Carta para Júlia (III) R. Santana
Carta para Júlia (III)
R. Santana
Querida Júlia:
Júlia ó Júlia em que bruma em que nevoeiro tu te escondes? Já te mandei enésimos recados, em vão... Perdestes no meio das tribulações a delicadeza e o bom coração? Duro para ti recalcitrar contra a verdade e a imaginação criativa! A arte literária não tem limite e jamais será cerceada, somente a deusa Thanatos possui o apanágio da destruição.
Cercear-me é fácil, com alguns rapapés fico murcho, mas cercear os turbilhões criativos que brotam dentro de mim, é impossível, possuo o demônio do bem e do mal que tanto reclamava Sócrates que como o grego, eu puxo-o para as coisas do bem sempre,
Não acredito que obras fúteis deem imortalidade a ninguém, a imortalidade é um desejo primitivo do homem, mas o estado de imortal só será possível através de obras criativas originais e substanciadas, a repetição do que já existe não estigmatiza nenhuma obra. Aliás, a imortalidade terrena é um sofisma, talvez, a alma boa, santa, seja imortalizada, conforme crenças religiosas. Não confundir memória temporal com memória atemporal, infinito só Deus, nem o espaço e o tempo são infinitos, estão sujeitos a cortes sempre.
Estimada Júlia, a vida tem significado quando se é feliz. Ser feliz só quando a vida é compartilhada, quando se vive para o outro, quando se ama e é amado, ninguém vive numa ilha como Robson Crusoé, só na ficção de Daniel Defoe, a realidade da vida, querida Júlia, é uma ladeira íngreme, muita gente desiste antes de chagar ao topo.
Faz algum tempo que refletir a felicidade num ensaio: “O homem nasce para ser feliz?...”, já naquela época, demonstrei com fatos que o homem tem, apenas, momentos de felicidade, que somos as nossas circunstâncias, a relatividade do bem e do mal, que destino é uma coisa improvável e o que regula a nossa vida não é o determinismo, mas “o mundo das possibilidades”, que se caracterizam em: tangenciais, necessárias, e, reais, o resto, é especulação existencial estéril.
Querida Júlia, certamente, não se nasce com o destino traçado, a nossa vida não é predeterminada, todavia, as pessoas possuem dons diferentes. Claro que o foco e a determinação superam muitas deficiências pessoais... Demóstenes, um dos maiores oradores e político da Grécia antiga, é um exemplo, gago, usou os mais diversos artifícios primitivos para vencer a gagueira e tornou-se o maior orador grego daquela época. Se Einstein continuasse empregado no escritório de patentes em Berna, não teria sido um dos maiores físicos de todos os tempos, ou seja, cada pessoa tem um dom, difícil é encontrar o “veio”, a aptidão certa, às vezes, o indivíduo passa pela vida e não descobre sua verdadeira vocação. O seu dom, Júlia, não é liderar, delegar, atribuir, talvez, o seu dom é fazer, colocar a mão na massa...
Querida amiga, eu não lamento o passado “águas passadas não movem moinho”, nem penso no futuro, vivo o presente a cada dia, portanto, não choro em cima do leite derramado, aliás, as minhas perdas foram de somenos importância: falsos amores, falsos amigos, amizades interessadas, falsas oportunidades e inimigos gratuitos. Porém, no ocaso da vida, lamento o meu papel sem significado neste mundo, não deixarei nenhuma contribuição para humanidade, Deus não me premiou com seus talentos, apenas, permitiu-me que eu fosse mais uma criatura no mundo.
Ultimamente, tenho refletido sobre moral, ética, legalidade, descobri que nem sempre o que é legal é justo. Nos serviços essenciais, seus trabalhadores não podem fazer movimento paredista in totum, mas os trabalhadores fazem-no e incorrem em ilegalidade e punições, todavia, o pleito não deixa de ser justo, justíssimo. Por outro lado, nem sempre as atitudes antiéticas não são amorais, às vezes, respondem às certas atitudes indecentes e imorais.
Júlia, finalmente, eu quero lhe dizer que o mal jamais vencerá o bem, esses dias, distante daqueles que me discriminam, daqueles que não me compreendem, distante dos egos inflados, distante daqueles que me fizeram mal, tive meus momentos de felicidade e paz: não deixei de escrever e não deixei de fazer literatura.
Cordialmente,
Narvil
Autor: Rilvan Batista de Santana
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