro e à medida que os frutos eram comidos e os chás eram tomados, os pruridos de pus diminuíram, a tosse também, um mês depois do tratamento, ele abandonou a rede.

Seis meses depois, Zé Magrinho mudou-se de Lagarto para Itabuna e jamais deixará esta terra que já foi do cacau. Aqui, ele esperará o lugar eteno dos bons e das almas justas, aqui, ele construiu família e educou filhos. Lá e aqui, ele labutou com a morte, mas a vida venceu. Há um provérbio no Oriente que diz: "...um dia feliz equivale um ano", portanto, ele já perdeu a conta dos anos que foi feliz em Lagarto e Itabuna. Sua vida um dia passará, porém, sua autoestima, sua determinação, seu desejo de viver, e a fé no SENHOR, ficarão para sempre.



Autoria: Rilvan Batista de Santana
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Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 13/11/2019


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr