A dissimulada.
R. Santana
Helena tinha o dobro da natureza de Capitu em dissimulação e sonsice. Não tinha a polidez da mulher de Dr. Bento F. Santiago, o Bentinho de Dom Casmurro, porém, enganou o marido e a pequena comunidade do São Caetano com mais ousadia do que a personagem dos “olhos de ressaca” de Machado de Assis, pois Capitu não deixou Bentinho por Ezequiel, mas Helena deixou Juquinha pelo velho Leôncio nas fuças de todos não se incomodando com os mexericos dos vizinhos nem com os filhos e o marido.
Alguém poderá reclamar: “... lá vem mais uma história de infidelidade!”, a queixa procede, não existe tema mais explorado pelos escritores do que a traição de pessoas que se gostam, porém, a traição de Helena deu panos pra manga por muito tempo pelo inusitado, pelo absurdo: não se troca uma camisa nova por um molambo, nem um marido novo por um amante velho, ainda mais quando o amante velho é um pobre diabo sem eira nem beira. Mas, as paixões loucas são sentimentos inexplicáveis e não se prendem às amarras da ética e da lógica.
Juquinha herdou da família a altura, contudo, não se sabe se ele herdou também da família, o gosto pelo trabalho, o tino comercial, o amor mariano, o apego à mulher e aos filhos, e, às coisas corretas da vida. Carvoeiro quando rapazinho, quando adulto, fundou com esforço e economia um razoável comércio varejista na rua principal do São Caetano. Naquela época, seu mercado de varejo abastecia a comunidade de tudo, desde o zíper ao que comer e beber sem necessidade da cidade grande.
Helena era os pés e as mãos de Juquinha na lida comercial, o pé-de-boi, o pau para toda obra, o que lhe sobrava em disposição, lhe faltava em beleza e graça, sempre emburrada, cara de poucos amigos, ainda hoje não se sabe como Leôncio entrou em sua vida. Os mais crédulos juravam de pés juntos que o velho tinha parte com o Gauxumão e possuía o livro de São Cipriano, senão, não teria gozado do sexo de Helena.
Leôncio marido de Ana, pai de vários filhos, inclusive, de um soldado sanguinário, passava dos 65 anos de idade. Com a idade, vivia com ajuda dos filhos e de uns pedaços arrendados de roça pra o lado de Macuco. Branco, cabelos grisalhos, rugas acentuadas no rosto, queixo pelancudo, baixo e barrigudo, perdera em acidente de trabalho um dos dedos polegares, as más línguas diziam que foi numa briga de facão por causa de mulher alheia e por pouco não perdeu a vida. O lazer de Leôncio era o jogo de dama e o dominó, mas nos últimos tempos, era visto xeretando o armazém de Juquinha - Eis aí, leitor, o desenho de Leôncio, pintura mais fiel, só se tivesse sido pintado por Rembrandt.
A vida caminhava como de costume no São Caetano quando algum pasquineiro usou de “cartas anônimas” para espalhar maldade e intriga entre os moradores da pequena comunidade. A carta anônima mexe mais com os nervos duma pequena população do que o pasquim, pois a linha do pasquim é jornalística, é a informação da politicagem e roubo do dinheiro público, enquanto a carta anônima denuncia as mazelas de família, mais ainda, atormenta e enlameia gente conhecida, gente próxima, gente da intimidade de todos.
Foi uma carta anônima que deixou os caetanenses estupefatos, de queixo caído, que trouxe à tona o romance proibido de Leôncio e Helena. Não se soube, na época, se Juquinha recebeu, também, uma cópia dessa carta, os fatos dizem que não, pois Helena continuou com a mesma rotina no armazém do marido: afetada, dona de si, pouco se lixando para o mundo. Só depois de uma segunda carta anônima, mais contundente e mais detalhada, é que a infidelidade de Helena ficou às claras, então, na casa do sem jeito, ela fugiu com o amante ainda dia escuro.
O que era suspeito, bisbilhotice de gente desocupada, transformou-se em acontecimento. A mulher de Leôncio, uma senhora de idade, ficou desesperada e os filhos revoltados.
Juquinha não se mexeu nem se contorceu, continuou tocando o negócio amparado pelos empregados e cuidando dos filhos, como se a desgraça não lhe tivesse envolvido. Educado, atencioso, comerciante nato, continuou no trato com as pessoas como dantes, porém, não deixou espaço para que os fregueses comentassem em sua frente o seu infortúnio conjugal, Helena tinha sido sem ter sido sua mulher e pronto.
A lua de mel dos amantes não foi um fiasco completo porque Helena levou sua burra cheia de dinheiro. Leôncio, além de velho, pobre, nada ou quase tinha para lhe oferecer. Não pegaram o caminho do litoral, da pousada, do “resort”, do hotel de alguma estrela, mas o caminho da roça, roça onde Judas perdeu as botas!...
Não muito tempo depois, Leôncio voltou pra sua velha e seus filhos e Helena se homiziou na casa de algum parente ou no puteiro da Baixa Fria para sempre.
Autor: Rilvan Batista de Santana
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Membro da Academia de Letras de Itabuna - ALITA
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