Contos e (des)contos - R. Santana
O grande poeta e escritor paraibano Ariano Suassuna, de saudosa memória, numa de suas palestras disse que “O Auto da Compadecida”, comédia dramática, peça teatral de 1955, é uma mentira com exceção João Grilo e Chicó. Achamos que o escritor quis dizer que “O Auto da Compadecida” é mais ficção do que realidade, que João Grilo e Chicó foram os únicos personagens que viveram e morreram em Taperoá, lugar onde a história se desenrolou.
A história é surreal, com a morte de “Xareu”, o cachorro da mulher do padeiro, resolve-se benzer e velar o cachorro na igreja e a cerimônia em latim. O pároco não aceita, condena veemente a proposta, porém, depois que João Grilo e Chicó convencem-no que o cachorro tinha deixado um testamento milionário para o pároco, aí, ele concedeu velá-lo... O bispo tornou-se empecilho, porém, quando soube, também, que seria beneficiado pela herança do cachorro, deixou-se levar pelas astúcias de João Grilo e Chico.
Há o problema do bando de Severino. O problema da seca, a corrupção da fé e dos costumes, a luta pela sobrevivência. O “Auto da Compadecida” embora seja surreal, tem como pano de fundo chamar a atenção do poder para o Brasil real e não o oficial. Conforme o pensamento machadiano: o Brasil real é o povo e o Brasil oficial é dos privilegiados, dos detentores do poder.
O introito é para fundamentar o nosso desgosto pela subliteratura que graça aqui, ali e acolá. E, essa subliteratura não é só de escritores neófitos, os grandes escritores, os grandes ficcionistas e os grandes poetas praticam, também, a subliteratura, seus contos são uns (des)contos sem mensagem nem significado subjacentes.
Hoje, existe uma escassez de talento, faltam talentos... Na literatura contemporânea não se encontra mais um Machado de Assis, menos ainda, um Shakespeare, então, o talento de um Cervantes, de um Camões, de um Trancoso, de um Jorge Amado, de um Euclides da Cunha, de um Bernardo Guimarães, de um Morris West, de um Saint-Exupéry, de um Fiódor Mikhailovich Dostoiévski, de um Sidney Sheldon, e tantos outros vultos da literatura do Brasil e do mundo.
Às vezes, deixamos passar algumas narrativas que não contribuem para literatura nem o crescimento intelectual do leitor, pois seu conteúdo além de surreal, ele é absurdo e irracional, não o absurdo kafkiano nem o absurdo de Camus nem o absurdo de Heidegger, que é absurdo existencial, necessário, não devaneios e ilações pessoais. Por isto, faz-se necessário em nome da boa literatura que exerçamos como leitor e protagonista do processo literário, a obrigação de não censurar esses textos inúteis, mas o dever de não os divulgar ou tecer comentários gratuitos para agradar o autor.
Hoje, existe uma poluição de textos inúteis nas plataformas “online”, nos sites de literatura, nas feiras literárias de livros impressos. As editoras querem vender, faturar, livro bom, é aquele livro que seu produtor foi competente no marketing e tornou essa produção, essa obra inútil, num best-seller. Muitos leitores avaliam o conteúdo pelo termômetro da mídia não pela reflexão pessoal do conteúdo.
Duas dessas obras inúteis, por exemplo, circundam em sites e blogs, acreditamos que também em livros convencionais e textos literários avulsos, os contos: “O homem cuja orelha cresceu”, de Ignácio Loyola e “Homem Insuportável”, de Cyro de Mattos. Nunca lemos nada de tão ruim e inútil, um desserviço à literatura brasileira, textos absurdos que não contribuem nem acrescentam, subliteratura que não devemos passar para os nossos filhos nem para jovens e adultos.
O conto “Homem Insuportável”, o protagonista não tem prenome nem nome, é conhecido pelo apodo “Insuportável”. Uma narrativa linear sem enredo significativo, sem emoção, sem trama, sem conclusão inteligente, incoerente desde o início da história, não seria demais afirmar que o início do conto se confunde com o meio e o fim, sem ilação final, o raciocínio é o mesmo desde o começo.
O assunto desenvolvido pelo autor é o mau cheiro dum sujeito que tem pavor à água. Desde tenra idade esse homem não gosta de tomar banho. Quando pequeno tomava banho quando os pais o ameaçavam com surras e maus tratos, devido esse odor insuportável, ele é enjeitado por todos, inclusive, sua mulher e vizinhos. Nem na cadeia teve morada tranquila. Foi morar perto do lixão, nem aí os urubus o deixavam em paz, terminou trancado na solidão do seu quarto.
Porém, a incoerência do texto é gritante, o autor inicia sua história apresentando um sujeito normal, sem fobia, sem psicose, sem ideia obsessiva, vejamos: “Não que fosse cheio de rancor, pessimista, depressivo, alimentada era a alma com as coisas boas da vida”, portanto, esse sujeito não tinha problema mental, apresentar-lhe depois como sujeito imundo, fedorento e excêntrico que não condizem com os traços de uma alma boa.
O conto de Ignácio de Loyola “O homem cuja orelha cresceu” é tão esdrúxulo e fantástico quanto o de Cyro de Mattos. Vejamos: Certo dia um homem sente-se fatigado e a orelha pesando, ele pensou que fosse em decorrência do cansaço do seu estafante trabalho, mas ao se olhar no espelho assustou-se ao ver suas orelhas enormes e, à medida que o tempo passava, as orelhas cresciam ainda mais. Pensou cortá-las com a tesoura, mas não encontrou uma tesoura. Cresciam tanto que procurou um açougueiro para fazer postas dessas carnes de orelha.
Não havia solução pra que suas orelhas parassem de crescer, nem o governador nem o presidente deram solução, as carnes se amontoavam na cidade, porém, surgiu um menino que sugeriu ao policial, a solução definitiva: “Por que o senhor não mata o dono da orelha?” - assim foi feito.
Sabemos que não irão faltar mentes de imaginação fértil para defender e achar o significado desses (des)contos. Porém, deixando de lado as conjecturas inúteis, as paixões intelectuais, as ilações inócuas, quais as contribuições que esses excessos de fantasia concorreram para o aprimoramento da ciência e da humanidade? Nenhum! Não existe nem fundo moral, a história encerra em si, são devaneios da imaginação que atendem, somente, à criatividade ilógica e absurda desses autores.
Não é a mesma coisa, mas uma metáfora, que tem um sentido figurado diferente, porém, explica quando o texto é inteligente, buscamos em Drummond um poema que fala da orelha do livro com significado que pode ser transposto para realidade sem prejuízo da arte, seus versos nos transportam para alguma situação real:
POEMA-ORELHA - Esta é a orelha do livro / por onde o poeta escuta / se dele falam mal / ou se o amam.
Tudo vivido? Nada. / Nada vivido? Tudo. / A orelha pouco explica / de cuidados terrenos / e a poesia mais rica / é um sinal de menos.
Enfim, que os ficcionista e poetas de fantasias nos perdoem, mas urge a necessidade duma literatura de pés no chão, de mensagens significativas que norteiem a vida difícil do homem moderno, mensagens que melhorem sua autoestima não de firulas intelectuais que não dizem nada nem nos levam a lugar nenhum.
Autoria: Rilvan Batista de Santana
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