Merry Christmas
R. Santana
Caro leitor, talvez, tu me aches abusado, afetado, onde já se viu um sujeito bacurau, nascido lá longe no interior de Sergipe com esse negócio de inglês para dizer: “Merry Christmas!” ao invés de “Feliz Natal!” e tu tens toda razão meu amigo, minha amiga, porém, não é pedantismo, é que quero contar a história do meu Natal de maneira grandiosa, por isto, escolhi “Merry Christmas”, mais sofisticado e mais bonito.
O Papai Noel daquela época tinha significado verdadeiro, diferente dos meninos de hoje, os garotos e as garotas criam na existência do velhinho barrigudo, barba e sobrancelhas brancas, roupa vermelha, gorro e polainas, carregando um grande saco de presentes, depositando o presente embaixo da cama dentro ou fora do sapato. Não eram presentes sofisticados: brinquedos de plásticos, bonecas de pano, carrinhos de madeira, estojo de gude, espada de plástico e máscara do Zorro, às vezes, o Papai Noel exagerava e deixava de presente velocípede e bicicleta.
Mãe Judite gostava de passar o Natal junto com os seus pais e irmãos em Lagarto, uma das principais cidades sergipanas. Ela arrumava a mala com suas coisas e as minhas, pegávamos o pau-de-arara (carro que transportava gente), e, íamos pra Lagarto, lá ficávamos todo mês de dezembro e início de Ano Novo, só retornávamos pra Itabuna quando o seu marido não mais se aguentava de saudade.
A nossa estada era a casa dos meus avós, afora os dias de festa de lá não saíamos pra lugar nenhum, não havia necessidade, havia de tudo que um menino gosta: uma malhada de fumo no fundo, duas ou três cabeças de gado e um pomar rico em árvores frutíferas, nelas, nós fazíamos as nossas estripulias: balançar na gangorra, subir no galho mais alto de uma mangueira e chupar a manga no pé ou montar na galha de cajueiro, imitando o tropel de um cavalo.
A casa era simples, mas aconchegante. Os móveis eram naquele tempo: mesa grande, tamanho família, cadeiras com estofos de vime, uma espreguiçadeira para o meu avô João Zabelinha tirar suas sestas, camas com cabeceiras desenhadas e torneadas, colchões de lã, cristaleira e baús. Não havia radiovitrola, nem água encanada, nem chuveiro, nem energia elétrica, nem rede de esgoto, o banho era no tacho de cobre, a casa alumiada por candeeiro, aladim, e, o serviço sanitário despejado numa fossa. O luxo da casa era um rádio enorme, de muitas faixas, alimentado por bateria de automóvel ou pilhas descartáveis, em torno dele, se reunia a família pra ouvir música ou a “Voz do Brasil” pelo um pool de emissoras do Rio de Janeiro e São Paulo, liderados pela Rádio Nacional, Mayrink Veiga e a Globo, era o luxo do luxo...
A casa não era rica, mas não podíamos nos queixar da ceia de Natal: peru, frango a molho pardo, carne de carneiro ou de bode, patê de fígado, purê de batata, feijão, fava, farofa de andu, arroz grelhado ou cozido, saladas, nozes, azeitonas, tudo regado com bom vinho para os adultos e a molecada se empanturrava em doces de caju, manga, jabuticaba, quem não gostava de doce, se empanturrava no caldeirão de ponche natural – não havia geladeira.
Cedo saíamos do Coqueiro, a pé, a cavalo, em carro de boi, mulheres e meninos montados na garupa dos animais, os homens a cavalo, não demorávamos chegar ao centro da cidade de Lagarto, a tempo de passear na Praça da Matriz, ouvir as músicas de Natal, tocadas pela filarmônica da cidade no coreto oitavado no meio da praça e aprontar algumas piculas e assistir a missa.
A missa do Galo é diferente das outras pelo luxo e pela quantidade de fieis. As senhoras e os senhores usam sua melhor roupa, os meninos sua roupa nova, geralmente, é celebrada meia noite do dia 24 de Dezembro para o dia 25 de Dezembro, segundo a tradição cristã, porém, o padre alemão da Igreja Matriz, daquela época, celebrava muito mais cedo, pois sabia que muita gente vinha de longe. O Coqueiro, em particular, dista do centro de Lagarto mais de 3 km, hoje, é um bairro bem povoado, urbanizado, naquele tempo era um arremedo de bairro, mais roça do que bairro, sítio de um lado e do outro da estrada arenosa que se encontrava com o calçamento na entrada da cidade.
Os meninos pouco se lixavam pra homilia do padre alemão de latim embolado, nós queríamos de verdade era passear na cidade grande... Na Matriz, nos interessávamos pelo presépio: o menino Jesus deitado na manjedoura, os três Reis Magos adorando o Menino – Deus, José e Maria...
Quando o padre ultimava os ritos finais: “Benedicat vos omnipotens Deus” e “Pater et Filius et Spiritus Sanctus, Amen!”, era hora de fazermos o trajeto de volta, a ceia de Natal clamava nossa presença!...
Autor: Rilvan Batista de Santana
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Membro da Academia de Letras de Itabuna