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                                                                                     A Falsidade
                                                                                              R. Santana

     Não faz muito tempo li um pensamento de Martinho Lutero que diz: “Existem três cães perigosos: a ingratidão, a soberba e a inveja. Quando mordem deixam uma ferida profunda.” Não morro de amores pelo sacerdote responsável pela Reforma Protestante, todavia, a minha admiração pelo seu pensamento é perene: são três facetas da personalidade que o homem escamoteia, esconde, sublima, mas de quando em vez, ele não consegue deter um desses pensamentos maus e esse cão sangra a nossa carne e dilacera o nosso coração.
     Porém, o sacerdote alemão deixou de incluir no seu pensamento, a mãe que gerou a ingratidão, a soberba e a inveja: a falsidade, que travestida da mentira, da calúnia, do fingimento e da hipocrisia, não só pode deixar ferida profunda com sua mordida, mas pode destruir sonhos e vidas.
     Esses vis sentimentos o homem não consegue escondê-los por muito tempo, pois eles têm um pé na ira e são temperamentais, despudorados, imorais e obtusos, enquanto a falsidade se alimenta do ódio e solapa com ardis, dissimulação e manhas o mais experiente e inteligente dos homens.
     A ingratidão, a soberba e a inveja são sementes que vicejam mais no terreno da ignorância, onde a terra é estéril em conhecimento. O homem ignorante, mesquinho, vulgar, se apropria com mais facilidade desses males do pensamento luterano. Porém, a falsidade viceja em terreno de conhecimento, inteligente, polido, educado e civilizado. Jamais um troglodita irá cometer um crime de falsidade ideológica, mas ele poderá ser acometido, facilmente, de sentimentos de ingratidão, soberba e inveja.
     Às vezes, eu fico aqui no meu canto, matutando comigo mesmo (uma amiga me deu o epíteto de “homem pensante”, pura bondade sua), quanta gente falsa existe nesse mundo de meu Deus!? Enésima. Essa gente é escorregadia, cordata a maioria das vezes, mas não tem o menor remorso de não lhe avisar que uma cobra venenosa vai lhe picar lá adiante se você não sair do seu caminho. São pessoas ardilosas e inteligentes que espalham a mentira, a calúnia e a hipocrisia com tanta competência que a vítima por mais que se esforce, não consegue que a verdade prevaleça...
     O falso é simpático, envolvente, não toma partido de frente, sempre em cima do muro, mas por detrás lhe apunhala sem o menor resquício de consciência. O falso, também, é ingrato, soberbo e invejoso, mas age com tanta doçura, com tanta polidez que é difícil a pessoa de boa fé descobrir o lobo embaixo da pele de cordeiro.
     O falso é desprovido de lealdade, de fidelidade, de amor, é egocêntrico de natureza, só pensa em si, pouco lhe incomoda trair sicrano ou fulano, desde que seja compensado por beltrano, os seus objetivos estão acima de qualquer consideração firme e sadia.
     O falso é hipócrita, é afetado, gosta de aparecer, chamar a atenção, quer ser valorizado nos seus feitos, se não consegue por mérito, espalha calúnia e mentira com a mesma desenvoltura que toma um copo de água, o seu slogan preferido é o princípio nazista que uma mentira bem repetida toma foro de verdade.
     Porém, o falso e a falsidade não se sustentam nem impressionam por muito tempo, é igual à fábula da máscara de La Fontaine, impressiona à primeira vista, é esteticamente bonita, mas um dia se descobre que a cabeça da máscara é oca e a verdade virá á tona.
     O falso é um inimigo não declarado, mas não se sente seu inimigo, é que moralmente, os fins justificam os meios e se alguém está no seu caminho, a desídia e os meios escusos são sua arma.
     O falso tem quase a mesma lógica de um proeminente político que já se foi que dizia: “os meus amigos não têm defeitos, mas os meus inimigos se não têm defeitos, eu os coloco”, portanto, o falso não mede aleivosia para denegrir quem lhe atrapalhe e não mede esforço para bajular quem lhe é de seu interesse.
     Quando se é vítima da falsidade, não adianta espernear, esbravejar – daqui que se prove que sapo não tem cabelo... -, ninguém lhe dará ouvido e se lhe der, é para atenuar o falso e confirmar a falsidade, porque panela que muito se mexe, mingau vira angu. Então, faz-se o quê? Nada. O tempo é o senhor da razão, que se dê tempo ao tempo. Se viver por muito tempo irá provar que aquele indivíduo não passa de um escroque e que muita gente se enganou e deixou-se enganar!...



Autor: Rilvan Batista de Santana
Licença:Creative commons
Imagem: Google
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 16/12/2012
Alterado em 05/03/2024


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr