A face obscura do homem - Sherlock Holmes (Capítulo 21)
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Sherlock Holmes
Ele não tinha o jeito nem o nariz adunco do detetive de Sir Arthur Conan Doyle, mas era arguto e perspicaz tanto quanto o súdito de sua majestade inglesa. Havia sido sargento da briosa polícia militar da Bahia, porém, pediu baixa definitiva da corporação depois de um bacharelado em Direito e alguns cursos de detetive que fez no Rio e São Paulo, munido dessas teorias, abriu um escritório na Avenida Sete de Setembro em Salvador com mais dois colegas, um deles, especializado em causas Cíveis, o outro, em causas criminais, e, ele, dono do escritório e ex-militar Pedro Marques, em investigação particular.
Não tinha a experiência dos grandes detetives, no entanto, não lhe faltou serviço desde que mandou afixar uma placa de bronze na frente do escritório, onde se lia: “Dr. Pedro Marques, Advogado e Detetive”. Não demorou muito tempo, o bacharel das ciências jurídicas e sociais, deu espaço definitivo para o detetive Pedro Marques que se instrumentalizou dos recursos mais modernos de sua época como máquinas fotográficas à distância, binóculos, gravador de voz (disfarçados), lupas, telefone, automóvel, máquinas de escrever, colhedores de digitais, etc., etc.
A maioria dos seus clientes era de mulher traída ou homem traído, alguns crimes que a polícia não desvendava e roubos, porém, naquela manhã, no seu escritório, alguém lhe pedia que fizesse uma investigação suis generis:
- José Maria, foi um enorme prazer lhe reencontrar, assim poderemos matar a saudade dos velhos tempos!
- Pedro, o prazer é meu, mas gostaria de sua ajuda!...
- Não me diga?... Dona Clô está lhe chifrando!? - gargalhada...
- Não, seu filho de Sherlock Holmes!
- Então, desembuche, pra você, eu irei a pé a Itabuna!...
- Eu sei! Você é o meu melhor amigo que tive na faculdade!
- Pois, fale!
- Eu quero investigar o padre da minha paróquia!
- Ficou maluco!? Mexer com a igreja católica!
- Eu tenho meus motivos, posso contar com você?
- Claro. Eu sou seu amigo, além disto, o profissional não pode se dar ao luxo de rejeitar serviço, se for necessário, investigarei até o papa!
- Assim que se fala!...
José Maria passou mais de duas horas discorrendo cada detalhe: a personalidade do padre, as gafes que ele cometia em relação aos textos bíblicos, o seu nome de família italiano e sua origem alemã, a falta de informação dos seus parentes (quase cinco anos na paróquia, nunca recebeu a visita nem de um primo, menos ainda dos pais ou dos irmãos), o sotaque mais gaúcho do que catarinense etc., etc.
Fez lhe ver que não havia nada de pessoal com Apolinário Gaiardoni, que admirava sua retórica, os seus conhecimentos gerais, admirava o seu trabalho à frente da paróquia, mas que havia alguma coisa de falso no padre e cismava que ele fosse um impostor e surpreendesse a comunidade itabunense com alguma maldade e depois fugisse.
Passou-lhe alguns recortes de jornal com fotos e informações, inclusive, a foto da posse com o bispo de Ilhéus, indicou-lhe algumas cidades de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul para confirmação de sua origem, os endereços das dioceses de lá, principalmente, das capitais desses estados do Sul do país, enfim, um dossiê completo para descobrir se Apolinário Gaiardoni era Apolinário Gaiardoni de verdade.
Pedro Marques ouviu tudo, fez algumas anotações, tirou algumas dúvidas, observou, atentamente, as fotos do padre e concluiu com a ressalva:
- José Maria, o custo da viagem vai ser alto, além dos meus honorários, não sei se vale a pena se não existe nada de pessoal!?
- Juro-lhe que não existe nada de pessoal, é cisma minha... Quanto às despesas de investigação não se preocupe – sacou do bolso um cheque já preenchido e lhe entregou:
- Tudo isso, José Maria!?
- Quero que o meu amigo se hospede em hotel de primeira e não em espelunca, viagem de avião e não ande de ônibus – e acrescentou:
- Quero lhe ver, também, bem vestido, por isto, deixei pago na Loja X, uma dúzia de calças e camisas sociais e mais três ternos para ocasiões especiais, afinal, sua investigação poderá envolver autoridades religiosas e civis! – Pedro Marques ficou sem palavra.
Começava, naquela manhã, abril de 1958, o outro lado da história do padre Apolinário Gaiardoni.