Fonsequinha
R. Santana
Foi um homem santo e pecador. Santo, porque não tinha a maldade dos maus, mas a bondade dos bons. Pecador, porque usufruiu como ninguém dos prazeres da carne e da vida. Seguiu à risca o conselho do poeta Vinícius de Moraes em relação à vida afetiva: “Que seja eterno enquanto dure”. Senhor de harém, homem volúvel, teve muitas mulheres e uma penca de filhos, cuidou dos filhos e das mulheres todo o tempo com responsabilidade e amor, além de um pai presente.
Homem simples de voz arrastada e sonora, trabalhador, amigo, prestativo, sempre preocupado com o outro e, de amizades duradouras. Não tinha tempo para alimentar inimizades, seus inimigos eram gratuitos, não declarados, mais por inveja do que por quaisquer outros motivos escusos. Nas suas relações políticas partidárias, justificava: “... em política, não há amigos incondicionais nem inimigos irreconciliáveis”. Ele elegeu-se duas vezes ao legislativo itabunense.
Poder-se-ia, hoje, considerar Fonsequinha um pequeno empreendedor, teve olaria, pedreira, caminhoneiro, mercadinho e fundou e loteou o “Fonseca”, bairro popular itabunense. Esse loteamento foi regido pela cobrança de aforamento e não a venda definitiva dos terrenos. Fonsequinha empreendeu esforços políticos consideráveis para que autoridades municipais e estaduais levassem ao novo bairro, serviços básicos de saneamento, luz e água. A fundação do “Bairro Fonseca” visava, naquela época, atender à demanda de um segmento menos favorecido da sociedade com a construção de casas populares e não de lucro imobiliário.
Porém, mais do que por vocação comercial, Fonsequinha trazia na alma e no coração, a vocação política, não ideologia política, poder político, mas política como condição sine qua non para desenvolver políticas públicas que atendessem às necessidades primárias do povo. Por isto, foi várias vezes candidato ao legislativo itabunense nem sempre com sucesso até se eleger por 2 mandatos consecutivos.
Fonsequinha não era homem de briga, mas de enfrentamento: “...dou 1 boi para não entrar e 10 bois para não sair”. Com o assassinato em Dallas (1963), Texas, do presidente dos Estados Unidos, John Fitzgerald Kennedy, os políticos do país, os puxa-sacos dos norte-americanos, batizaram com seu nome, ruas e bairros, aqui, em nossa terra tupiniquim, não foi diferente, o vereador Antônio Calazans apresentou na câmara municipal um anteprojeto para mudar o nome do bairro: “São Caetano” para “John Kennedy”. O vereador da proposição justificava que Kennedy havia criado o programa “Alliance for Progress”, “Aliança para o Progresso”, cujo objetivo seria incentivar o desenvolvimento econômico e social latino americano.
Antônio Calazans era um político tupiniquim, ladino, manhoso, conseguiu convencer seus pares para que o anteprojeto avançasse e, no máximo, em 2 sessões, fosse aprovado e enviado à sanção do prefeito. Fonsequinha liderou o descontentamento dos bairristas, ocupou as ruas da prefeitura e ocupou, parcialmente, o plenário da Câmara de Vereadores enquanto na rua ouvia-se o som de charanga tocando o Hino Nacional e discursos inflamados.
A proposição foi aprovada por maioria absoluta e enviada para o prefeito Alcântara, um político populista, jamais ficaria contra o povo, entrementes, não queria desagradar os vereadores, convocou os líderes do bairro, dentre eles, Fonsequinha, depois de muita discussão, Antônio Calazans foi convencido retirar o projeto e apresentar uma emenda que ao invés da mudança do nome de São Caetano, John Kennedy, passaria ser o nome de sua principal avenida, portanto, Alcântara agradou aos gregos e aos troianos e foi inaugurada à Avenida Kennedy que vai da princesa Isabel à BR-101.
Fonsequinha foi importante, também, na implantação da rede de energia elétrica (nos primórdios do São Caetano, as famílias usavam o candeeiro ou o Aladim), da rede de água tratada (assim como não havia energia elétrica nas casas e nas ruas, não havia água encanada, os reservatórios eram abastecidos por água de chuva e os potes por água de cisterna). Hoje, alguém pode até pensar que não foram grandes feitos, mas, naquela época, foram lutas, discussões e ações políticas para que esses serviços fossem implantados na comunidade.
Embora de partidos diferentes, Fonsequinha reivindicou do prefeito Simão Fiterman (1973/1974), aberturas de novas ruas nos bairros: Fonseca e São Caetano. Essas novas ruas alavancaram o desenvolvimento desses bairros com saneamento básico, construção civil, energia elétrica, água encanada e o tráfego de automóveis e caminhões.
Quatro décadas depois, São Caetano, hoje, é uma cidade dentro da cidade de Itabuna, aqui, é a sede administrativa municipal, bancos, igrejas, colégios, escolas infantis, mercados, consultórios médicos, odontológicos, posto de saúde, casa de material de construção, frigoríficos, feira livre e uma população de mais de 30.000 habitantes. Todo este progresso foi devido ao trabalho de muitos homens e mulheres que ficaram no anonimato, mas de homens que jamais serão esquecidos, a exemplo do inesquecível vereador Eduardo Fonseca, "O Fonsequinha".
O homem é o agente da História, todavia, a História é feita por homens bons, os homens maus não constroem, destroem, a título de ilustração: qual foi a contribuição para humanidade de Hitler, Goebbels, Himmler, Franco, Mussolini, Muammar Kadafi, dentre outros? Nenhuma. Os homens maus passam e deixam um rastro de maldade que leva muitos anos para ser apagado.
Por outro lado, os homens bons não morrem, cristalizam-se no tempo. Homens e mulheres a exemplo de: Albert Sabin, Santos Dumont, Christian Barnard, Irmã Dulce, Florence Nightingale, Madre Teresa de Calcutá, Robert Koch, Freud, dentre outros. Fonsequinha, resguardando as proporções históricas, foi um benfeitor tupiniquim, não deixou nada escrito, nenhuma descoberta científica, mas deixou o exemplo, pois “a palavra voa, a escrita fica e o exemplo permanece”. Seu exemplo permanecerá para sempre na memória da comunidade do São Caetano e Fonseca, sua história passará de geração para geração.
Autoria: Rilvan Batista de Santana
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Membro da Academia de Letras de Itabuna