Desejo mórbido de imortalidade
R. Santana
O homem é o único animal que tem consciência da morte. Os animais irracionais não sabem que vão morrer, não sabem que são efêmeros, não sabem o que é vida eterna, seu comportamento é instintivo, é animal. Mas, o homem é um ser pensante, não age somente por instinto, diferente do animal irracional, o homem sabe usar a percepção, a emoção e a cognição, tem consciência que é limitado, sabe que vai morrer e a imortalidade da alma continua um mistério.
O homem se angustia sempre desde que não encontra resposta para sua existência. O homem não conhece seu eu, de onde veio e para onde vai, Sócrates sugere como principal conhecimento: “Conhece-te a ti mesmo”. Se o homem se conhecesse, se ele tivesse uma explicação lógica e não religiosa da finalidade de sua existência, talvez, sua vida tivesse mais significado, sua ansiedade fosse menor. O futuro do homem além- túmulo é uma especulação secular ainda sem resposta.
A religião não é “o ópio do povo”, não deixa o homem entorpecido, também, “não é freio social”, todavia, a fé em Deus é necessária para conter os instintos primitivos do homem e torná-lo um animal político. Se o homem perdesse de vez a esperança de vida eterna, o seu lado ruim, corruptível e inescrupuloso, iria prevalecer mais nas relações humanas e sociais. Se não fosse a religião, os instrumentos do estado de censura, prevenção, repressão e jurídico seriam de somenos importância. O homem tem medo íntimo de perder o seu encontro com Deus, sua promessa de vida eterna, portanto, lhe é de somenos importância, as punições humanas e a morte.
O homem sempre alimentou o desejo mórbido de imortalidade, mas a imortalidade é uma hipótese e não um fato, por isto, suas angustias e seus conflitos existenciais permanentes. Porém, a criatura é semelhante e não igual ao Criador em inteligência e criatividade. Cônscio de que não pode vencer a morte e desconhece seu destino além-túmulo, ele inventa e produz tudo que lhe possa eternizar na ciência, na filosofia, na literatura, na arte e na música. A História é pródiga em exemplos, desde o homem primitivo que pintava e esculpia em paineis de pedras naturais sua realidade até os dias de hoje.
Os nabucodonosores, os faraós, os césares, as cleópatras foram reis personalistas e megalomaníacos por excelência, as pirâmides de Queops, de Quefrem e Miquerinos, os jardins suspensos da Babilônia, os mausoleus suntuosos, as “bibliotecas” e a fundação de cidades dentre outros exemplos, foram artifícios usados pelos governantes para imortalizá-los.
As escavações arqueológicas encontraram no Oriente, no Ocidente, nas Américas, aliás, em todas as partes do mundo, objetos personalizados, estruturas de poder daquela época, culturas enterradas, cujo objetivo era gravar o poder do governante de plantão ou restos de civilização. Quem leu “Eram os Deuses Astronautas?”, tem uma ideia de quanto o homem e os deuses fizeram para deixar sua impressão, sua marca, ao longo dos tempos. Hoje, essa herança cultural e a memória dos antepassados permanecem, praticamente, preservadas.
O homem coloca suas ideias no papel, modifica as existentes, inventa, produz, sistematiza, preocupado em contribuir para sua civilização, diminuir seus males, entretanto, é movido pela crença que seus feitos sejam lembrados pelas posteridades futuras. Conta-se que Euclides da Cunha tinha medo de ser esquecido depois de sua morte, mesmo com a crítica especializada positiva de seu poema em prosa, no início do nosso regime republicano: “Os Sertões”. A Guerra de Canudos, uma epopeia da terra, do homem e da luta, na cidadezinha de Canudos, hoje, Euclides da Cunha, no recôndito do Nordeste.
Porém, a população cresceu (7 bilhões de habitantes no planeta), os meios de informação ainda mais, atualmente é possível registrar um fato do outro lado do mundo com imagem e voz em tempo real. São pouquíssimas as atividades científicas, literárias e artísticas solitárias, tudo é feito a quatro mãos. Se alguém se propõe escrever uma novela ou adaptar texto já feito para grande mídia, por exemplo, não o faz sozinho, atrás de si existe uma equipe que lhe dá suporte técnico e lhe subsidia com informações específicas. O mesmo ocorre com os grandes inventos, não são mais produzidos individualmente, mas em grandes laboratórios com sofisticada tecnologia.
A quantidade de produção em qualquer atividade humana é de somenos importância, importa o valor artístico, literário e científico da obra. Uma obra se pereniza se tiver originalidade, oportunidade histórica, aprovação social ou científica. Não obstante Castro Alves ter sido um gênio, se ele não tivesse tido a coragem de cantar a libertação dos escravos em seus versos e não tivesse desafiado o status quo daquela época, hoje, estaria entre os poetas menores e esquecidos para sempre.
Os livros, nas várias modalidades, sempre contribuíram para preservar a memória do homem, desde o início dos tempos, porém num processo seletivo darwiniano, sobraram poucos livros de lá pra cá: poucos livros da cultura grega, poucos livros da cultura romana, os livros da Bíblia de cultura judaica, outros da cultura oriental, alguns livros de cultura alemã, britânica e francesa e os cinco séculos mais recentes da cultura americana. Persistiram por muito tempo, as enciclopédias, francesas e britânicas, livros como fonte de pesquisa, hoje, o papel do Google.
Com o mundo informatizado contemporâneo, de informação rápida e atual, a enxurrada de livros eletrônicos, em que "n" livros podem ser armazenados num chip e uma biblioteca armazenada num sistema, poucos livros sobreviverão por muito tempo, o destino da maioria é o lixo eletrônico, portanto, mais difícil para o homem comum concretizar o seu desejo mórbido de imortalidade.
Por isso, surgiram aqui, acolá e alhures, as fundações e as academias de letras, de artes e de ciências, com o objetivo de armazenar todas as produções dos notáveis de uma região, de uma cidade, de um estado e do país. Porém, nem sempre o critério de admissão numa academia é justo, ultimamente, o jornalista Merval Pereira do sistema Globo, homem de um só livro e várias reportagens, desbancou injustamente, Antônio Torres, escritor baiano, com obra literária extensa, livros traduzidos em vários países do mundo, para Academia Brasileira de Letras – ABL.
Quem já leu “Farda, fardão e camisola de dormir” do nosso amado Jorge, irá ver que as academias nem sempre são ambientes lúdicos e de paz, os golpes rasteiros, as futricas, o sectarismo político, os egos inflados e os apadrinhamentos permeiam suas atividades dia a dia, nem sempre os melhores e mais honestos intelectuais se sobressaem nesse mar de vaidades e interesses espúrios.
Para ser imortal “não basta morrer”, é necessário que sua obra encontre eco na comunidade local, comunidade regional e comunidade mundial. As insígnias, as láureas e as comendas “internacionais”, adquiridas por critérios Deus sabe como, jamais imortalizarão obras sem mensagem original, sem significado social, sem proposta de mudança, medíocres, vômitos de outros autores, servirão, no máximo, para enfeitar o peito do incauto homem de ciência, de letra ou de arte.
Enfim, sei que seremos imortalizados, não pelo homem vaidoso, rasteiro, individual escorregadio e efêmero, seremos imortalizados pela promessa de vida eterna de Jesus Cristo, Ele que é solidário na dor, no sofrimento, sem distinção econômica, social, raça ou credo, mas agrega todos como seus filhos eternos com qualidades e defeitos humanos.
Autor: Rilvan Batista de Santana
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Membro da Academia de Letras de Itabuna - ALITA
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