Textos


Alf, o demônio (II) - R. Santana
 

     O Sol a pino queimava o rosto da velha Astrid e dos seus sobrinhos que naquela manhã estavam cuidando do gado algumas varas distantes da casa grande. O Sol não queimava mais porque todos usavam chapéu de abas largas e camisa de manga comprida, mas o suor escorria pelos corpos, principalmente de Astrid que usava uma saia cobrindo as botas.
     José de Astrid e o vizinho tinham ido ao povoado comprar mantimentos. Todo final de mês, repetia-se a rotina: José de Astrid selava o seu cavalo preferido, colocava a cangalha e os panacuns no jegue e arribava pra feira-livre do povoado Panelinha e voltava de lá quase noite, naquele dia não foi diferente.
     Não se falava mais na casa de Astrid de Alf. Quando os sobrinhos e o marido tocavam no assunto, ela benzia-se três vezes, depois daquele dia que o gato encarnou o demônio. Ela trouxe o padre de sua paróquia que espargiu água benta em todas as pegadas de Alf da soleira da porta da casa grande aos lugares onde ocorreram os sinistros, o gato sumiu.
     Naquela manhã, quase meio dia, um redemoinho muito forte começou na frente da casa grande numa grande espiral e foi se reproduzindo em série por vários lugares próximos da casa grande. O redemoinho enrolava e arrastava tudo que encontrava pela frente, as portas e as janelas da casa grande batiam com força, as árvores tremiam como se estivessem de sezão, as folhas das árvores caíam aos montes, a roupa do varal foi sugada em redemoinho e espalhou-se por distância, o tufão arrancou, também, algumas telhas do curral, num instante o céu se fechou de nuvens e a chuva começou cair em braçadas, alagando tudo, um pandemônio, um inferno...
     O gado fugiu em debandada, Astrid e os sobrinhos correram pra laje da casa grande, lugar mais seguro, enquanto a chuva caía aos borbotões e o tempo escurecia ainda mais rajado de relâmpagos e trovões. A velha Astrid buscou na escrivaninha a Bíblia e o terço e começou orar:
     - Deus tem misericórdia dos seus filhos, perdoa os nossos pecados, não permita que essa tempestade nos faça nenhum mal, não permita que essa tempestade desabe a casa dos nossos irmãos necessitados e que as nossas cabeças sejam alvos desses raios sem rumo, tenha piedade da gente, ó Senhor!!! – com o terço sobre a Bíblia:
     - Creio em um só Deus/Pai todo-poderoso.... Pai Nosso... Ave Maria... Pai Nosso... Ave Maria... Santa Maria... Pai Nosso... Ave Maria... Santa Maria, mãe de Deus... – de repente, surgem os sobrinhos assombrados, a velha se espanta:
     - Viram fantasma, rapazes!? – os sobrinhos falaram, ao mesmo tempo, nervosos e arquejantes:
     - Tia, há um gato enorme na cozinha em cima do armário!!! – a velha eufemiza:
     - Ô rapazes, deve ser gato da vizinhança!
     - Não tia, é um gato preto com os olhos vermelhos, parece com o arrenegado, é um bicho estranho!!! – Astrid estremece, lembrou-se de Alf, então, pegou no quarto mais alguns apetrechos sagrados: uma grande vela, um vaso de água benta, uma cruz de madeira e convidou os rapazes:
     - Vamos, se for algum Anjo Rebelde, ele vai deixar esta casa em nome de Deus!
     Os rapazes acompanharam a tia, pé ante pé, a luz trêmula da vela adiante, todos escudados pela velha Astrid, os rapazes com medo, a velha firme, quando ficaram frente a frente, um pouco mais de 3 metros, a coisa começou grunhir e ameaçar:
     - Saiam daqui seus carolas! Baba-hóstias! Baratas-de-sacristia! Saiam de minha fazenda!!! – eles não se intimidaram, cruz e terço levantados enfrentaram o demônio, Astrid quase gritava:
     - Vade retro Espírito das Trevas! Afasta-te desta casa Belzebu! O teu lugar é o mundo dos arrenegados! Sangue de Cristo tem poder! – Astrid espargia água benta na coisa, os sobrinhos afrontavam-no com a luz de vela e com a cruz. A água benta quando tocava no Tinhoso riscava fogo, mas ele resistia, vomitando porcaria e ameaçando, quando Astrid embasada na fé começou surrar o arrenegado com o terço e orava:
     - Pai Nosso... Ave Maria... Santa Maria... Pai Nosso... Ave Maria... Santa Maria, mãe de Deus...


Autor: Rilvan Batista de Santana
Licença: Creative Commons

Membro da Academia de Letras de Itabuna - ALITA

Imagem: Google

Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 29/07/2014
Alterado em 24/11/2024


Comentários


Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr