Ah, se o próximo fosse igual à humanidade... - R. Santana
Eu fico aqui, ruminando as minhas ideias, no meu cantinho, à Rua Cosme Damião, 69, São Caetano, distante alguns metros do mercado a céu aberto mais velho do mundo que se tem notícia, que remonta às mais antigas civilizações egípcias, gregas e romanas: a feira-livre. Os judeus faziam dos seus templos feiras-livres, tanto que Jesus Cristo os expulsou com chicotes de cordas: “Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!” (Jo 2,13-25), no Século I, de lá pra cá, mudou só o local, de templo pra praça, pra rua, mas o comércio livre permanece no mesmo molde. Porém, a nossa reflexão de hoje, não é pra falar de vendedores e feiras-livres, mas pra falar do homem, de sua natureza, de solidariedade, de amizade, de amor, e do maniqueísmo bem e mal.
Nelson Rodrigues foi feliz quando disse: “É fácil amar a humanidade, difícil é amar o próximo”. Recorrendo mais uma vez a Jesus Cristo quando questionado no meio de judeus, fariseus, escribas, hebreus, essênios, gregos, reduziu os “Dez Mandamentos” em: ‘`Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento” e, “amarás ao teu próximo como a ti mesmo”, - pois toda Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos.
Amar o próximo não é fácil, ainda mais, quando o próximo está próximo. O provérbio popular “quer conhecer o outro, é comer sal juntos”, é de um conhecimento metafísico, a proximidade demais só se enxerga defeito e não qualidade, pois na intimidade o outro se expõe, se desnuda, aí fica difícil amá-lo.
Diferente de Rousseau, o homem é de natureza má, a sociedade o torna bom. O nosso arquétipo atual de homem é diferente do homem de Thomas Hobbes O homem é essencialmente mau, bruto, animal, mas a educação e a instrução deixam-no humano e sociável.
De acordo Claude Lévi-Strauss “o homem obedece a leis que ele não criou: elas pertencem a um mecanismo do cérebro”, a função da sociedade através estado, é desenvolver esses mecanismos para que homem viva e conviva em seu meio ambiente de forma inteligente e civilizada. Se fosse possível voltar ao Homo erectus, ao Homo sapiens, ao homem de Neandertal, constatar-se-ia que a herança biológica é a mesma do homem atual, não houve evolução darwiniana, o homem não evoluiu do macaco, porém, a herança comportamental é diferente, esses homens eram animais e não “personas”, pessoas, ou seja, eles eram “bichos”, movidos por instintos primitivos, de sobrevivência, alguns nômades e outros sedentários.
Mesmo com as boas competências socioemocionais, culturais, políticas e religiosas, adquiridas pelo homem ao longo do tempo, potencialmente, ele é egoísta, predador, possessivo, corruptor, passional, narcisista, sádico, torturador, desonesto, infiel, covarde, invejoso, falso e criminoso.
Estimado leitor, faz-se necessário esclarecer, que grosso modo, o sujeito isolado, não desenvolve e não possui toda essa carga de emoções negativas, salvo, uma personalidade de distúrbios mentais sem limite, uma personalidade psicótica. O sujeito de atitudes consideradas “normais”, através da educação e da cultura, desenvolve sentimentos que o aproxima mais do seu próximo, a exemplo de generosidade, de lealdade, de fidelidade, de humildade, de gratidão, de coragem, de amizade, de solidariedade e de amor.
Esses sentimentos não são psicogenéticos, hereditários, atávicos, isto é, não estão inscritos nos genes, no DNA; são sentimentos psicossociais, ou seja, adquiridos pelo sujeito por influência do seu grupo social ou de outros grupos sociais.
No Século XIX, o médico e antropólogo criminal, Cesare Lombroso, sustentou a tese de que o sujeito nasce com predisposição criminosa, herança genética irreversível, como se fosse uma doença crônica, que se mantém latente com paliativos, jamais se obtém a cura definitiva. Ele até escreveu alguns ensaios científicos como identificar um criminoso pelas suas características físicas e patrimônios atávicos, que hoje, são referências históricas, literárias, mas sem validades científicas.
Parece contradição dizer que o homem é essencialmente mau acima e contradizer Lombroso, porém, existe uma diferença significativa, não é porque o homem nasce de natureza má e necessariamente vir a ser um criminoso. O homem é como o barro de oleiro, essencialmente barro, todavia, ele poderá moldá-lo em tijolo, panela, brinquedo lúdico, tigela, etc. Por conseguinte, a matéria prima é a mesma, mas a finalidade é diversa.
O homem é o único animal inteligente (os demais têm comportamentos inteligentes e a maioria absoluta age por instinto), além de vontade e discernimento, portanto, ele determina o seu destino. Ele não nasce “pronto”, mas constrói sua história de vida, evidentemente, com a influência do seu meio ambiente, ele tem livre arbítrio pra escolher se quer ser uma pessoa do mal ou uma pessoa do bem, ele é “santo e pecador”.
Porém, não obstante a capacidade de escolha do homem, do seu livre arbítrio, de mecanismos psicológicos (dissimulação, reflexão, sublimação, racionalização, compensação, etc.), ele está sujeito a certos mecanismos sociais de limite e convivência: leis, normas, respeito às tradições, religião, política de governo, política de estado e, princípios éticos e morais.
A violência, os crimes contra vida, os crimes de conduta e os crimes ambientais têm sua origem na deficiência de educação, na deficiência de instrução, na ausência de políticas públicas de cidadania, na ausência de políticas públicas de combate à miséria (não confundir com assistencialismo), no afrouxamento das leis, na deficiência de outras políticas de estado, de governo, e, na ausência de princípios religiosos, morais e éticos, porque ninguém nasce criminoso, ladrão, estuprador, predador...
Enfim, o próximo não é igual à humanidade, o próximo é o repositório de fatores instintivos do comportamento, de linguagem articulada, de fatores conscientes, de razão, enquanto a humanidade é a sublimação do gênero humano, a purificação... O pensamento “é fácil amar a humanidade, difícil é amar o próximo” é emblemático, embora humanidade se refira à natureza humana, às características humanas, é um conceito ideal, abstrato, não é palpável quanto o homem, o próximo, que se é indiferente, que se odeia ou que se ama.
Autoria: Rilvan Batista de Santana
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Membro da Academia de letras de Itabuna
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