Causos políticos
Causos políticos
R. Santana
Não faz muito tempo (50 anos, um nada de tempo, num tempo infinito), que Itabuna teve um dos mais carismáticos políticos de sua história: José de Almeida Alcântara, para molecada daquela época: “Seu Arranca”.
Alcântara era coletor estadual da Bahia antes da política, de família importante, seu primeiro gesto público relevante, que lhe deu panos pra manga e um processo administrativo sem fim, foi usar os recursos da coletoria para comprar cobertores e mantimentos, numa grande enchente do rio Cachoeira em Itapé (naquela época município de Itabuna), nos anos 50, e doá-los aos desabrigados ribeirinhos, sem autorização do estado.
Não obstante esse gesto não tivesse sido legal do ponto de vista administrativo, foi mais que justo. Se ele fosse aguardar os trâmites burocráticos e as ações políticas de um governo distante e esperar que o governo socorresse de imediato uma terra sem representatividade política, seria a mesma coisa que condenar os flagelados morrerem de fome e frio.
Alcântara foi eleito em 1958 pelo Partido Libertador (PL) para prefeito de Itabuna, com o voto dos mais pobres, a elite o discriminava, tinha medo do seu jeito despojado, do seu populismo exacerbado, do seu discurso preocupado com o pobre, que sua administração fosse um caos, enfim, ideias conservadoras e preconceito burguês.
Mas, Alcântara fez um governo acima da média sem deixar de ser popular. Foi no seu governo que um dos sonhos dos itabunenses se concretizou com a fusão e modernização das ruas Sete de Setembro e J.J. Seabra, dando origem à Avenida Cinquentenário, principal artéria comercial varejista da cidade e saída para Ilhéus. Além disto, fez um trabalho de infraestrutura nos bairros pobres com abertura de ruas, saneamento básico e instalação de luz e água.
As aves agoureiras de quanto pior, melhor, deram com os burros n’água, Alcântara não deixou que sua popularidade afetasse o bom ritmo administrativo, sua influência cresceu em todas as classes sociais, com ações de bem-estar para toda população itabunense e o povo lhe agradeceu com a eleição do seu sucessor em 1962, o forasteiro Félix Mendonça, jovem engenheiro civil e titular da Secretaria de Viação e Obras, depois, deputado estadual e deputado federal por várias legislaturas.
Embora os adversários políticos acusassem o prefeito José de Almeida Alcântara de demagogia, populismo, malversação de dinheiro público, nada foi provado, inclusive, foi arquivado o processo dos flagelados do rio Cachoeira de Itapé que já não pertencia a Itabuna, agora cidade, fundada no ano de 1960.
Naquela época, não existia agência de publicidade, o marketing político era feito boca-a-boca, também não seria necessário, havia empatia natural do prefeito e povo, aonde Alcântara ia, era abraçado e beijado por meninos, moços e velhos, sem nenhuma puxação de saco como se fosse da família. Ele adentrava nas casas sem cerimônia, tomava café ou suco ou mexia em alguma panela no fogão... Quando parava num boteco, num quiosque, era uma festa, não bebia nem fumava, mas nunca se recusou pagar pra quem bebesse e/ou fumasse.
Além de humano, ele era alegre, desprendido, com aparência de gringo, chamava a atenção em qualquer ambiente, principalmente, o feminino, mas os amigos juravam por todos os santos que jamais Alcântara havia traído Florisbela Alcântara, dona “Sarinha” que ficou eternizada como nome de um dos principais bairros da cidade itabunense.
Porém, foi em 1966, depois de cumprir seu mandato de deputado estadual da Bahia, que Alcântara demonstrou sua força política, quando venceu pela segunda vez a eleição para prefeito de Itabuna, tendo como candidato adversário, o bem sucedido empresário José Soares Pinheiro, representante fidedigno do poder econômico da terra, dos intelectuais e da elite conservadora e reacionária.
Uma curiosidade é que ambos os candidatos pertenciam à Aliança Renovadora Nacional – ARENA, que para acomodar as duas lideranças o partido criado pela Revolução de 64, se desdobrou em ARENA – 1 e ARENA – 2.
José Soares Pinheiro, Pinheirinho, ex-vereador, ex-presidente da câmara municipal, autodidata, orador de grandes recursos retóricos, integralista de quatro costados, cacauicultor, quem primeiro empreendeu o plantio de seringa no Sul da Bahia, revendedor autorizado da Ford-Willys na região do cacau e uma das reservas morais da terra, tinha tudo para vencer a eleição para prefeito da terra onde nasceu, fez uma campanha multimilionária e memorável, mas era impopular, distante do povão.
Itabuna jamais teve uma campanha eleitoral tão agitada quanto à de 1966, os candidatos a prefeito dividiram a cidade, de um lado, Alcântara apoiado pelos pobres, alguns ricos, pela classe média e pelo ex-prefeito Félix Mendonça; do outro, Pinheirinho apoiado pelos empresários, pelos intelectuais, pelos remanescentes integralistas, pelos cacauicultores e pela classe média conservadora e reacionária.
Os recursos da campanha eram desiguais a olhos vistos, os comícios de Pinheirinho eram enriquecidos com a participação dos melhores oradores da cidade, intelectuais renomados, médicos, professores, faz-se necessário lembrar, dentre os professores, a negra dona de colégio, Celina Braga Bacelar, que abria os seus discursos com um trecho em latim das Catilinárias de Cícero, era uma beleza, um desbunde numa plateia de surdos!... Outra coisa que chamava a atenção em seu showmício era a quantidade de automóveis, ônibus, os gozadores diziam com propriedade: “... se carro votasse, Pinheirinho seria o prefeito”. Os seus “santinhos” foram substituídos por fotos enormes, pôsteres, afora os souvenires personalizados.
Na campanha eleitoral de Alcântara os carros eram contados nos dedos das mãos, também, eles não eram necessários, o povo comparecia aos magotes, a pé, a cavalo, nos jegues, nas carroças... Os oradores eram pessoas simples, sem recursos oratórios, linguagem coloquial, mas que falavam o que o povo queria ouvir. Os apoios políticos mais significativos foram do ex- prefeito Félix Mendonça, do vereador Mário César Anunciação, e, de um ilustre desconhecido, naquela época, o deputado federal Antônio Carlos Magalhães.
A vitória de Alcântara foi de “colher”, acachapante, e de um simbolismo nunca visto antes, pois foi a vitória dos menos aquinhoados, da classe média, a vitória do pobre e a derrota do rico. Alcântara fez a maioria dos vereadores, elegeu Félix Mendonça deputado estadual e ACM foi reeleito deputado federal com 6000 votos de Itabuna, um escândalo de votos pra época.
Todo enforcado tem direito ao esperneio: desenterraram os processos de Alcântara antes da posse, uma comissão de senhoras notáveis foi a Brasília conversar com o presidente Castelo Branco, mas esbarraram com ACM na entrada do palácio, mesmo assim, as mulheres foram bem recebidas pelo general Castelo Branco que lhes prometeu encaminhar as denúncias para averiguação, só e mais nada!...
Alcântara foi empossado na prefeitura de Itabuna e morreu de infarto fulminante em 7 abril de 1968, em pleno exercício da função. Não deixou patrimônio, porém, o seu nome ficou eterno na história itabunense, como o prefeito mais carismático que a cidade já teve e benfeitor dos pobres.
Autor: Rilvan Batista de Santana
Itabuna, 21.02.2013.