Digressões Literárias
R. Santana
Hoje, acordei com o demônio socrático cutucando-me para escrever sobre os escritores e poetas baianos, em particular, os poetas e escritores regionais e itabunenses. Não com a mesma determinação de Garcia Márquez: "Quando não escrevo, eu morro. Quando escrevo, também", todavia, celebro a leitura e a escrita, diuturnamente, com gosto e prazer. Acordei com a vontade de produzir um texto “suis generis” sobre a nossa literatura tupiniquim, a priori, quero pedir licença poética e avisar aos nossos poetas e escritores, que não é um ensaio, com referências bibliográficas, estudos aprofundados, mas um texto embasado em minhas impressões e experiências pessoais.
Também não cultivo o ritual de Georges-Louis Leclerc, conde de Buffon, que usava roupas de estilo com punhos de renda quando ia escrever sobre ciência da natureza. Como sou, apenas, um escrevinhador sem nenhuma pretensão literária ou científica, meu ritual é modesto: depois do desjejum, com qualquer vestimenta (quase sempre de bermuda), uma cachacinha com limão, um charuto fumegante no canto da boca, um dicionário de lado, começo escrevinhar e conjeturar sobre o mundo e coloco no papel minha produção criativa.
Não sou amante de literatura erudita que valoriza mais o conhecimento ordenado, metódico, lógico, que a produção criativa, organizada, simbólica, significativa, lúdica, com recursos literários que antecipam e vislumbram. Se um babalorixá, por exemplo, vomita num espesso livro conhecimento acumulado de sua seita religiosa, ou, outro religioso de princípio diferente exagera em sua exegese, prefiro ignorá-los, pois o pensamento flexível, metafórico, sobrepuja o pensamento lógico cheio de amarras.
Nem sempre quem faz poesia é poeta ou quem escreve texto é escritor, romancista, cronista, articulista, ensaísta, além do conhecimento intelectual, é imprescindível que o poeta ou escritor seja sensível aos elementos da realidade que, transmitidos à sua obra, são capazes de despertar emoções. Hoje, se cultiva o verso livre, não existe mais o compromisso com a métrica, com as formas fixas, com os gêneros épicos, líricos ou dramáticos, assim como as produções textuais não valorizam mais a sintaxe, a ortografia, enfim, a gramática e o estilo como antes, o importante, é transmitir o conteúdo sem censura, sucinto, comunicar-se, e que a interlocução entre pessoas flua com naturalidade...
As Redes Sociais contribuem para essa nova linguagem, o WhatsApp, por exemplo, envia mensagens instantâneas, vídeos, fotos, áudios, em tempo de segundos através da Internet, portanto, a escrita erudita é de somenos importância, se não desaparecer com o tempo, certamente, será modificada.
Dentre todos os estados da federação, a Bahia é um celeiro de poetas, escritores, artistas, folclore e cultura afro-brasileira, notadamente, no interior dos candomblés. Desde o período Barroco com Gregório de Matos, “Boca do Inferno”, até os dias de hoje, o estado baiano revelou dezenas de homens de letras de primeira grandeza. Seria impossível nomear e analisar todos esses nomes, além de não ser necessário. Esta crônica pretende, apenas, analisar an passant, os poetas e escritores mais recentes: os pré-modernos, os modernos, os contemporâneos e os regionais, ou seja, aqueles de nossa intimidade intelectual.
Não obstante Sósigines Costa ter nascido no interior, em Belmonte, no início do Século passado, deixou uma obra poética significativa. Sua ”Obra Poética” foi bem recebida pela crítica em 1959, mas foi no seu livro “Iararana” em 1979, que veio a consagração e trata do domínio da terra virgem e inóspita do cacau.
Porém, escreveu poemas com elementos simbólicos e metafóricos como ninguém: “O Pavão Vermelho”, “A cabeleira da musa”, “Duas festas no mar”, leiamos alguns versos: ... Pavões lilases possuí outrora / Depois que amei este pavão vermelho / os meus outros pavões foram-se embora, então, na “Cabeleira da Musa”: No oceano de tua cabeleira entrevejo / um porto cheio de homens vigorosos / de todos os países... e navios de todas as formas. Baudelaire. No poema “Duas festas no mar”: ... Uma sereia encontrou / um livro de Freud no mar / Ficou sabendo de coisas / que o rei do mar nem sonhava...
Sósigenes, certamente, passará para história literária não como um regionalista de parcos recursos, mas um autor de riqueza poética inigualável.
O que diferencia Jorge Amado de Adonias Filho, é o despojamento linguístico do primeiro; o segundo é mais contido, mais seco, menos emoção, cultua mais a língua, tem mais apego pela gramática, menos popular, mais clássico, mas ambos são gênios universais.
Lembro-me que em tempos idos, estudante do curso médio “Científico”, havia certo preconceito com Jorge Amado, aqui, em nossa terra do cacau. Os falsos intelectuais daquela época, rotulavam-no de pornográfico, literatura imprópria para menores de 18 anos de idade, pouco recomendado para pré-adolescentes e adolescentes, subliteratura, mas após produzido para TV, “Gabriela, Cravo e Canela”, pela Rede Tupi 1960 e Rede Globo em 1975, esse estigma desapareceu, hoje, Jorge Amado é lembrado endeusado aqui, ali e alhures.
Li quase tudo de Jorge Amado, seu livro “Tocaia Grande”, quase o devorei, é um livro com conteúdo conhecido já explorado por outros autores: a disputa da terra pelas armas. Embora o assunto da conquista de terra já tenha sido batido e rebatido, a narrativa é inteligível, bem articulada, uma saga de lutas e incidentes.
Recentemente, li “Um baiano romântico e sensual”, um livro escrito por João Jorge Amado, Paloma Jorge Amado e Zélia Gattai Amado. Os filhos e a mulher expõem a intimidade e a humanidade de Jorge Amado, desde seu encontro romântico com Zélia, suas ideias políticas, suas viagens pelo mundo, o apego aos filhos, aos netos e, aos seus amigos: Jadelson, Carybé, Pablo Neruda, Gilberto Gil, Caetano Veloso, o poeta Emi Sião, Georges Moustaki, seu editor Alfredo Machado, Carlos Prestes, Anny Claude Basset, Edvaldo Pacote e Fernando Sabino.
Esse livro fecha com o desespero de Jorge Amado quando descobriu sua deficiência visual irreversível e a consequente dificuldade de escrever, de produzir novos romances e a morte.
Adonias Filho morreu aos 74 anos de vida, filho de Itajuípe, fazendeiro de fala mansa, jornalista, romancista, contista, crítico literário e remanescente do Modernismo. Hoje, seus romances são traduzidos para vários países e um dos ícones da nossa literatura baiana e quiçá nacional. Ele e Jorge Amado são expressões máximas de nossa literatura.
Dentre suas várias publicações, destacam-se: Memórias de Lázaro, Luanda Beira Bahia e Corpo Vivo. O primeiro é um livro de memória literária de narrativas jocosas e ziguezagues na trama; o segundo livro, ele aborda as relações do Brasil e África através dos personagens-irmãos, Caúla e Iuta, ele, filho de Ilhéus, ela uma negra moradora de Luanda, não se conhecem e se apaixonam, nascidos dos dois lados do Atlântico, têm o mesmo pai, o marinheiro João Joanes, uma história dramática e surreal; o terceiro livro Corpo Vivo, narra as lutas e as violências nas terras do cacau. Cajango, seu principal personagem tem sua família assassinada, acolhido pelo padrinho Abílio e criado pelo índio, seu tio Inuri, cresce com sede de vingança, após formar um bando, vinga sua família e termina de mãos dadas com sua mulher Malva, depois que matou seu tio e o irmão dela, Leonel, numa serra inóspita e impenetrável da serra de Camacã.
Euclides Neto, advogado, criador de cabras, político, ensaísta, cronista e escritor, também, integra o Planeta Letras. Um homem preocupado com os problemas sociais, com a distribuição de terra, quando prefeito de Ipiaú, implantou a “Fazenda do Povo”, dizia que a Reforma Agrária era o meio mais simples de gerar emprego. Foi Secretário de Reforma Agrária no governo de Waldir Pires, porém, foi como escritor que se notabilizou, inclusive, mereceu de José Saramago o comentário: “... se sei o que é escrever, Euclides Neto é bom escritor”. Suas produções têm com pano de fundo, as relações dos coronéis do cacau e os trabalhadores. Euclides Neto, pela qualidade e quantidade de sua obra literária, entra em qualquer lista que se faça dos escritores baianos.
João Ubaldo Ribeiro, filho da Ilha de Itaparica, cresceu em Aracaju, foi professor da UFBa. Os seus livros mais conhecidos: “Sargento Getúlio”, “Política”, “Viva o povo brasileiro”, “O sorriso do Lagarto” e a “Casa dos Budas Ditosos”.
Todavia, a bibliografia do autor é vasta: romances, contos, crônicas, ensaio, antologias, além de adaptações para TV e cinema. Foi traduzido para o alemão, dinamarquês, espanhol, francês, hebraico, italiano e sueco.
Permita-me o leitor contar uma historinha que ocorreu comigo em Estância, interior de Sergipe, adquiri em Aracaju dois livros do escritor João Ubaldo Ribeiro: “O Sorriso do Lagarto” e “A Casa dos Budas Ditosos”. Li, logo, “O Sorriso do Lagarto”, leitura difícil entre o bem e o mal e, apressei-me para ler o outro livro pelo chamativo do título que me pareceu de base religiosa, que grosso modo, seria traduzido: “pela casa dos budas Felizes”, no entanto, a história é duma mulher devassa, libertina, que usa seu corpo para seduzir seus incautos clientes.
O escritor João Ubaldo Ribeiro apresenta, desde o início, a história como a transcrição de uma gravação que recebeu de CDL, uma mulher de 68 anos de idade, que se apresenta como lasciva, dissoluta, compulsiva consciente de sexo sem culpa: “a vida é pautada pelo apetite sexual, e se resume a foder”, o livro é um texto de perversão, de sacanagem... Embora CDL justifique que escritores e filósofos já tivessem discorridos sobre sexo sem pruridos morais e censura, o sexo é natural, é o prazer maior da vida.
Depois de lê-lo, a minha sobrinha tomou-me o livro emprestado quase a pulso, então, na casa do sem jeito, roguei-lhe que não o recomendasse aos seus irmãos menores de idade.
Não conhecia o escritor Clodomir Xavier de Oliveira, mas certa feita, eu parei numa “banca” de publicações periódicas e comecei bisbilhotar os jornais e revistas, quando me deparei com “Pulu”, a priori, não me chamou a atenção: o livro tinha algumas páginas coladas e o dorso colado com fita adesiva transparente, mas o preço e a recomendação do jornaleiro que “o livro é de um escritor de Ubaitaba”, aí, eu o adquiri.
Pulu narra a história da região cacaueira na planície do Rio das Contas, uma mistura de ficção e realidade. O autor tem a preocupação de registrar os hábitos locais e Pulu, uma morena ingênua e sensual, é a personagem principal, naquele mundo de roças de cacau e jagunços das terras de Ubaitaba.
O sindicalista, o político e o escritor Clodomir Xavier de Oliveira, será incluído, decerto, na galeria dos grandes nomes da literatura regional do Sul da Bahia para sempre, pois o seu dom ficcionista é raro, seu estilo é simples, inteligível e, prazeroso para o leitor.
Itabuna é uma terra rica de escritores e poetas. Sou um leitor contumaz, leio quase tudo, principalmente, com o advento da Internet, o acesso às produções literárias ficou muito mais fácil. Ultimamente, os poetas e escritores usam vídeos e textos nas Redes Sociais para divulgarem seus trabalhos, aí, mais fácil fica a leitura, o áudio e a imagem.
Dentre os poetas e declamadores populares, gosto de Glória Brandão, Joselito dos Reis, Adeildo Marques, Clovisnaldo Argolo, Genny Xavier, Lourival Piligra Júnior, Ruy Póvoas, Expedita Maciel, Gislene Marques, Donaciano Macedo e Zélia Possidônio.
Abre parêntesis:
A mídia itabunense, as academias de letras e as entidades culturais têm sido injustas com o maior escritor de autoajuda de nosso planeta letra tupiniquim, refiro-me ao escritor e jornalista João Batista de Paula, cearense de nascimento e itabunense de coração. João de Paula é criativo e inesgotável é sua produção de textos de autoajuda. Possui uma mente fértil, uma veia cômica, é um ás da imaginação, se ele fosse burilado, tivesse um editor competente e patrocínio editorial, seria igualado aos escritores de autoestima deste país e talvez do mundo como: Augusto Cury, Daniel Goleman, Anselm Gron, Simão de Miranda, Cristophe André e François Lelord e padre Marcelo Rossi.
Pra justificar tudo que foi dito no parágrafo anterior, permitam-me transcrever o trecho de um recente texto que enviou para o Saber-Literário:
“Nada é nosso! Nem o vento, nem o sol, nem a lua, nem as estrelas, nem a terra e nem o mar. Podemos até ter o desejo de posse, ou posse deles e achar que somos os donos e proprietários. Pura ilusão!
Tudo passa e estas grandiosas coisas permanecerão como as pedras, que duram muito mais tempo no universo que vivemos.
Então, sejamos homens presentes e de boas ações, porque voga muito mais...”
Li e reli os seus livros: “Viva Bem”, “Você é importante”, “Proibido Ler (A bela face do mal)” e “A Bíblia do Inconveniente (O Impossível Acontece)”. Além disto, João de Paula é solidário, amigo, não é falso, não é esnobe, é prestativo, ele é gente de bem.
Fecha Parêntesis.
Depois da fundação da ALITA, tive contato literário com Hélio Pólvora, Florisvaldo Mattos, Aleilton Fonseca, Walker Luna e Ariston Caldas. Não os conheço com profundidade, li, apenas, alguns poemas e textos esparsos desses poetas e ficcionistas, todavia, pela biografia, pela obra, são grandes autores do Sul da Bahia e referências literárias obrigatórias.
Eles devem ser lidos e festejados pelos seus conterrâneos de Itamirim, Uruçuca e Itabuna. Hélio Pólvora morreu o ano passado, mas sempre será lembrado por suas obras e na história das academias, daqui e de Salvador. Na fundação da ALITA houve um episódio que sempre irei me lembrar: - na escolha dos patronos, escolhi Machado de Assis, meu escritor preferido, inclusive, ele é o patrono do Saber-Literário muito antes da academia de letras Itabunense. Hélio Pólvora condicionou seu ingresso à ALITA se o patrono também fosse Machado de Assis, pra não criar empecilho, escolhi Walker Luna, um grande poeta da Região.
Seria injusto, em nosso passeio literário, esquecer as trovas de Francisco Minelvino, as irmãs Marília e Jasmínea Benício dos Santos, o patriarca Francisco Benício dos Santos, autodidata, historiador, deixou: “Aquarela, recordação e autobiografia”, aos textos com graça e humor de José Dantas de Andrade, “Dantinhas”, com os livros: “Espírito da roça”, “Documento Histórico e Ilustrado de Itabuna” e “Itabuna minha terra”, Ribeiro Gonçalves e Oscar Ribeiro Gonçalves com “Jequitibá da Taboca”, Manoel Lins, Antônio Lopes, Adelindo Kfoury e as crônicas diárias e os poemas de Plínio de Almeida.
Jasmínea Benício escreveu 5 livros: “A vida cantada de Francisco Benício”, “Minha Rosa Vermelha”, “Devaneios e Saudade”, “Senhoras de Itabuna que se destacaram socialmente” e “Personagens Populares que marcaram o dia a dia de Itabuna”. Seus textos são cantos, são memórias de sua terra.
Hoje, depois de sua morte, Jasmínea começa ser reconhecida por entidades culturais de Itabuna e intelectuais, mas ela está longe de ser popular, ou seja, ser reconhecida pelo povo.
Marília e Francisco Benício produziram, também, bons textos: textos de viagem, experiências cotidianas e textos bucólicos. Acho que, Marília, Jasmínea e Francisco não ultrapassaram fronteiras, não pela má qualidade de suas produções, mas por terem produzido uma literatura lúdica, um hobby, escreveram, somente, pra colocar no papel suas experiências de Itabuna, do mundo, escreveram pra família e amigos e não para um grande público, isto é, não foram profissionais, foram sempre amadores das letras.
Uma poetisa que ficará na minha memória para sempre enquanto eu existi é Valdelice Pinheiro. Conheci Valdelice na FAFI (Faculdade de Filosofia de Itabuna), na condição de aluno do curso de Filosofia, lembro-me que muitos colegas não desistiram do curso pela ascendência da professora Valdelice Pinheiro. Não que o curso não fosse bom, mas tínhamos compromisso que atender às demandas de mercado e o curso de filosofia, naquela época, não tinha mercado.
Valdelice não é uma poetisa local, regional, mas universal. Pouco escreveu sobre Itabuna, rio Cachoeira e cacau, no entanto, ela fala de emoções, de amor, aqui, ali e acolá: - existência, origem, amor, medo, desencanto, obsessão, tristeza, alegria, Natal, Cristo, ecologia, seca...
Escreveu pouco, afora alguns poemas esparsos publicados em coletâneas e periódicos, em vida fez: “De Dentro de Mim” e “Pacto ou Como São Francisco”. Em 2014, com o apoio da ALITA e do laboratório LIDI, seus poemas foram reunidos com sugestivo título: “O Canto Contido”.
Meu poema preferido de Valdelice Pinheiro:
“Teoria da origem
Eu vim do musgo
para o clarão de todas as esferas,
Sou astro e relâmpago,
água e flor.
Caminharei nas ondas feito espuma,
serei pó de estrelas
e vento sobre o mar.
Serei alga e musgo outra vez.”
Querida poetisa será que um dia ainda iremos nos encontrar pra falar de filosofia e amor?...
Conheci Ceres Marylise há 40 anos, numa viagem de Itabuna-Ubaitaba, naqueles tempos idos, a nossa preocupação maior não era o canto dos poetas, mas repor as nossas perdas salariais e melhores condições de trabalho no magistério do estado, portanto, nós fomos em missão sindical, não em caráter pessoal. De lá pra cá, pouco nos encontramos, mas na fundação da ALITA em 2011, nós passamos ter interesses comuns e tive o privilégio de descobrir uma grande poetisa.
Em 2014, Ceres publicou seu livro: “Atalhos e Descaminhos”. O poeta Paulo Afonso Ramos foi objetivo quando disse: “A poesia de Ceres Marylise é apaixonante pela pureza que brota em cada verso. Têm metáforas de grande envolvimento que criam uma empatia imediata com o leitor e tem a lucidez de aflorar temáticas quotidianas que são a fonte de nossa vida porque nos correm no sangue por existirmos. A emoção também poderosa que, mais que poesia, é a demonstração inequívoca de estarmos perante uma excelente pessoa com uma sensibilidade apurada.”
“Em alguns poemas nota-se um ritmo musical que fariam deles boas canções.”
Dizer mais o quê?...
Conheci Helena Borborema nos idos dos anos 60, ela ensinava Geografia e História no Colégio Estadual de Itabuna. Ela sobressaia-se de pronto pela elegância e altura (um mulherão), mas nos cativava pela doçura e inteligência. Ela levava o aluno aprender e não decorar, dizia sempre: “... o conteúdo decorado tende ao esquecimento e compromete a aprendizagem”.
Alguns anos depois, ela é secretária de educação municipal, bati em sua porta e pedi-lhe uma bolsa de estudo para faculdade de filosofia (havia passado no vestibular), além da bolsa de estudo, custeou quase todos os livros, justificava essa atitude de Mecenas, que tinha sido um dos seus melhores alunos no ginásio e não podia parar de estudar por falta de dinheiro pra comprar livro.
Helena Borborema deixou “Terras do Sul”, é uma autora bucólica, uma historiadora, cantou e exaltou a beleza do campo, exaltou os costumes e a vida dos camaradas das fazendas de cacau, compreendeu os jagunços, não como heróis, mas produto de uma sociedade perversa e primitiva. Descreveu as manifestações culturais e costumes de sua cidade: o comércio e a indústria de quintal, os mascates, os armazéns, a política dos coronéis do cacau, a euterpe da cidade, as praças, o rio Cachoeira, o folclores, as artes, os cinemas, as novas ruas que avançavam em becos e avenidas, o trem que apitava, o trem que transportava pessoas e cargas e, que eventualmente descarrilava, enfim, o progresso da antiga Tabocas, o progresso de Itabuna.
Faz-se necessário esclarecer que inclui-la no planeta letra tupiniquim não é gesto de gratidão de um ex-aluno, é o reconhecimento de sua obra, que pouco e pouco, é exaltada pela nossa comunidade e reconhecida na região que já foi do cacau.
Helena Borborema não escreveu ficção, não cultuava a poesia, talvez, pela formação profissional de professora de História e Geografia, acostumada com fatos e datas não com hipóteses, conjeturas, porém, como Cecília Meireles, Rubem Braga e Clarice Lispector, cultivou a crônica e escreveu as melhores do dia a dia do seu tempo e botou no papel, apenas, os causos reais.
Fecho este texto, com os poetas que representam Itabuna lá fora: Firmino Rocha, Telmo Padilha e José Bastos. Na época que não havia Internet, Redes Sociais, WhatsApp, as informações não eram conhecidas em tempo real, foi incrustado numa placa de bronze, na sede da ONU, em Nova York, um poema de um poeta do interior da Bahia, de uma cidade sul-baiana um dos mais significativos poemas da humanidade: “Deram um fuzil ao menino” de Firmino Rocha:
Deram um Fuzil ao Menino - Firmino Rocha: Adeus luares de Maio / Adeus tranças de Maria / Nunca mais a inocência/nunca mais a alegria / nunca mais a grande música / no coração do menino / Agora é o tambor da morte / rufando nos campos negros / Agora são os pés violentos / ferindo a terra bendita / A cantiga, onde ficou a cantiga? / No caderno de números / o verso ficou sozinho / Adeus ribeirinhos dourados / Adeus estrelas tangíveis / Adeus tudo que é de Deus / DERAM UM FUZIL AO MENINO.
Telmo Padilha foi um poeta e jornalista itabunense de mancheia, agraciado com vários prêmios literários, aqui e lá fora, traduzido na Itália, na Espanha, nos Estados Unidos, em França, na Alemanha e no Japão. Telmo deixou uma obra vasta (Girassol do Espanto, Onde tombam os pássaros, Pássaro da noite, Canto Rouco, o Rio, Noite contra noite, etc.), passeou com facilidade em vários gêneros literários, 20 anos já passaram de sua morte, mas ainda é hoje é lembrado nas academias, nos centros de cultura, nas faculdades e no coração do povo simples.
José Bastos é o nosso poeta parnasiano, nasceu no Arraial de Água Preta atual Antique. Seu único livro: “Hora Lírica”, foi reeditado no Cinquentenário de Itabuna. “José Bastos”, hoje, é nome da praça e de rua. Morreu com 32 anos, vítima de tuberculose. Sua poesia é um louvor à natureza, da utopia, da estética do belo.
Enfim, este documento não é um ensaio com referência, autores e datas, para mim, é uma crônica histórica refletida das minhas experiências, quando necessitei de alguma fonte, fi-la com aspas. Tive a pretensão de registrar os escritores e poetas baianos que na minha visão e reflexão são os melhores. Claro que não encerra em si este texto, nem é verdade absoluta, outras pessoas devem ter outras preferencias literárias, outras leituras.
Rilvan Batista de Santana
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Membro da Academia de Letras de Itabuna-ALITA
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