Textos


A mulher tem arte

R. Santana

 

     Eu não estava lá nem vi com os meus olhos que um dia a terra há de comer, mas o meu amigo Tanaguchi estava lá, ele e a mulher tinham ido comemorar as bodas de prata no “Motel Carinhoso”, o primeiro do gênero nas bandas de Itabuna, antes, os jovens e os menos jovens recorriam aos castelos das caftinas. Deve-se esclarecer, para o bem da verdade, que não existe diferença objetiva entre os bordeis do passado e os motéis de hoje, salvo, na sofisticação dos serviços e no luxo.
     Depois de muito “sapeca-iaiá”, boa bebida, boa comida, o casal Tanaguchi resolve esticar a comemoração de suas bodas de prata em uma boate, aliás, dançar é o hobby principal de Tanaguchi e esposa, fregueses assíduos da boate “House Music Bar”, fecharam a conta do motel. Na saída, em frente à guarita, encontraram uma mulher descontrolada que esculhambava o marido:
     - Vagabundo! Galinha! Filho de uma puta! – o marido apaziguava:
     - Calma, não é o que você está pensando... - lívido.
     - Ah! Não? Estou pensando o quê? Não me venha com churumelas, deixe de cinismo... não estou pensando... eu lhe vi com esta vagabunda - tentou agredir a moça - saindo do motel... você quer tampar os olhos com uma peneira, cachorro!? – irritada cada vez mais.
     - Amorzinho...
     - Não me chame de “amorzinho”!
     - Está bem! Eu deito o rei! Mas, não sou o mais culpado!
     - Ah, existe outro culpado?
     - Sim!
     - Desembuche!
     - Deixe pra lá... – de repente, bateu-lhe uma desconfiança:
     - Compadre Josué com você... Aqui!?
     -Ai de mim se não fosse o compadre Josué... Você está desconfiando deste homem de igreja, bem casado, hein?
     -Longe de mim duvidar do compadre. Só queria entender como vocês vieram parar neste lugar!

     -Simples: recebi um telefonema anônimo que ia lhe encontrar aqui, aí, chamei o compadre para me acompanhar. Queria que eu viesse sozinha para este antro de perdição?
     - Não amorzinho, você é uma mulher séria, jamais duvidei de sua fidelidade, eu que pisei na bola. Perdoa-me?
     - Quem perdoa é Deus!
     - Então, me desculpa?
     - Está desculpado, mas não torne outra! – depois que valorizou o pedido.
     Tanaguchi jurou de pés juntos que os entretantos e os finalmentes foram resolvidos. Pouco tempo depois, parecia que nada havia acontecido: a esposa se jogou nos braços do marido, o compadre se orgulhava do dever cumprido e a moça causa do imbróglio tomou chá de sumiço. Se um viandante desavisado passasse por ali, diria que em suas andanças nunca havia encontrado outro casal mais feliz.
     -Tanaguchi não tem nada de especial nesta história! – explodi:
     - A presença de espírito da mulher, mais dissimulada do que Capitu!
     - Não entendi!
   - Depois que o casal saiu com o compadre, o porteiro muito discretamente, cheio de dedos, contou-nos que ela e o “compadre” eram useiros e vezeiros ali. Naquela noite, ela tinha dado de testa com o marido na entrada do motel, aí, aprontou aquele barraco e saiu-se muito bem. Entendeu, agora, a saída espirituosa da mulher?
     - Que coisa, Tanaguchi! Meu Deus!
     - Meu amigo Narvil, a mulher tem arte...

 


Autoria: Rilvan Batista de Santana
Licença: Creative Commons

Membro da Academia de Letras de Itabuna - ALITA

Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 13/05/2015
Alterado em 13/02/2024


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr