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Cemitério X

Cemitério X
R. Santana


Quando Antony Cristhoff chegou ao “Cemitério X”, naquele Dia de Finados do ano de 2010, trazia no peito muita angústia e uma dor doída... Uma dor diferente das outras que o remédio não cura e a saudade eterna toma conta do coração. Ele jamais compreendeu a morte brutal de sua noiva Carol Antoniazzi, ocorrida 5 anos atrás, alguns dias antes do casamento, por um atrapalhado assaltante que para lhe tomar o carro e a bolsa, não entendeu o nervosismo de sua vítima e terminou lhe fuzilando à queima roupa, fugindo apavorado antes que a polícia chegasse, sem bolsa e sem carro.
Chegou ao “Cemitério X” com o Sol a pino. Desde que sua amada morreu, ele costumava assistir às missas e às palestras espíritas do Dia de Finados, desde o início da manhã, mas naquele dia, ficou preso no trânsito por longo tempo, quando o engarrafamento se dispersou, já era quase meio dia e foi o motivo involuntário do seu atraso. Embora fosse católico de nascimento, ultimamente, dava mais crédito ao espiritismo que lhe alimentava a esperança de reencontrar Carol no além-túmulo.
Não gostava das missas de padres velhos, os seus discursos eram ipsis litteris, pura interpretação exegética, uma releitura sem criatividade e sem vida. Entretanto, ficava de queixo caído quando ouvia mensagens novas, desatreladas de textos repetitivos e extemporâneos. Sabia que a Bíblia tinha sido inspirada por Deus há milhares de anos e reflete aquele tempo, portanto, existe a necessidade que os textos sagrados sejam adaptados sempre.
Antony refletia sobre o significado da morte desde que sua amada morreu. Entendia que o batismo é o sinal que transforma a criatura de Deus em seu filho, mas tinha um pé lá e outro cá em relação à ressurreição do homem, em particular, a ressurreição de Jesus Cristo e se perguntava: “Se Jesus Cristo ressuscitou em espírito, como Ele comeu e bebeu com os discípulos, ou seja, matéria corruptível, apanágio dos mortais?” Ou, “Sua promessa de retorno nunca se cumpre há 2000 anos?” Homem de fé, concluía: “Os apóstolos devem ter exagerado nos feitos e nos feitios!...”
Para Antony, havia mais lógica na doutrina de Kardec na explicação da morte, o espírito deve reencarnar várias vezes num processo de aperfeiçoamento e purificação, a exemplo da seleção genética, se alguém deseja uma espécie boa de milho, será necessário plantá-lo várias vezes para selecionar as melhores sementes e encontrar um tipo de milho mais resistente às pragas e mais produtivo. Assim Deus deixou que a semente do homem fosse melhorada através de várias mortes e lhe habitasse, depois, no reino dos céus.
O dia já se escondia atrás da noite quando foi puxado por uma força estranha, deixou o plenário da missa, a voz do sacerdote ainda lhe martelava a cabeça: “...Deus não nos abandonou à morte: ele nos enviou o seu Filho, em tudo igual a nós, menos no pecado”. Saiu a esmo pelas ruas e quadras do cemitério e não tinha vontade de voltar pra casa, ficou entretido com os mausoléus, com os jazigos e estupefato com a quantidade de gavetas! Aí, deu razão à sabedoria popular que diz: “o rico quando morre não leva nada e o pobre nada deixa”, pois os jazigos e os mausoléus davam gosto se apreciar, além de refletirem uma época, ostentavam a importância do falecido e a riqueza da família, enquanto os defuntos pobres eram colocados em gavetas ou uma cruz fincada na cova indicava o nome do morto.
Enquanto a noite avançava, Antony se esquecia do tempo, quando deu em si, o cemitério estava fechado. Procurou uma saída, em vão, o muro muito alto lhe dificultava subir e ganhar o mundo... Tentou chamar a atenção das pessoas que passavam no passeio, mas foi confundido com fantasma, na casa do sem jeito, sentou-se num jazigo e quedou-se de sono e cansaço.
Acordou assustado. Não sabia quanto tempo havia dormido nem a hora, mas deduzia que passava da meia noite, frio e calor lhe tomavam o corpo, tochas em mãos invisíveis percorriam os quatro cantos do “Cemitério X”. Um gato preto, de olhos vermelhos, lhe fuzilava de cima de um suntuoso mausoléu, quando de repente, surgem dois casais conhecidos que lhe tomam pelo braço, e, devagarzinho, levam-no à capela, Antony resiste apavorado:
- Vocês seriam os meus padrinhos e os de Carol, mas vocês morreram naquele acidente!!! – não foi ouvido. Deixou-se levar...
Ainda distante, vislumbrou a capela arrumada e lotada, a musica Unforgiven lhe chamou a atenção, os acordes do piano e os sons do violino e do sax entravam em seu ser e ele gozava de prazer. Percebeu-se arrumado de terno e gravata, agora, na entrada da capela, o Concerto nº1, de Tchaikovisk, dava o tom da cerimônia.
No pé do altar, ele vira-se pra entrada da capela e ver Carol, diáfana, de braço dado com o seu pai sob as marchas nupciais de Mendelson e Wagner, encaminham-se em sua direção, acompanhados das portas-alianças. Achou Carol mais bonita do que nunca, tomou-a pelo braço e ambos se colocam sob as bênçãos do sacerdote que após pequeno comentário, ele lhes pergunta:
- Antony Cristhoff e Carol Antoniazzi estardes aqui para que eu celebre o vosso matrimônio. É de vossa livre vontade que vos desejais casar?
- Sim! – respondeu o noivo.
- Sim! – completou a noiva.
- Vós que buscardes a igreja de Jesus Cristo, prometeis-Lhe, amar-vos e respeitar-vos para sempre?
- Sim!
- Sim!
- Estais preparados para chegada dos filhos e educá-los na fé cristã?
- Sim!
- Sim!
- Visto que é de vossa vontade unir-vos no matrimônio, peço-vos unir as mãos direitas e manifesteis o vosso consentimento diante de Deus e da Igreja Católica!
- Eu, Antony Cristhoff, recebo-te por minha esposa a ti, Carol Antoniazzi, prometo a ti, ser fiel, respeitar-te, na alegria, na adversidade, na saúde e na doença, eternamente!...
- Eu, Carol Antoniazzi, recebo Antony Cristhoff por meu esposo e prometo-te ser fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria, na adversidade, na saúde e na doença, eternamente!...
O padre dá sua bênção e finaliza a cerimônia com os ritos finais. Noivo e noiva (agora, casados), se beijam, Carol joga o buquê... Todos se confraternizam e se despendem do novo casal.
No outro dia:
- Paulo, aqui tem um homem morto!!!
- Pra variar, não é!? – e deu uma sonora risada.
- Paulo não brinque, o sujeito está teso em cima do jazigo da família Antoniazzi!!! – gritou o colega.
Certamente, se o destino lhes foi traiçoeiro, a morte lhes aproximou para sempre!...


Autor: Rilvan Batista de Santana
Itabuna, 10 de Novembro de 2012
 
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 10/11/2012


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr