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A saga de um professor R. Santana

A saga de um professor
R. Santana
Nos idos de 1970, o país era comandado pelo regime discricionário da Revolução de 1964. Os militares ocupavam todos os postos políticos e administrativos do governo brasileiro. Muitos políticos civis foram cassados e exilados. Os comunistas e os terroristas foram perseguidos, muitos não sobreviveram ao regime ditatorial e acabaram mortos nos porões dos órgãos repressivos do exército DOI-CODI. Os jovens de ideias sociais avançadas eram reprimidos e presos, os sindicatos engessados ou extintos, a imprensa e a cultura censuradas e reprimidas pelos órgãos repressivos do estado, a Constituição substituída pelos Atos discricionários. Foi neste período da história brasileira que eu comecei no magistério com a idade de 24 anos.
Eu trabalhava em um bar da família, não possuía aspirações revolucionárias, não queria mudar o mundo, a mim bastava mudar minha situação profissional, financeira e social e que o país e o mundo seguissem seu curso histórico em favor da humanidade, enfim, não alimentava o ardor revolucionário dos jovens daquela época, a minha preocupação imediata era a sobrevivência, pois descendia de família muito humilde, não podia me dar ao luxo de ter ideias revolucionárias, ademais os revolucionários que conheci, eles tinham família bem situada, movia-lhes, apenas, o desejo de poder e usavam métodos tão radicais inescrupulosos quanto os militares.
Não encontrei trabalho no magistério na minha cidade de Itabuna, o mercado me exigia uma qualificação maior de que de um estudante que cursava a faculdade de filosofia, porém, surgiu na cidade circunvizinha de Itajuípe uma oportunidade de trabalho, no turno noturno, no colégio Dr. Diógenes Vinhaes.
O diretor do colégio Diógenes Vinhaes era o juiz da cidade, Dr. Orlando Pereira. Sem conhecê-lo nem apadrinhado, apresentei-me ao meritíssimo e o meu desejo de ingressar no magistério. Doutor Orlando não era esnobe. Afeito conhecer gente por força do seu trabalho de juiz, contratou-me sem muita exigência burocrática, como professor de Biologia e Organização Social e Política Brasileira – OSPB. Biologia não me era matéria desconhecida, possuía a experiência de 3 anos no antigo curso “científico” e OSPB uma disciplina da organização política e administrativa do estado brasileiro.

Desde o começo no exercício de orientar o aluno a aprender que tomei como divisa: ter em conta o outro com suas qualidades e defeitos e fazer bem feito o meu trabalho, lá se foram 34 anos no exercício da profissão.
Trabalhei 2 anos em Itajuípe, anos que me deram embasamento profissional necessário para uma longa caminhada. Descobri que o aluno como sujeito da aprendizagem só se interessa por aquilo que lhe é significativo, se não, não existe aprendizagem, mas um processo decoreba sem assimilação que após a avaliação o sujeito tende a esquecer. Porém, se o objeto da aprendizagem tem significado para o aprendiz, ele assimilará facilmente e jamais irá esquecê-lo.
Deixei o Diógenes Vinhaes por motivo de horário (noturno) e dificuldade de transporte, também, porque surgiram novas oportunidades: fui contratado pelo Colégio Estadual de Itabuna – CEI e pelo Instituto Municipal de Educação Aziz Maron – IMEAM, duas escolas públicas, uma estadual e a outra municipal. Naquela época, as maiores escolas de Itabuna e que ofereciam melhores condições de trabalho. Porém, entendi que tudo começou na cidade de Itajuípe, no colégio Dr. Diógenes Vinhaes e expressei sentimento de gratidão do porteiro ao diretor desse estabelecimento de ensino, Dr. Orlando Pereira.
Naquela época, as escolas públicas tinham um corpo docente qualificado e vocacionado... Os baixos salários no magistério eram discutidos, ninguém era sacerdote da educação, mas o salário não era condição sine qua non para que os trabalhadores da educação não desempenhassem bem o seu ofício.
Não obstante a clientela fosse de classe média baixa, muitos de periferia, ainda havia o conceito de família, a autoridade do professor, o gosto pela escola e droga não se falava. O educando tinha compromisso, ele estudava com o desejo de aprender e a promessa dos pais de ascensão social e formação profissional. A matéria de ensino, objeto de aprendizagem, trazia um conhecimento básico necessário à formação moral e intelectual do educando. Os conteúdos não eram estéreis ou sem significado, a leitura e a escrita eram mais exigidas, havia o interesse maior pelo português e pela matemática sem prejuízo das demais.
O magistério para mim, representou mais do que uma profissão, representou um sacerdócio, que exerci com gosto e dedicação durante 34 anos, afora algumas passagens na administração, todo esse tempo em sala de aula com carga horária de 80 horas semanais, distribuída em 3 turnos.

A remuneração do professor sempre deixou a desejar, ainda hoje se sucedem os movimentos paredistas, alguns de embasamento político, a maioria com reivindicações justas de melhores salários e boas condições de trabalho. Participei de todos os movimentos paredistas não à frente de sindicatos ou associações, mas solidário à classe sofrida e não reconhecida por parte da sociedade e pelos governos.
Não obstante não ser omisso às reivindicações da classe, nunca envolvi o aluno nessa demanda de classe com o estado ou o município. Jamais justifiquei minha aula ruim ao meu baixo salário. Sempre fiz questão de separar o joio do trigo, eu não estava na sala de aula a pulso, tinha o livre arbítrio de exercer outra atividade, portanto, tinha que fazer a coisa bem feita e comprometida.
Não permitia que o aluno negligenciasse suas atividades escolares, mas sem ser arbitrário, mais pelo exemplo de dedicação e domínio do conhecimento. Somente em casos raros, eu deixava de dar aula, era no linguajar dos jovens atuais, um CDF. Nunca tive problema grave com nenhum aluno, o respeito era recíproco, ainda hoje, depois de mais de 10 anos de aposentadoria, recebo o carinho e a atenção deles quando involuntariamente nos encontramos.
Em 1988 cheguei à direção do Colégio Estadual de Itabuna – CEI. No início, como vice-diretor, depois, como diretor geral, aí conheci o lado do patrão. O funcionário público, estatutário ou celetista, não possui o mesmo compromisso do trabalhador da empresa privada, os vícios e os artifícios são diversos e contribuem para irresponsabilidade e falta de compromisso de muitos trabalhadores da educação. Não é novidade o mesmo profissional ter papéis diferentes quando ele trabalha na escola pública e na escola privada. Na escola privada ele ajuda o aluno a aprender e na escola pública, ele faz que ensina...
Porém, parodiando D. Pedro II, se voltasse no tempo, não queria outra profissão que não fosse professor, ensinar é promover mudança, o professor não só mexe na faculdade cognitiva do sujeito da aprendizagem, mas é responsável pela sua formação moral quando além de orientar no objeto do conhecimento, ele é um educador.

Autor: Rilvan Batista de Santana
Licença: Creative Commons
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 02/04/2015


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr