Coala
R. Santana
No dia 26 de maio do ano cristão de 2016, encontrei-me sem querer querendo com meu velho guru Tanaguchi, no lugar de sempre: Praça Olinto Leone, no centro da cidade de Itabuna. Quando algumas caraminholas fustigam minha cabeça, recorro ao velho guru para tirar minhas dúvidas ou acrescentar mais algumas, pois como Sócrates, Tanaguchi puxa e repuxa o assunto, ele nunca esgota um tema, mas o estica sem limite para compreensão da maioria dos mortais.
- Bom dia, Tanaguchi!
- Que o dia seja bom... Mas, o que faz aqui tão cedo?
- Jogar conversa fora!
- Mas, sair de tão longe...
- Não é tão longe assim, moro do outro lado do rio Cachoeira, já não lhe dei meu endereço?
- Sim!
- Então, homem?
- Desculpe-me Narvil, mas quando se caminha para o ocaso, as pernas não respondem mais ao nosso desejo, por isto, nunca lhe visitei!
- Explica, mas não justifica. Você tem uma frota de ônibus grátis à disposição, não é tão má ser idoso!
- Já me desculpei...
- Ok! – mudei de assunto:
- Os coalas estão em extinção... – quase inaudível.
- O quê?
- O coala está em extinção na Austrália: primeiro, o homem o matava para fazer bolsas, sapatos, e outros apetrechos da moda feminina, com a proibição legal, o homem abandonou essa prática abominável; segundo, os coalas vêm sendo dizimados pelo fogo de prolongadas estiagens em seu habitat, até as folhas de eucaliptos são queimadas, deixando-os sem comida... – e completei:
- Darwin teve razão quando nos deixou crer: somos o capricho de uma seleção natural sem fim, todavia, nesse processo seletivo, o homem é o mais forte e mais predador que os outros animais - “homo homini lúpus”- e assusta, pois é o único animal que pensa. Ou não é, Tanaguchi!?
- Concordo. Mas, aonde quer chegar com esses animaizinhos marsupiais, homem?
- Tanaguchi, não se preocupe, são digressões, cultura inútil, sem nenhuma contribuição para filosofia ou ciência. Eu fui tocado por um DVD que meu neto gosta, intitulado: “Out Back”, “mundo animal”, que suscintamente, é a história de um coala (branco) diferente chamado Johny. Ele está entediado de sua vidinha de bibelô turístico da cidade e decide aventurar a vida selvagem com ajuda do macaco Higgens e um demônio da Tasmânia: Hasmih. Este trio passará por aventuras emocionantes e a vida de Johny torna-se encantadora, protagoniza muitas histórias, principalmente, com a ajuda de Higgens que questionado pelo coala: “Que devo fazer?” Responde: - Seja você mesmo!
- Ah, meu caro Narvil, sua historinha é uma mensagem de autossuficiência, de autoafirmação, de rompimento com o estado das coisas, o rompimento com a vida arrumadinha, mas infeliz, para se aventurar no desconhecido e fizer aquilo que gosta, é uma lição de vida que muitos deveriam seguir e a receita é simples no dizer de Higgens: - Seja você mesmo!
- Quando era jovem me preocupava: “Quem sou eu, de onde vim, para onde vou?” Hoje, deixei de lado esses questionamentos existenciais, estou preocupado com a vida, não com a vida dom de Deus, mas viver a vida, seus problemas cotidianos e as relações com o outro. Todavia, jamais deixar de praticar a ética, a moral, a justiça, a partilha, a solidariedade, a amizade, a paixão e o amor. Por isto, lhe contei a história de Johny, meu caro guru!
- Concordo. O lado metafísico da vida é chato e árido, o importante é estar vivo, gozar das benesses da vida e olvidar o sentimento de culpa de Adão e Eva. Aliás, nunca entendi esse tal de “pecado original”, nascemos como uma página em branco, as nossas atitudes, as nossas escolhas e as nossas experiências vão se somando e definirão a nossa vida boa ou má. Se nós usamos o livre arbítrio para escolher o lado errado da vida, a adversidade não é destino, mas o resultado de nossas escolhas!
- Certa feita, Tanaguchi, eu ouvi alguém dizer: “eu não mexo nas coisas, as coisas que mexem comigo”, ou seja, ele se achava estigmatizado de nascença!
- Não é verdade que alguém nasce sob o signo da cruz, do destino, mas é verdade que a cruz é construída ao longo da vida. O homem quando chega ao mundo, encontra uma diversidade de madeirame, alguns escolhem a madeira mais leve para construir sua cruz; outros, não têm o mesmo cuidado!
- E, as circunstâncias acidentais?
- O mundo é de possibilidades, possibilidades contingenciais, possibilidades necessárias, possibilidades reais...
- Isso é o quê?
- Certas coisas independem de nossa vontade, a exemplo dos acidentes naturais, das doenças, de alguns sinistros, tudo tem raiz contingencial, isto é, existe a possibilidade. Existe a possibilidade necessária, que se impõe por si, não deixa de ser, existe em si, a exemplo de Deus. E, a possibilidades real, ligada à influência do meio ambiente. Não existe fatalismo, existe livre arbítrio, possiblidades...
- Há uma receita para bem viver?
- A vida não é um bolo de noiva, mas um conjunto de fatores existenciais: tristeza, alegria, expiação, provas, o bem e o mal. Viver bem é administrar a fortuna e o infortúnio com equilíbrio, ter consciência da exiguidade de nossa vida, que tudo é passageiro, que nada é absoluto (exceto Deus), que não existe tempo ruim que não se acabe nem tempo bom que dure sempre. O poeta foi feliz quando diz: “E deixa a vida me levar - vida leva eu!”
- Tchau meu amigo, nos veremos amanhã!
- Amanhã poderei não estar vivo, a morte me cobra...
Autor: Rilvan Batista de Santana
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