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Carta para Judite

Carta para Judite
R. Santana


Querida amiga:


Recebi sua carta cheia de elogios às minhas produções literárias, além de fazer alguns questionamentos sobre literatura que espero respondê-los à medida que coloco as minhas ideias no papel. Não lhe responderei sobre os seus elogios, não são verdadeiros, não sou escritor, sou um escrevinhador de futilidades, sei que seus elogios não passam de eufemismos, estímulos de um coração generoso para que eu continue nessa atividade solitária da escrita. Porém, quero lhe agradecer pelas perguntas literárias que me fez em sua carta, pois terei a oportunidade de expressar o que penso sobre a poesia e a prosa no mundo atual em que o pensamento não é mais atributo do homem, mas da máquina informatizada.
Querida amiga, eu sei que você já tem respostas para suas perguntas, conheço sua erudição literária, talvez ignore a literatura de nossa terra do cacau, notadamente, a prosa e a poesia dos escritores vivos, mas quem gosta de Jorge Amado ou Adonias Filho, pouco irá aprender com os que vieram depois. Jorge Amado narrou a saga do cacau assim como Homero narrou a epopeia dos gregos em sua Ilíada e Odisseia.
O caxixe, a derrubada das matas para expansão do cacau, os coroneis, os jagunços, a religiosidade das matronas, os amancebamentos, o incesto, o cabaré, o voto de cabresto, a política feita com clavinote, o baixo meretrício, o navio, a preocupação com a construção do cais para exportação do cacau e a incipiente ferrovia Ilhéus-Itabuna são ingredientes que permeiam a obra de Jorge Amado e é a história da civilização cacaueira.
Hoje, minha amiga, os tempos são outros, a sociedade tem outras necessidades e aspirações, a cultura está mais efervescente, multiplicaram-se os artistas, os poetas e os escritores vomitam o saber velho e escrevem coisas sem significado, todo mundo faz poesia livre e todo mundo é escritor e publica livro (produção independente), a literatura regional está falida.
Judite, não existe aqui como lá obra distinta, marcante, aqui ainda não surgiu uma Clarice Lispector, uma Rachel de Queiróz e nem a sensibilidade de uma Cora Coralina, o gênio de um Fernando Pessoa, um Drummond, um Pablo Neruda... Aqui, amiga, existe gente com mais talento de marqueteiro do que de poeta e escritor, gente que se preocupa mais em divulgar e aparecer na mídia, em vernissage, noite de autógrafos, festejados com diplomas, comendas, títulos honoríficos e lançamentos badalados do que produzir obras que dignifiquem a literatura e a arte, gente que usa e abusa do princípio de Joseph Goebbels, que, “uma mentira repetida ganha foro de verdade” e acomoda-se em sua produção fútil, sem significado social e histórico e não persegue uma forma nova de fazer arte e literatura, a exemplo de Baudelaire, Balzac, Paul Cézanne, Picasso...
Por isso, Judite, eu tenho rejeitado o epíteto de escritor (não é demagogia), assim não terei compromisso com a história, não quero ser mais um na enxurrada do esquecimento nem mais um na consciência crítica dos meus algozes, eles não perderão tempo em análise de bobagem. Não desejo que alguém me chame no futuro de “narcisista”, “manipulador”, “maquiavelista”, “arremedo de escritor”, “sorrateiro” e “plagiador”, se declaro por escrito o limite de minha ignorância. Se os meus inimigos forem justos e éticos, reconhecerão que tudo que produzir decorre de minha história de vida, da minha leitura do mundo, das minhas reflexões literárias, de fatos pessoais, e, não de experiências alheias, porque o meu estilo é único, é minha impressão digital.
Judite, eu sou escrevinhador há muito tempo, porém, a falta de recurso financeiro nunca me permitiu publicação independente. Hoje, com o advento da internet, a divulgação de minhas ideias, dos meus textos, não é mais empecilho, desde que o conteúdo produzido seja de domínio público e fiz isso sem outra preocupação, senão, captar leitores, e, em 8 anos publiquei um farto material literário licenciado pela Creative Commons nos principais sites do país e Portal Domínio Público-MEC, além de algumas inserções em editoras do Rio e de São Paulo, isso gerou algumas antipatias e a resistência velada, às vezes declarada, dos intelectuais, dos superegos, de não me aceitarem como um produtor de textos de ficção ou histórias de experiências vividas.
Não faz muito tempo, num programa de televisão, o apresentador perguntou a sua entrevistada se a literatura atual é um modelo esgotado, a escritora pega de surpresa, falou, falou e não disse nada, talvez, levada pelo nervosismo, todavia, far-se-á necessário uma nova forma de expressar a linguagem estética num mundo informatizado, onde a informações de textos e imagens são rápidas. Hoje, os e-books, os textos digitalizados, o designer, o correio eletrônico e as redes sociais dominam o mercado, o livro impresso pouco e pouco perde espaço na preferência do homem moderno que exige um texto conciso, significativo, e mais rápido.
Os conservadores têm que se render a esse novo mundo em que a velocidade da informação é condição sine qua non para que o homem mantenha o seu conhecimento atualizado. Porém, isso não significa que a literatura é um modelo esgotado, ela alimenta o espírito do homem e cria padrão de comportamento, conforme Oscar Wilde, a vida imita a arte e não o contrário, portanto, o conteúdo não está em discussão, mas a forma.
A literatura sempre se renovou ao longo de sua história desde o trovadorismo até as tendências contemporâneas atuais, passando pelas principais escolas literárias: - romantismo, realismo, naturalismo, parnasianismo, simbolismo e modernismo. Hoje, a nossa literatura tupiniquim, mais uma vez, clama por uma “Semana de Arte Moderna” para enfrentar os novos tempos.
Judite, a literatura é quem move a ciência, disse-lhe isto antes em minha carta, agora, você me pergunta: “De que maneira?”. Eu sei que foi para me provocar, você conhece a história da arte e da literatura tão bem quanto um doutor do assunto, mas não sou de pedir arrego, irei rememorar sua cabecinha, citando, somente, dois exemplos: Júlio Verne que no Século XIX foi o profeta da ciência espacial com os seus romances: Da Terra à Lua, Cinco semanas em um balão, Vinte mil léguas submarinas, etc., etc., e, mais recente; Ian Fleming com os seus romances do período de guerra fria: Dr. No, Goldfinger, The man the golden gun e Moscou contra 007. Os romances de Fleming assim como os de Júlio Verne desencadearam novas descobertas científicas.
Enfim, minha nobre e cara Judite, não sei se respondi todos os seus questionamentos, se não os respondi, eu tentarei fazê-lo noutro momento, se tem uma coisa que sou e lhe confesso sem falsa modéstia é a determinação, persigo aquilo que quero fazer ou conhecer sem preguiça. Não faz muito tempo, uma carinhosa amiga me deu o epíteto de “homem pensante”, quando jovem, os meus amigos me deram o apelido de “homem dos livros”. O primeiro epíteto, eu não pensei para descartar; o segundo, eu não pensei para aceitar, pois gosto dos livros, não sei se eles gostam de mim... Que Deus lhe abençoe, paz e bem!...

Rilvan Batista de Santana
Obra licenciada no CREATIVE COMMONS
Itabuna, 27 de novembro de 2013.

 
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 27/11/2013
Alterado em 30/11/2013


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr