O pequeno cajueiro
R. Santana
Ele tinha um pouco menos de três metros de altura, aliás, sua altura não passa de palpite, apenas, sabíamos que dentre todos os cajueiros da chácara, o nosso era o menor, o mais aconchegante, o mais estimado, aquele que alimentava as nossas fantasias, os nossos sonhos, as minhas esperanças e as esperanças da minha prima Gilcélia, às vezes, passávamos a tarde ou a manhã embaixo do cajueiro brincando de “casinha”, de “médico”, de “carrinho de madeira”, de “boneca”, então, trepado nele gozando a paisagem, ou, trotando-o como um cavalo, o cajueiro parecia gostar de nossas brincadeiras, o cajueiro parecia gostar de dois pirralhas de 8 e 9 anos de idade.
O nosso pequeno cajueiro nasceu na chácara do meu avô João Zabelinha, cresceu lá e ainda está lá no Coqueiro, na cidade sergipana de Lagarto. Hoje, ele está maior e mais robusto, mesmo com o tempo, não perdeu o viço e a boniteza: frondoso, tronco forte, rijo, galhos compridos, brotos que nascem ao redor, folhas esverdeadas, amareladas e avermelhadas.
No inverno chorava sempre e as lágrimas escorriam em suas folhas. No outono, ele curtia a temperatura amena, mas amarelava de medo de perder essa temperatura suave; vinha o verão, ficava irrequieto, ardiloso, vivo, alegre e provocante, e quando a primavera chegava, abria-se para vida e reflorescia e brotava vida por todos os lados e sorria pra natureza.
O sol sinalizava meio dia e Gilcélia, arteira, improvisava o nosso almoço embaixo do nosso pequeno cajueiro: os pratos de esmalte, as colheres, os garfos e o feijão eram trazidos de sua casa; a farinha, o arroz, a carne e a cabaça de água potável eram trazidas da casa do meu avô, a minha casa. Depois do almoço, refestelávamo-nos no seu tronco e com voz desafinada, nós cantávamos “Cajueiro” de Jackson do Pandeiro:
Cajueiro
Cajueiro, êê, cajueiro ê-á
Cajueiro pequenino
Todo enfeitado de flor
Eu também sou pequenino
Carregadinho de amor.
Tradicional cajueiro
Dos meus avós traz lembrança
Testemunha evocativa
Dos meus tempos de criança.
O cajueiro não dá coco
Coqueiro não dá limão
O amor quando é de gosto
Não produz ingratidão.
Cenário de festa contemplado lá de cima pelo nosso pequeno cajueiro, talvez a gozar de nossas invencionices, de nossas estripulias, do nosso amor, das nossas vozes desafinadas, de nossa ingenuidade, de nossa inocência... Eu batia o pé que nosso amigo entendia-me, Gilcélia me chamava de maluco, então, na casa do sem jeito, eu a desafiava:
- Eu vou lhe pedir o maior caju... – ela interrompeu-me:
- O quê? Tu estás maluco, onde já se viu o cajueiro lhe dá caju? – não me fiz de rogado:
- Meu pequeno cajueiro! Meu pequeno cajueiro! Meu pequeno cajueiro manda um caju pra mim! – não se sabe se coincidência, o caju despencava no chão.
Ó Deus! Ó Deus! Quê razão Tu fizeste de mim um homem? Porque Tu não me deixaste menino? O tempo não recua e os momentos de felicidade também, já que não sou mais menino, Vós não apagues de minha alma esses momentos de criança e permita que minha alma goze essas recordações sempre! Que elas sejam eternas enquanto um sopro de vida me restar!...
Autor: Rilvan Batista de Santana
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Membro da Academia de Letras de Itabuna - ALITA
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