A mercantilização da fé
A mercantilização da fé
R. Santana
O brasileiro tem uma fé ingênua, simplória, beata, atávica, desde os tempos de Pedro Álvares Cabral. Um dos primeiros atos da expedição de Cabral foi marcar o território com a cruz, símbolo do cristianismo, e, celebrar missas para índios e portugueses, antes mesmo da certeza se a terra descoberta era uma ilha ou um continente. A posse da terra se concretizou com os bandeirantes e o apoio dos jesuítas, dos missionários católicos, dos beneditinos, dos carmelitas e dos capuchinhos. Portanto, além da crença nativa do índio, o Brasil nasceu católico, apostólico romano. O Brasil não nasceu também protestante, porque Martinho Lutero nasceu quase ao mesmo tempo em que foi descoberto o nosso país continental.
Ninguém comunga totalmente com Karl Marx que “a religião é o ópio do povo”. A religião não entorpece o povo, não o deixa alienado para coisas do mundo, porém, quando se trata das coisas celestiais, o brasileiro se deixa levar sem discussão, sem questionamento, sem racionalidade... A maioria não “vê” a corrupção religiosa, a degradação moral, o charlatanismo, a ladroagem, os falsos profetas, os milagres forjados e o uso da cura psicossomática como intervenção divina, mas se comporta como um carneirinho a caminho do matadouro ou dá uma de João sem braço: - eu faço a minha parte, ele que preste conta a Deus...
A fé é de natureza humana. O homem primitivo tinha sua crença no sobrenatural, mas sem proselitismo, nascia com a necessidade de acreditar em algo que tivesse feito o mundo e tivesse o controle dos fenômenos da natureza. Ele não plantava nem colhia se a lua e o sol não sinalizassem bons tempos. O homem civilizado sistematizou a fé e fez proselitismo de sua crença.
Do ponto de vista histórico religioso, o brasileiro era mais feliz quando o país era de predominância católica e os padres tinham, somente, como opositores, as seitas dos ingênuos afrodescendentes, que cultuavam os seus orixás e cantavam seus axés nos terreiros e candomblés. Faz-se necessário dizer, que naquela época, os padres, os capuchinhos, as freiras, os religiosos de modo geral, com raríssimas exceções, eram exemplos de vida moral e religiosa e deixaram para posteridade um profícuo trabalho social na educação e na saúde.
A preocupação maior da igreja católica, naquela época, era a pregação dos Evangelhos. Os padres e os missionários cumpriam com fidelidade canina os ensinamentos de Jesus Cristo aos doze discípulos: “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado... E eles, tendo partido, pregaram por todas as partes, cooperando com eles o Senhor, e confirmando a palavra com os sinais que se seguiram. Amém” (Marcos 16:15-20). E, Jesus Cristo ainda acrescentou: “Não levem nem ouro, nem prata, nem cobre em seus cintos; não levem nenhum saco de viagem, nem túnica extra, nem sandálias, nem bordão; pois o trabalhador é digno do seu sustento” (Mateus 10: 9-10).
Em situação adversa, fez recomendação diferente no Evangelho de Lucas: “E perguntou-lhes: Quando vos mandei sem bolsa, alforje, ou alparcas, faltou-vos porventura alguma coisa? Eles responderam: Nada. Disse-lhes, pois: Mas agora, quem tiver bolsa, tome-a, como também o alforje; e quem não tiver espada, venda o seu manto e compre-a” (Capítulo 22: 35-36). Mas, Jesus Cristo não recomendou que seus discípulos e apóstolos acumulassem riquezas e poder.
Lutero foi excomungado porque foi contra a venda de indulgências, provocou um cisma na igreja católica que deu origem à Reforma Protestante, durante séculos, os protestantes foram sinônimos de retidão moral, intelectual, e fiéis seguidores de Jesus Cristo e guardiães da palavra bíblica.
Hoje, esses ensinamentos de Jesus Cristo para que os seus seguidores não acumulassem riquezas e poder perderam-se no tempo, não se sabe mais quem é alho ou quem é bugalho, tudo é farinha do mesmo saco, as mazelas, o enriquecimento pessoal ou da instituição, é um escândalo, digno da investigação da Polícia Federal e da Receita Federal, se não fosse a Constituição Federal de 1988, no seu Artigo 5, Parágrafo VI que diz:
“...é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
Porém, a exploração financeira de incautos fiéis em forma de doação é feita à luz do dia com promessas de curas de doenças incuráveis, alcoolismo, libertação das drogas, desmanches de bruxarias, conversão de homossexuais em heterossexuais, etc., etc. Os líderes religiosos mais lapidados, aqueles de fé religiosa, moral e intelectual mais apuradas, prometem a remissão dos pecados, a vida eterna e a ressurreição da alma com a vinda de Jesus Cristo.
Com o surgimento de pentecostais e de carismáticos, a igreja católica se tornou mais dinâmica, mais jovem, houve um novo rumo, surgiram novas ideias, mas deu origem a uma torre de babel exegética da palavra de Deus. Em voga, no momento, são as igrejas do divino Pai Eterno.
Os instrumentos atuais de evangelização, a exemplo dos canais de televisão, emissoras de rádio AM e FM, editoras, gravadoras, jornais, revistas, livros, música gospel, são necessários, o mundo cresceu e a população também, porém, esses instrumentos, adquiridos com o dinheiro dos incautos fiéis, são usados mais para fins comerciais, formação de holdings, enriquecimento pessoal e família, que na evangelização e promoção social.
Outro disparate de certas igrejas atuais, que não contribui para expansão da fé, a juízo de qualquer pessoa de bom senso, mas que serve para encher o poço de vaidade dos seus idealizadores: é a construção dos megassantuários, que o menor deles, deixaria o Templo de Salomão no chinelo, que levou 46 anos para ser construído e arregimentou milhares de trabalhadores e artesãos. É um crime com o dinheiro do povo, são minúsculas cidades ultramodernas, um retrocesso na fé, quando o homem ao invés de se preocupar com o Deus de espírito, ele adorava bezerros de ouro!...
Parece que estamos entorpecidos de papoulas e alienados, contribuímos com o nosso dinheirinho para que os charlatães e os falsos profetas se proliferem, surrupiando e enganando o nosso povo sofrido. Adulterando, modificando e falsificando a palavra de Deus de maneira cínica e herética.
Autor: Rilvan Batista de Santana