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Carta para Mariana Stolzer

Carta para Mariana Stolzer
O Significado da vida - R. Santana

Prezada Mariana:
 
Eu sei quanto é difícil morar e trabalhar na cidade maior do país e uma das maiores do mundo. Se o transporte é metrô, o excesso de gente atrapalha, se o transporte é ônibus, a ida para o trabalho e a volta pra casa, o tempo parece infinito, se é de carro próprio, o congestionamento e o medo de assalto nos semáforos não deixam por menos, enfim, morar e trabalhar na cidade de São Paulo é um enorme sacrifício de vida, por isto, lhe compreendo, quando você me pergunta: “... amigo, a vida vale a pena?” Citando o poeta Fernando Pessoa: “...Tudo vale a pena/ Se a alma não é pequena...”, ou seja, se o seu enfoque é seu doutorado e seu trabalho, todo sacrifício é justificável e sua vida tem razão de ser, conforme os versos do poeta.

Não sei se a vida em si vale a pena, pois ainda não sei lhe responder: “quem sou eu”, “de onde vim”, “para aonde vou”, só sei minha amiga, que existo, “cogito, ergo sum”, porém, desconheço a finalidade de minha existência. Se tivesse a fé de Santo Estevão, a minha vida teria significado, mas a minha fé é igual à de São Tomé e a minha dúvida é avassaladora: não sei se Jesus Cristo foi enviado por Deus, ou, um grande profeta, um ser intelectualmente superior, mas não uma divindade! Se fosse espírita, tê-lo-ia como um espírito de luz superior, embora a reencarnação prevalecesse à ressurreição. Não pense minha amiga Mariana que essa dúvida não me perturba, perturba muito, a ponto de deixar minha vida sem sentido e viver por viver.
Num trecho de sua carta diz: “... estimado amigo, não compreendo as coisas: eu sou jovem, saudável, bonita, rica, médica prestigiada, no entanto, não sou feliz...”, adiante, pergunta-me o que deve fazer para buscar a felicidade e um estado de espírito que diminua sua ansiedade e os seus conflitos existenciais. Não existe, minha cara Mariana, uma receita, um conselho milagroso, uma varinha de condão, ou, poder misterioso que satisfaça a alma humana porque a essência do ser é extrato da existência, o homem constrói sua natureza dia a dia, portanto, essas inquietudes existenciais são permanentes, porque o homem não aceita sua limitação e gostaria de ter natureza infinita.
Nós somos nossas circunstâncias. A felicidade, minha cara Mariana, é relativa e não absoluta. O homem não é feliz sempre, mas sempre quer ser feliz. O homem tem momentos de felicidade. Li faz algum tempo, um provérbio judeu, que “um dia de felicidade vale um ano”, por isto, crê-se que o homem perde parte significativa de sua existência na busca da felicidade. Porém, a felicidade não se procura, ela está dentro do homem quando o ser supera o ter, quando ele se desapossa do que não é necessário, sua ansiedade e seus conflitos existenciais diminuem e ele terá paz.
Por outro lado, minha querida discípula de Hipócrates, a felicidade passa, necessariamente, pelo exercício da partilha, da solidariedade, do ombro amigo, da palavra sincera, do olhar complacente, da lágrima enxugada, da doação, do amor ao próximo, pois quem semeia rosas não colhe abrolhos, mas colhe rosas. Se alguém planta maldade e iniquidade, não vai colher bondade, porque a lei do retorno está escrita no código da vida, é uma regra que não falha.
Mariana, eu não acredito em predestinação, destino, ou, coisa que valha! Não acredito que Deus tenha deixado o sofrimento humano como remissão do pecado de Adão e Eva. Qual o mal de uma criança para sofrer de câncer agressivo? Vítima de uma bala perdida? Seviciada pela brutalidade de um insano? A razão não responde. Se o pai humano não deseja nenhum mal para seu filho, imagine o Pai celestial! Só existe algo que explica: o mundo das possibilidades necessárias, contingenciais e reais. Só estes conceitos, minha amiga Stolzer, respondem aos fatos do cotidiano.
A vida, minha amiga, é uma dessas coisas que não se explica: vive-se... Não se deve perder o foco da vida, até para sobreviver, mas não se deve encher a cabeça de caraminholas, deve-se viver intensamente, cada dia é uma vitória! Se existe alguma receita para uma vida feliz é a prática do bem, que em si não é uma virtude de quem o pratica, mas um meio de sublimar os seus defeitos e completar aquilo que lhe falta.
Enfim, não sei se respondi bem sua carta, pois também não tenho resposta para o significado da minha existência. Ultimamente, “deixa a vida me levar” como canta Zeca Pagodinho, isto é, deixo a vida acontecer e sou mais feliz, minha amiga Mariana Stolzer.
Que Deus lhe abençoe, paz e bem!...

Narvil
Autor: Rilvan Batista de Santana
Itabuna, 12 de março de 2014.
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 12/03/2014


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr