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A Mentira - R. Santana

A Mentira
R. Santana
Faz algum tempo que ouço dizer que “a mentira tem pernas curtas”, os moralistas sustentam que o problema do mentiroso, é que ele tem de mentir muitas vezes para sustentar sua primeira mentira. A sentença que mais define a mentira é sua antítese, a verdade: “a verdade adoece, mas não morre”, ou seja, a verdade o oposto da mentira, claudica, fica enferma, moribunda, mas um dia, ela surge com força desmedida. Por isto, aconselho àquela pessoa que me quer ouvir, que não minta, por mais inocente que seja sua mentira.
Às vezes, a vida puxa-nos para situações que não desejamos e não estamos psicológica e fisicamente preparados para enfrentá-las, aí, a mentira é sacada para se esconder uma realidade irreversível, que não temos como lhe converter, sentimo-nos impotentes, a exemplo: dizer a verdade para um ente querido em estado terminal, que os médicos esgotaram todos os recursos da ciência conhecida para salvar sua vida. Neste caso, na casa do sem jeito, recomenda-se a meia verdade, isto é, nem alimentar uma esperança que não existe nem renunciar à compaixão, o respeito, enfim, considerar o sofrimento daquele ente querido.

Permita-me leitor, leitora, ilustrar este texto nos parágrafos subsequentes com uma historinha que mostra a fraqueza da mentira que não resiste por muito tempo à força da verdade, quando a verdade chega, a mentira perde a esperteza.

No início dos anos 60, com idade de 11 ou 12 anos, eu estudava na Escola Sagrado Coração de Jesus, dirigida pela professora Nair Assis Menezes, quando o Banco Raso ainda não era Banco Raso, mas uma capoeira com casebres espaçados, construídos aqui e acolá.

A maioria do seu alunado morava no bairro São Caetano, alguns alunos moravam na zona rural, fazendas ou sítios, poucos alunos moravam do outro lado da ponte do rio Cachoeira, isto é, em algum lugar da cidade itabunense. Não havia transporte coletivo, o transporte dos alunos para Escola Sagrado Coração de Jesus, era feito a cavalo, de bicicleta, de carroça, de Fobica ou Jeep, a maioria dos alunado ia e voltava a pé.

Do bairro Banco Raso até o bairro São Caetano, onde eu e outros colegas morávamos, íamos e voltávamos a pé por uma vereda dentro do matagal. Nesse caminho estreito, fazíamos fila indiana e preocupados com alguma cobra iminente, quando chegávamos num lugar mais espaçoso, pegávamos picula com brincadeiras criativas, não tínhamos mochilas de marca, trazíamos os livros nas mãos ou, aqueles estudantes de mães costureiras, improvisavam sacolas de cáqui (luxo do luxo), embornais, tudo simples, mas de significado inestimável para esses sortudos.

Nunca tive uma sacola de cáqui, nem mochila, prendia os livros no sovaco. Com bermuda de brim, camisa de algodão, “Volta ao Mundo”, de tamanco ou sandália de couro curtido ou, “sandália japonesa”, tínhamos aí o nosso “uniforme” não padronizado. A professora Nair se preocupava com o conteúdo escolar, a aprendizagem e, a nossa higiene pessoal: - dentes escovados, ouvidos limpos, unhas aparadas, banho diário e cabelo feito, quem não se encaixava nesse padrão, voltava para casa com incumbência de levar pra escola no outro dia, o dobro das tarefas cotidianas, se o indivíduo negligenciasse com as atividades, seus pais eram convocados.

Pois, foi nesse vaivém, nessa pobreza de materiais escolares, de suportes didáticos, a falta duma mochila, a displicência da idade, que eu perdi o meu lápis, principal elemento da escrita, com uma borracha na ponta e estampado: último modelo. O leitor e a leitora poderão questionar: “Que tem a ver a mentira com perder o lápis?”, dir-lhe-ei que neste caso, o lápis foi a causa da mentira, ao perder o lápis fiz coisa errada além da mentira.

Naquela época, o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem - DNER, hoje, Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte – DNIT, estava terraplanando uma área de 2 ou mais hectares para construir sua sede administrativa no Sul da Bahia. Os tratores faziam escavação na terra, ao tempo que os tratoristas amontoavam toneladas de cascalhos finos, aqui, ali, acolá. Um desses tratoristas, era o negro Ademário, que algum movimento negro não diga que eu sou racista, mas pela simplicidade de Ademário, digo-lhe, hoje, que ele era um “negro de alma branca”.

Quando voltávamos da escola, obrigatoriamente, passávamos por esse terreno em terraplanagem, ali, no meio dos escombros e do vaivém das máquinas, eu perdi esse lápis de estima, por desencargo de consciência, menos por acreditar em encontrá-lo, pedi ajuda aos tratoristas, que se o encontrasse, devolvesse-me, dentre esses tratoristas, reforcei o pedido ao negro Ademário, que era amigo da família e quase vizinho.

Naquele dia, o inacreditável aconteceu: o negro Ademário encontrou esse lápis em meio de toneladas de cascalho, de terra e tocos de árvores, além disto, eu fui pego por meu tio (espécie de pai) por ter mentido e usado dinheiro indevido dum pequeno comércio da família, na perda do lápis, peguei sem autorização, alguns centavos de cruzeiro no caixa do comércio, insignificantes no valor, mas flagrante desvio moral de conduta. Naquele dia, quando esse lápis para mim era coisa do passado, já apagado em minha memória, fui surpreendido pela voz de censura do meu tio:

- Que é de seu lápis!?

- Ele está na cômoda!
- Vá buscá-lo! – peguei o lápis com a velocidade de um raio e entreguei-lhe, mas, caí das pernas, quando ele me mostrou o verdadeiro lápis que o tinha escondido atrás das costas:

- E, este!? – aí a história veio à tona: Ademário havia encontrado o lápis, o imaginável, inimaginável, a impossibilidade, possível, e, o uso do dinheiro indevido para substitui-lo. Como diz o malandro d`hoje, “a casa caiu”, meu tio em nome da probidade e da verdade, puniu-me com meia dúzia de “bolos” com palmatória de jacarandá, a palmatória com um furinho no meio, corretivo da Psicologia da época.

Estimado leitor e leitora, hoje, nem que a “vaca tussa”, eu não minto, na casa do sem jeito, valho-me do provérbio popular de que “quem cala consente”, ou seja, não digo “sim” nem “não”, deixo que o interlocutor faça seu juízo de verdade. A verdade é uma candeia que mais que tentemos esconder sua iluminação, a iluminação rompe pela fresta.

Enfim, “a palavra voa, a escrita fica e o exemplo permanece”, espero que meu exemplo permaneça e seja luz para formação de caráter de muitos jovens e menos jovens, mundo afora.




Autor: Rilvan Batista de Santana

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Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 21/07/2019
Alterado em 21/07/2019


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr