A queima de Judas - R.Santana
Na semana que findou, passei junto com os meus a “Sexta-Feira Santa” nas praias de Ilhéus. Como bom católico, não queria ir, eu argumentei aos familiares que preferia ficar em casa, jejuar, orar e compungir-me, enfim, aproveitar a oportunidade para uma conversa mais amiga com Deus e Lhe confessar o meu arrependimento das coisas erradas que pratiquei ao longo da vida, mas as circunstâncias me tiraram essa oportunidade e terminei o final de semana na casa de um cunhado rico na cidade vizinha, na “Praia dos Milionários”.
Passar a Sexta Feira Santa na praia, degustando boa bacalhoada, dourado, merluza (com leite de coco e dendê), bom vinho, cerveja, caipirinha (brasileiro, afora alguns esnobes, não gosta de whiski), mergulhar no mar, jogar baralho e dominó, é privilégio de poucos, a maioria da população fica em casa, pega a papa do vizinho, outros, ainda menos aquinhoados, come o peixe que a prefeitura distribui grátis na Semana Santa.
Essa tradição católica vem de muito longe, aqui em nosso país, os portugueses que trouxeram-na no seu descobrimento. Hoje, não se comemora a Sexta Feira Santa como antigamente, não existe mais o mesmo respeito religioso, o sentimento de pesar pelo flagelo de Jesus Cristo e o significado de sua ressurreição foram substituídos pelo ócio, pela fuga da cidade grande pra o litoral ou pra o campo. A páscoa não é mais momento de oração e regozijo por Jesus Cristo ter vencido a morte e ter dado ao homem esperança de vida eterna.
Porém, este ano não posso reclamar, é que pela primeira vez na vida assistir a queima e a malhação de Judas no Sábado de Aleluia. Não foi um Judas como o de Itu, grandão, com bombas e dinamites para pipocar o mais famoso vilão da história da humanidade, que vendeu Jesus Cristo por 30 moedas com um beijo na face ou um Judas com cara e herança de político, mas foi um Judas chinfrim, magrinho, com cara de pobre, sem dinamites, com bombas que deram chabus e tudo foi salvo pela robusta e simpática morena testamenteira que leu com desembaraço a herança deixada pelo mais famoso traidor:
- Judas morreu!? – a assembleia respondia:
- Morreu!!! – ela completava:
- Não teve o que deixar, deixou um caminhão velho pra João mecânico consertar!
- Judas Morreu!?
- Morreu!!!
- Não teve o que deixar, deixou seu terno amarrotado pra Thiago casar! – repetia:
- Judas morreu!?
- Morreu!!!
- Não teve o que deixar, deixou 30 moedas de ouro pra Jabes Ribeiro, a cidade melhorar!
- Judas morreu?...
- Morreu!...
Os menos críticos saíram dali exultante com a herança folclórica de Judas e os mais exigentes, os espíritos menos desarmados, saíram lamentando o tempo perdido, particularmente, eu fiquei entre os menos críticos... Gostei dos assovios dos moleques, dos apupos, das brincadeiras, do chabu das bombas, do desembaraço da testamenteira, e, do estribilho: “Judas morreu?...”, “Morreu!...”
Se Judas Iscariotes permanece no imaginário popular o vilão mais odiado da história humana, é problema dele, também, não assino embaixo nas afirmações gnósticas dos cainitas de que Judas foi o grande mocinho e não vilão do cristianismo, pois se não fosse Judas Iscariotes, Jesus Cristo não teria se libertado do corpo corruptível e ressuscitado no terceiro dia em espírito, portanto, são conjeturas e mais conjeturas que só o tempo trará a verdade, por enquanto, prefiro alimentar a voz da morena da praia na minha mente:
- Judas morreu!?
- Morreu!!!
- Não teve o que deixar, deixou muitos livros para “seu” Rilvan estudar!
- Judas morreu!?
- Morreu! Morreu! Morreu!...
Autor: Rilvan Batista de Santana
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Memebro da Academia de Letras de Itabuna
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