O fantasma da moto - R. Santana
O fantasma da moto
R. Santana
Eu gostaria que o leitor não pensasse que essas histórias de fantasmas são contos de carochinhas. Se não são verdadeiras, não me considere culpado, pois elas não nasceram da minha mente, não tenho nenhuma experiência do além e não pratico a fé espírita, mas dou ouvido e voz às pessoas que já tiveram experiência com os nossos irmãos do lado de lá. Claro, quem conta um conto aumenta um ponto porque o trabalho do contador de história é mexer com o sentimento humano, mexer com a emoção de cada indivíduo, mas fiel à verdade do acontecimento.
O jovem Paulo Veneto, Paulinho, insistiu que colocasse no papel sua história de “O fantasma da moto”, argumentei-lhe que no Século XXI, século da internet, século do celular, século do laptop, século do tablet, século do homem pisando na Lua e a caminho de Marte, ninguém mais iria acreditar em alma penada, assombração, aparição, visagem ou coisa que valha, além disso, soube pelo seu primo Leonardo que Paulinho mente mais do que cachorro de preá, portanto, finquei pé, por algum tempo, e não me deixei levar pelo ridículo de acreditar em alma que vaga à toa.
Porém, ele tanto insistiu que fiquei na casa do sem jeito, mas exigi-lhe que jurasse por todos os santos conhecidos e os santos desconhecidos. Paulinho não claudicou jurou por todos os santos, pela barba do profeta Maomé e pelo sangue e hóstia de Jesus Cristo. Mesmo assim, continuei na defensiva, resistindo, enfim, que não nasci com o talento de Jorge Amado, de Adonias Filho, de Monteiro Lobato e do mestre Machado de Assis para contar história nem com o misticismo de Paulo Coelho, mas não lhe convenci e me fez ver que: “quem não tem cachorro, caça com gato”, o importante, seria que todos soubessem de sua história, então, eis a seguir, a narrativa de “O fantasma da moto”.
Paulinho comprou uma moto para trabalhar de mototaxista em Itabuna, mas durou pouco tempo nessa atividade, surgiu na cidade de Ilhéus um emprego fixo numa empresa não legalizada de caça-níqueis. Não obstante o risco do trabalho ilegal, o clamor da barriga foi mais forte que os apelos éticos e morais da consciência, portanto, aceitou o emprego e lá se foi pra cidade vizinha, à boquinha da noite, voltava para sua casa.
A BR- 415 liga as duas cidades e tem uma distância, um pouco mais ou um pouco menos de 30 Km, a margem do lado esquerdo sentido Ilhéus, ficam os sítios, as fazendas, a CEPLAC, a UESC, o posto da Polícia Rodoviária Estadual, ruas do Salobrinho e do Banco da Vitória e um cemitério de pobre no sopé de um morro; do lado direito, fica o rio Cachoeira, fica um posto da Polícia Rodoviária Federal, fica uma extensão da CEPLAC, alguns empreendimentos, também, ruas do Salobrinho e Banco da Vitória.
Foi defronte ao cemitério, às 23:35 h, sentido Itabuna, que Paulinho encontrou um rapaz, moreno baixo, de capacete na cabeça, viseira aberta, roupa de motoqueiro, uma moto 125 cc no descanso, um lado da carenagem quebrado e o tanque de gasolina amassado. Inicialmente, pensou passar ao largo, não gostava de passar pelo cemitério, sentia calafrios, de medo o cabelo ficava em pé empurrando o capacete, mas não havia jeito, é passagem obrigatória, o jeito era virar o rosto pra o lado contrário, naquele dia todo artifício para não encarar a última morada foi em vão, o rapaz se colocou no meio da pista gritando socorro:
- Socorro! Socorro! Socorro!...
- E aí meu brother, houve o quê?
- Uma carreta deu-me um safanão!
- Comunicou à polícia!?
- Não!
- Por que não o fez?
- Pra quê? Estou sem celular e não anotei a placa do carro...
- O quê posso fazer?
- Pode me dar uma carona até Itabuna?
- E a assassina aí!? – apontou pra moto.
- Não tem mais gasolina – o fedor de gasolina contaminava o ar - mandarei o guincho...
- Nesse caso, suba na máquina, é quase meia noite!...
Os dois vieram papeando como velhos amigos. O carona contido, Paulo Veneto extrovertido, mesmo assim, eles falaram sobre família, trabalho, mulher, festa, violência no transito e futebol. Todos os assuntos tratados an passant, com exceção de futebol, pois ambos os motoqueiros disseram que gostam e praticam o esporte nos finais de semana. O carona disse que torcia pelo Corinthians em São Paulo, Flamengo no Rio e Bahia em Salvador, destoava do piloto, apenas, o clube Bahia, Paulinho deixou claro que em Salvador torcia pelo Vitória.
Na entrada de Itabuna, nas imediações do Los Pampas, Paulinho começou sentir uma sensação estranha, uns picos de calor e frio. Os cabelos em pé, os olhos vermelhos, as mãos dormentes, com alguma dificuldade de acelerar a moto, o tempo começou fechar, um chuvisco fino começou molhá-los, Paulinho ainda comentou:
- Brother, eu acho que estou com febre... arrepios em todo corpo... – fez uma pequena pausa:
- Onde você mora?
- Atrás do Hospital Calixto Midlej, mas não quero lhe dar trabalho, ficarei no início da Amélia Amado... – Paulinho bonachão:
- De jeito nenhum!
Não mais tocaram no assunto, o carona fez do silêncio o sim. Paulinho desceu a Avenida Ilhéus com velocidade acima da média e ao invés de entrar na rua à esquerda, destino bairro São Caetano onde mora, entrou à direita, sentido bairro Pontalzinho, quando chegou defronte ao cemitério, o carona o fez parar:
- Pare, eu vou ficar aqui...
-Aqui, onde!? Aqui é a porta do cemitério meu brother!
- Moro no cemitério! – simultaneamente, desceu da moto, tirou o capacete, o lado esquerdo do rosto estava em carne viva, o sangue começou gotejar no chão... Os olhos, brasas vivas, chispavam de terror, deu as costas ao motoqueiro e atravessou a porta fechada como se porta não tivesse ali, Paulinho gelado de pavor em cima da moto, tentou gritar:
- Sangue de Jesus... sangue de Jesus... sangue de Jesus... – desmaiou.
Os relógios da cidade, naquela hora, marcavam um minuto depois da meia noite. Os vigias do hospital e prédios vizinhos, mais alguns parcos transeuntes que passavam naquele momento, lhe prestaram socorro. Ele abandonou o emprego, hoje só vai a Ilhéus em Sol a pino.
Esta história, ele me fez registrar não faz 6 meses e com a condição de não citar o seu verdadeiro nome. Se algum engraçado debocha e não acredita, ele não o condena, mas o desafia:
- Meu amigo, se você tiver tutano, passe lá no cemitério da BR- 415, perto da meia noite, provavelmente, irá encontrar o fantasma da moto!
Autor: Rilvan Batista de Santana
Itabuna, 19 de julho de 2013.