A cobra e a minhoca - R. Santana
O velho Tanaguchi não é a rainha persa Xerazade, mas sua criatividade não tem limite, toda vez que o encontro, ele tem uma história pronta para me contar, e, se o papo se prolonga noite adentro ou ao longo do dia, seu repertório parece que não tem fim, o homenzinho é um repositório de saber, aliás, ele dispensa o “saber” e substitui por “sabedoria”... Justifica que quase não teve escola e o pouco que sabe, ele aprendeu com a leitura do mundo.
Naquela manhã, o encontrei numa praça de jardim bisbilhotando as páginas de um livro, então, provoquei-o:
- Eis aí o homem dos livros!
- Meu caro Narvil, eu te confesso que é através do livro que viajo pelo mundo passado, presente e futuro. Meus pais foram mal alfabetizados pelos meus avós, naquele tempo, um braço a mais na lavoura era vital, portanto, quando o menino sabia ler e escrever e as quatro operações aritméticas, ao invés de uma nova caneta e um novo livro, era lhe dado uma enxada, uma estrovenga, um facão... Mas, que tu fazes aqui, não trabalhas mais!?
- Oh, Esopo dos tempos modernos! Não lembras que como tu, eu sou um vadio institucional?
- Não vos dizeis bobagens, eu e tu já produzimos muito para este país de homens de má fé, é legal e justo que no ocaso da vida, quando não somos mais força de trabalho, morramos... – eu o interrompi:
- Meu velho, tu deixes de churumelas e me conte uma boa história!
- Não sei se é boa, mas gosto muito da história da cobra e da minhoca que ocorreu no tempo em que os animais falavam e a cobra não tinha a visão perfeita de hoje!
- Desembuches, ó homem!
***
A cobra e a minhoca
- Bom dia, dona Cobra! – a cobra olhou o impertinente por cima dos óculos...
- Quem és tu?
- A Minhoca!
- Como atreves verme sujo, perturbar o meu ócio!
- Eu não sou sujo, estou sujo, a terra é meu suor!
- Além de verme desprezível, és insolente!
- Na natureza dona Cobra, cada espécime tem o seu lugar, somos responsáveis pelo seu equilíbrio, todos nós somos necessários!
- Eu sou o símbolo da medicina, da enfermagem, eu represento o bem e o mal, a esperteza, tu és, apenas, isca de peixe! – cheia de empáfia.
- É o ciclo da natureza: eu me alimento de húmus, deixo o vento e a água passarem pelos meus túneis, assim, levo vida à terra e aos vegetais, sou dada ao peixe, o homem se alimenta de peixe, morre e volta pra terra!
- Tu queres posar do bem, mas tu estragas barragens e diques com o teu fuça-fuça e prejudica o homem. O meu cuspe dá vida e serve para minha autodefesa, afora me alimentar de espécimes nocivos à natureza. Tu nunca vais ser mais útil!
- O meu fuça-fuça estraga o concreto, mas não mata o homem, além disto, dou-lhe saúde e beleza, jamais lhe feri de morte nem nunca o atraiçoei...
- Verme nojento, tu não conheces a história da vida, não sou traiçoeira, ajo em autodefesa, quem traiu o homem no Éden não foi a serpente, o Diabo a usou para que Eva e Adão cometessem o primeiro pecado!
- Há 500 milhões de anos conheço essa história de desobediência a Deus, porém, vós não deixastes de ferir o calcanhar do homem e tua cabeça esmagada, além da maldição de vos rastejardes sempre!
- Ser desprezível, nunca houve maldição... O Diabo usou a serpente para o seu propósito espiritual, cada ser tem sua natureza e forma, tu, por exemplo, és asquerosa e segmentada, nunca vais ser cobra, tua sina é furar a terra, portanto, ides antes que me aborreça! – não demorou, surgiram alguns caçadores na mata, a cobra preparou o bote, mas foi advertida pela minhoca:
- Se ferirdes um, serás cortada em pedaços pelos demais, não sejais imprudente, dona cobra!
- Faço o quê!? – apavorada...
- Penetres comigo naquele túnel!...
***
MORAL DA HISTÓRIA
Todos os seres vivos são iguais na diversidade. A necessidade diminui a diferença, o orgulho, o preconceito, excita a prudência e o bom senso.
Autor: Rilvan Batista de Santana
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Membro da Academia de Letras de Itabuna - ALITA