São Benedito R. Santana
São Benedito
R. Santana
Candinho era conhecido no Treze, mais por sua fé inabalável em São Benedito do que pela sua profissão de mestre-escola na pequena comunidade distrital de Lagarto. Negro polido nas maneiras, instruído, postura de devoto, Bíblia no peito, não perdia uma missa na igreja de Santa Luzia.
Não tinha nada de tolo, de tolo só a cara e o jeito de andar, seus alunos tinham-no em boa conta e a comunidade o admirava, não obstante o falsete de sua voz e seus trejeitos efeminados. Não tinha problema financeiro, solteiro, não criava nem curió pra não ter despesa com milho-alpista, sua escola estava sempre cheia, filhos de gente graúda, as más línguas juravam de pés juntos que Candinho tinha muito dinheiro aplicado na poupança, pois era sovino e não tinha vício de mulher.
Porém, todo ser humano tem seu calcanhar de Aquiles, o nosso bom Candinho também, de tal maneira que lhe deu origem esta página e lenda no seu lugarejo: contava-se que era aficionado por jogo da sorte grande. Ele jogava muito, principalmente, nas Mega - Senas. Jogava individual ou nos bolões, não ganhava, mas jogava.
O desespero bateu-lhe à porta de tanto perder dinheiro na lotérica, sovina, deixou de jogar por algum tempo e recorreu ao santo. Embora considerasse heresia, começou pedir para São Benedito pela “Sorte Grande”. Ajoelhava-se diante da imagem do santo em ritual, rezava a oração do Credo e o Pai e Nosso e, implorava ao santo:
- Meu santo protetor, mais uma vez peço sua proteção, minha conta bancária está no vermelho, ajuda-me ganhar na Mega-Sena, os números são esses... – e, enumerava-os.
Não jogava, mas conferia metodicamente os resultados dos jogos na lotérica na semana subsequente, no início, tinha um sentimento de tristeza, porém, lembrava que não havia jogado e se alegrava: “...ainda bem que não joguei, São Benedito!” E, voltava com o mesmo lengalenga ao santo:
- Meu Santo Mouro, meu Preto Velho, fiz bem não jogar na semana passada, não acertei nem quadra, fiz um terninho... Garanto-lhe meu bom siciliano que esta semana vou jogar com sua bênção... Vou reformar esta igreja! – não jogava.
Na semana seguinte, Candinho estava lá nos pés do santo com novas lamúrias e mais exigente:
- Meu Preto Velho, esta semana escapei por pouco, se jogasse teria perdido meu rico dinheirinho, pois você não me abençoou... Aliás, que tem de melhor o paralítico Philip Scaglione que ao ver a procissão dos monges do monastério Zoccolanti, ficou de pé e foi atrás do cortejo com suas bênçãos? Eu não sou fiel no dízimo? Derrama suas virtudes sobre mim, porque a sena está acumulada! – São Benedito indiferente...
Candinho deixou de ir à igreja por algum tempo. Desenvolto, falante, tornou-se taciturno, deixando todos preocupados, quando os vizinhos e amigos chamavam-no para missa, dava a mesma desculpa sempre: “estou gripado!” Até seus alunos, meninos com menos de 12 de anos de idade, foram ao mestre com objetivo de ajuda-lo, mas ele resistia... Um fato novo mudou a cabeça de Candinho: - depois de um longo período de estiagem na região, uma procissão de São Benedito fez desabar chuva grossa.
Eis aí, ele de volta:
- Meu Preto Velho, amigo de São José, esta semana fez chover em abundância para bons e ruins desta antiga capitania de Sergipe D`EL-Rey, dê-me sua bênção para que eu ganhe sozinho a sorte grande... – São Benedito mexeu-se no pedestal pela primeira vez:
- Candinho! Candinho! Pra que tanto dinheiro!?
- Eu quero ser o Barack Obama brasileiro, eu quero ser político!
- Mas Candinho, lá a cultura é outra. Lei é lei! Não existe “Petrolão”, “Mensalão”, “Cuecão de Reais”... Ladrão não é eufemizado, não tem foro privilegiado, ladrão do dinheiro do povo é proscrito... Então, é assim que me segue? – Candinho empalideceu, gaguejou:
- En en...en... então, se se... se... senhor, fa fa... faço o quê?
- Vai dar aula, continue professor, pois no Japão é o único que não se dobra para o Imperador!
Candinho não mais jogou e morreu feliz!...
Autor: Rilvan Batista de Santana
Licença: Creative Commons
Itabuna, 16 de Janeiro de 2016.