A lagartixa de João Victor R. Santana
A lagartixa de João Victor
R. Santana
O meu Pituquinha, agora, é homem, “vovô, eu sou homem!”, então, “vovô, eu sou macho!” rio pra me acabar, o fedelho tem 2 anos e um mês de idade, mas já tem ranço de “machão”, cismou com uma lagartixa que a partir das 18:00 horas, sai de sua “casa” e fica passeando na parede da nossa antessala, quando nos aproximamos, ela volta de onde veio. Não é como a lagartixa de Kafka em “Metamorfose”, que das frestas do seu quarto acompanhava o movimento de sua casa e dos seus familiares. É uma lagartixinha que mede uns 7 ou 8 centímetros da ponta do rabo às ventas e que parece conhecer João Victor, pois fica toda serelepe quando ouve sua voz infantil, ele grita: “bichinho vem cá!!!”, aí, a lagartixinha vira a cabecinha pra um lado e pra outro, os seus olhinhos esféricos olha-o de cima pra baixo e com o rabinho abanando vai situar-se noutro lugar, mas não lhe perde de vista.
Não poucas vezes, nesse horário, estou sentado na poltrona diante da TV, alquebrado do dia a dia, quando meu Pituquinha puxa-me à força para ver a lagartixinha e na casa do sem jeito obedeço: “levanta, vovô!”, lá vou eu até a antessala e de mão espalmada bato na parede e repito as ordens de Vitinho: “vem cá bichinho!”, “vem cá bichinho!”, “vem cá bichinho, João Victor quer lhe falar!”, mas a lagartixinha não vem, fica só de olho... Doidice? Não, inocência!
Vitinho andou cedo, mas a fala demorou um pouco mais, quando tinha 10 meses, sua linguagem não passava de: “nhan”, “papá”, “mamã”, “vô” e “Vavá”, depois da brinquedoteca, são flagrantes o seu desenvolvimento físico, afetivo e intelectual. Hoje, ele está mais desinibido, fala que só um papagaio e expressa com clareza sua vontade:
- Vamo pu pu vovô? – um convite ao pula-pula, então, quando ele quer sair de casa:
- Pissear, vovô! Pissear vovô! Pissear vovô!... – quando sua avó não se encontra, ele pergunta pelo nome:
- Cadê Vanda, vovô? Vanda saiu! Vanda saiu! Vanda saiu!... – ou, quando o pai ou a mãe não se encontra:
- Cadê papá John!? Cadê papá John!? Cadê papa John!?... – ou,
- Cadê Anne!? Cadê Anne!? Cadê Anne!? – Se a situação é de medo ou de risco...
-Vavá, o véio pega! Vavá, o véio pega! Vavá Vanda, cadê o véio? O véio sumiu!...
- Vovô, fogo! O fogo queima! Vovô, o fogo queima!!!
Vitinho repete o tempo todo, as músicas da escolinha, com arte e afinação de gente grande:
- Macha Sodado/ Cabeça de papé/ Se não machá direito/ Vai preso por quarté/ O quarté pegou fogo/ A poliça deu siná/ Acorda acorda acorda/ A bandera nacioná...
Sua coreografia de marcha encanta a todos. Mas, quando a cantiga é meu lanchinho, sua arte de dizer é mais apurada, acho que ele canta com o estômago:
- Meu lanchinho, meu lanchinho / Vou comer, vou comer / Pra ficar fortinho / pra ficar fortinho/ E crescer! E crescer!!!
A lagartixinha de meu Pituquinha está cada vez mais saída. Ela não se contenta passear só na parede principal, ela percorre as quatro paredes da antessala com movimento e perspicácia, às vezes, quase lambe o dedinho de Vitinho que se espicha nos degraus da grade para tocá-la, mas a danadinha quando percebe que sua presença está próxima, abana o rabinho e foge pela frincha do forro, aí, João Victor me puxa pelo braço e determina que eu bata na parede com a mão espalmada e torne chamar a ingrata da lagartixa pelo nome de “bichinho”:
- Desce bichinho! Desce bichinho! Desce bichinho! Desce que João Victor quer lhe falar! – a safadinha lhe faz pouco caso e sobe ainda mais, lá de cima parece lhe desafiar:
- Venha me pegar menino bonito! Venha me pegar menino bonito! Venha me pegar menino bonito!... – Vitinho parece que lhe entende:
- Pega bichinho vovô! Pega bichinho vovô! Pega bichinho vovô!...
Autor: Rilvan Batista de Santana
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