Pedro não é letrado, mas é cheio de sabedoria, alguns dos seus ditos influenciaram o meu modo de ver a vida: “Quem moço não morre, velho não escapa”, “Pé de galinha não mata pinto”, “Farinha pouca, meu pirão primeiro”, “Mentira tem pernas curtas”, “É melhor um pássaro na mão do que dois voando”, “Não deseje para o outro, o que não quer pra si”, “Entra na forja pra ficar novo, gajão”, “Todo mundo é direito, mas o meu capote sumiu”, etc.
É sabido que esses e outros provérbios são de domínio público, mas, os aprendi com Pedro, portanto quero lhe dar o domínio e a autoria, além disto, ele e o papa são as únicas pessoas que coloco a minha mão no fogo sob sua palavra sem medo de me queimar, Pedro mais do que o papa porque o conheço desde o ventre de minha mãe.
Não faz muito tempo, ele me contou uma história que presenciou numa casa lotérica, entre dois homens, um jovem e um velho disfarçado de moço. Um episódio bobo, de somenos importância, se velho e jovem não chegassem às vias de fato e eles não fossem parar na delegacia de polícia e a história não servisse para confirmar a resistência e o preconceito à velhice.
Contou-me Pedro que o velho com roupas e jeito de novo se ofendeu quando o jovem lhe sugeriu que ele se posicionasse na fila preferencial que tinha menos gente e fizesse jus à prerrogativa de idoso:
- Tio, sua fila está quase vazia!
-Não sou irmão do seu pai ou de sua mãe para que me chame de “tio”!
- Não se incomode com o “tio”, é o tratamento que dispensamos aos mais velhos! – o idoso broqueou:
- Não sou velho, velho é molambo! – o jovem perdeu a estribeira:
- Além de idoso, tu és grosso e complexado!
- E tu és mal educado! Seus pais não lhe deram educação!? – aí começou a baixaria:
- Não fale dos meus pais, Matusalém!!! – quase gritando.
- É melhor ser Matusalém do que cheirador de pó!
- Eu, cheirador de pó!? É mais fácil, velho desassuntado, tu sejas uma bicha enrustida, com esse cabelo rabo de cavalo e essas roupas de garotão do que eu consumi pó! – os clientes intranquilizaram-se com o rumo da conversa, algumas mulheres deixaram a casa lotérica de fininho, os egoístas não se mexeram para conter a discussão, apenas, Pedro interveio:
- Meus amigos, palavras impensadas ferem mais do que navalha amolada, quem diz o que não pensa, ouve o que não deseja, por isto, respeitemos as diferenças e rejeitemos o embate, pois o mal nunca pariu o bem! – o rapaz foi desastroso:
- O senhor é testemunha que tentei ser educado e indiquei-lhe a fila dos idosos, porém, ele foi estúpido. Esse brechó com cara de maracujá enrugado quer ser novo, onde já se viu!? – o velho deu-lhe uma bofetada de supetão, mas o rapaz lhe devolveu a bofetada incontinenti e enrolaram-se no chão.
A polícia foi chamada e apartou os brigões que resistiram separar-se. Eles Foram levados à delegacia de polícia e soltos após tremenda admoestação do delegado.
Finda a história, lamentei ao meu amigo, o tempo que lhe dera ouvido pra bobagem, porém, Pedro não se importou com a minha falta de sensibilidade e falou como se eu não estivesse ali:
- Nem sempre o tempo traz maturidade e sabedoria. Muita gente tem rejeição à velhice como se fosse possível ter uma juventude eterna. Desde o início dos tempos que o homem persegue o elixir da juventude, hoje, não é diferente com botox, cirurgias plásticas, cremes de pele, banhos miraculosos, pintura pra cabelo, peitos e bumbuns siliconados, à toa, tudo é reversível, jamais o homem vai dominar o envelhecimento da matéria e a morte – fez uma pausa e continuou:
- O rapaz foi indiscreto, talvez, sem intenção, contudo, lia-se na fisionomia daquele homem, no seu jeito, nas suas vestes, que a velhice lhe é um fardo, um complexo, uma dor difícil de suportar... Certamente, a idade não lhe trouxe maturidade e sabedoria, ele é escravo da aparência, valoriza mais o não-ser do que o ser. Aquele velho ainda não compreendeu o sentido da vida e da morte e o tempo não lhe foi suficiente para que entendesse que a velhice só é sublimada com a certeza que a morte é uma realidade necessária!...
Pedi-lhe desculpa da minha leviandade e não tornei mais vê-lo, por algum tempo, de propósito.