Major Dórea R. Santana
Major Dórea
R. Santana
O ano deve ter sido 1964 ou 1965, não me recordo à data precisa, naquela época, eu não passava de um rapazote sem ideologia política, a minha única ideologia era a ideologia da sobrevivência. Lembro-me que foi após o Golpe de Estado de 1964, que encerrou o governo popular de João Belchior Goulart, popularmente, “Jango” e, estabeleceu-se o regime militar no país que ocorreu essa história burlesca e hilária que contarei a seguir.
O “Bar de Pedro” era o point principal do Bairro São Caetano. Ali, os moradores tinham o seu lugar de prazer e diversão dia e noite, pois além de bar de jogos de sinucas, de dominós e de baralhos, havia um arremedo de lanchonete com sorveteria. A freguesia era enorme, gente simples, cordata, conhecida, não obstante recinto de jogos e bebidas, a polícia e a justiça não tiveram trabalho durante anos que o “Bar de Pedro” foi o principal point do São Caetano.
Dentre esses fregueses, “José Pedreiro” (só se conhecia o prenome e o apodo, o nome e o sobrenome nunca se soube). José Pedreiro gabava-se ter sido soldado da FEB (Força Expedicionária Brasileira), e lutou nos campos da Itália, durante a Segunda Guerra Mundial, além de ter participado da vitória de Monte Castelo.
Não se levava a sério José Pedreiro, todos achavam que suas histórias não passavam de apego doentio pelo exército brasileiro, contos da carochinha, um aficionado, principalmente, a influência recente do Golpe Militar de 64, e suas histórias da FEB na Itália serem contadas quando ele já tinha tomado alguns goles de água que passarinho não bebe.
Uma molecada divertida frequentava o “Bar de Pedro” com assiduidade e fidelidade, notadamente, estudantes do CEI (Colégio Estadual de Itabuna), às vezes, pra jogar sinuca, outras vezes, pra lanchar, chupar picolé, tomar sorvete, contar suas últimas conquistas amorosas, gozar do colega que não tinha ido bem à prova da escola, jogar conversa fora, tudo era motivo de gozação e brincadeira.
Foi essa molecada que criou um imbróglio institucional que, por pouco, não é chamado o SNI ou DOI – CODI pra apurar uma denúncia de José Pedreiro, mas a denúncia foi parar em major Dórea, brioso oficial do exército que trabalhava em Ilhéus e morava em Itabuna, é que a molecada havia rasgado uma bandeira (não oficial) do Brasil, colada na vitrine do balcão de doces e massas do “Bar de Pedro”. A molecada, com a conivência do proprietário do bar, provocou José Pedreiro e rasgou a bandeira de papel para lhe irritar, pois estávamos na semana da pátria e o ato era, conforme seu entendimento, um desrespeito à pátria ao governo e coisa de comunista.
Dois dias depois, quando ninguém se lembrava mais da brincadeira, pára uma Aero Willys reluzente na porta do bar com um homem fardado verde oliva e José Pedreiro, todos perceberam a embrulhada: ele tinha ameaçado e cumprido a promessa de denúncia, e o pior: os restos da bandeira brasileira ainda se achavam colados na vitrine. Todos ficaram assustados...
Os dois homens desceram do automóvel e, eles caminharam em direção ao bar, José Pedreiro um pouco atrás, de paletó e gravata, noutra situação, a molecada o teria ridicularizado de tanto rir, mas naquele momento ninguém riu. O major que o conhecia de “eu ouvi dizer e fama ”, ia à frente, de estatura normal, um pouco obeso, não tinha a aura de um Napoleão quando derrotou os Austríacos e assinou o “Tratado de Campo Formio” nem o porte do general cartaginês Aníbal nem do intelectual Júlio César que transformou a República Romana em Império Romano, se não fosse o peso da farda, não passaria, naquele momento, de uma figura de somenos importância e caricata.
Os moleques deram “pernas pra que te quero?...”, o dono do bar, Pedro Batista de Santana, vulgo “Pedro do Bar”, sergipano intrépido, arretado, afeito às situações mais difíceis da vida, desde que migrou de Sergipe e comeu o pão que o “Diabo amassou” em Maria Jape de Ilhéus, apresentou-se ao major Dórea como proprietário do estabelecimento. Depois que o major bufou e ameaçou todos os presentes com prisão e processo, que aquilo era prática comunista, Pedro com segurança e raciocínio perfeitos, argumentou que ali ninguém tinha ideologia política, que os moleques muito menos, que todos estavam satisfeitos com o governo, que tudo não tinha passado de uma brincadeira pra irritar José Pedreiro que bebia mais que trabalhava, que o denunciante tinha um “parafuso a menos na cabeça”, etc., etc.
Felizmente, o major Dórea reconheceu o ridículo que o “dedo duro” fê-lo passar e “rabo entre as pernas” entrou no carro e voltou para sua tropa e seu quartel, porém, para que sua autoridade não fosse maculada, burlesca, enxovalhada, que sua ida ali tomasse ares de ofício e inteligência, exigiu:
- Seu Pedro, cole outra bandeira do mesmo padrão na vitrine e distribua uma grosa entre os estudantes no dia 7 de Setembro! – quando ele ia longe, um moleque do sinuca brincou:
- Pedro, isso é o quê? Grosa se come?
- Sei lá, peste!...
Autoria: Rilvan Batista de Santana
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