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Prosopopéias e demagogices

Prosopopéias e demagogices
R. Santana


Não é segredo pra ninguém os ditos, as anedotas, as demagogias, que os nossos políticos populistas, em extinção, escreveram nas páginas do folclore nacional, essas demagogices ainda enchem e enriquecem o imaginário do povo. Todos foram espirituosos, eloqüentes, inteligentes e raposas.
Alguns fazem da política a arte de ludibriar as pessoas de boa fé e os incautos, porém, outros a fizeram por vocação, sofreram com as necessidades e a dor do povo. A política para esses de aptidão vocacional era uma cachaça, uma missão, a maioria morreu pobre, deixando as viúvas com dificuldades de sobrevivência.
Quem não leu os apuros que José Bonifácio, o nosso Patriarca da Independência, passou ao solicitar do seu irmão, Antônio Carlos de Andrada, então, o guardião do cofre de D. Pedro I, o pagamento de mais um mês de salário por ter sido roubado à saída do teatro? O pedido foi indeferido. Antônio Carlos despachou que todos só tinham direito a doze salários – não havia décimo terceiro salário -, que o governo não iria privilegiar nenhum dos seus membros com recursos extras, principalmente, por descuido e negligência pessoais e deu o exemplo da ética solidária: se cotizou com os membros do Gabinete, a quantia roubada do irmão, sem auferir recursos públicos, e doou-lhe com a recomendação que não levasse mais para o teatro o seu salário dentro da aba do chapéu.
Benedito Valadares foi um dos exemplos de raposa política mais emblemático deste país com exceção do seu padrinho Getúlio Vargas. No Estado Novo, Getúlio o indicou para governar Minas Gerais em detrimento dos caciques da política daquela época. Valadares um deputado federal obscuro, puxou tanto o saco de Getúlio que conseguiu passar a perna em todo mundo e assumir o governo de Minas em momento de crise institucional e teve fôlego depois para indicar Ademar de Barros governador de São Paulo.
Darci Vargas conta em suas memórias que quando Valadares ia ao palácio do Catete, conversar com o seu pai, ela sabia mesmo ausente, pois ele deixava as folhas de papel da escrivaninha toda riscada. Confessa ainda que embora Valadares não tivesse brilho intelectual, sua influência getulista era significativa.
Suas tiradas políticas ficaram na História, quem não conhece “estou rouco de tanto ouvir”? Ou, quando Maurício Dias, jornalista da VEJA, telefonou para obter uma entrevista:
-Senador, muito prazer em ouvir o senhor!
-Eu também tenho muito prazer em ouvi-lo, meu filho. Mas não tenho nenhum prazer em lhe falar!... – conta-se que desligou o telefone.
Outra tirada do político advogado Benedito Valadares, é que pressionado para tomar posição numa contenda, ele responde:
-Eu não sou contra nem a favor, muito pelo contrário...
Mas na relação dos folcloristas não poderia deixar de citar os políticos da minha terra, minha não, minto, adotada. Dentre esses políticos, José de Almeida Alcântara, seu “arranca” para os moleques, foi o maior político populista de Itabuna. Aonde ele ia, a meninada, os pobres, os idosos, os desempregados e os desocupados acompanhavam-no. O prefeito comprava um saco de quilo de caramelos e distribuía com a gurizada entre afagos e vivas e aos mais velhos, aos seus prováveis eleitores, distribuía dinheiro, tijolos, cimento, telhas e tábuas para ajudá-los na construção de seus casebres e barracos.
Coletor estadual, irmão de desembargador, Alcântara respondia processo por uso indevido do dinheiro da Coletoria que segundo ele e os seus sectários, esses recursos tinham sido usados na compra de mantimentos, remédios, colchões e roupas, para atender às necessidades dos flagelados de uma grande enchente dos rios Cachoeira e Salgado inundando o município de Itabuna, em particular, Itapé, que naquela época, integrava o município de Itabuna, acredita-se que no final dos anos 50, do século passado.
Sua campanha eleitoral era feita com a massiva participação dos humildes, do povo pobre. Ao invés de caminhões, ônibus e automóveis para transportar os seus eleitores para os comícios, usavam-se carroças, cavalos, jegues, iam a pé, de carona, mas todos estavam lá para aplaudirem e prestigiar o pai dos pobres, tudo era festa...
Não adiantava as elites se unirem para derrotá-lo, montanha de dinheiro se distribuía no dia da eleição, mas Alcântara ou quem ele indicasse não seria traído, o povo nunca lhe faltou.
Beijar crianças, colocá-las no colo, afagar velhinhas, adentrar casa humilde, tomar café com gente simples, bulir nas panelas, tomar uma cachacinha na esquina de uma birosca, tudo isso fazia parte da estratégia de campanha política do carismático Alcântara. Ele se misturava ao povo com naturalidade, simples, sincero, bonachão, irmão, amigo e pai. Jamais usou o poder para prejudicar o seu inimigo político. Não guardava mágoa, ressentimento, estendia a mão ao seu desafeto com a mesma facilidade que socorria um fiel partidário.
No governo Castelo Branco, elege-se pela segunda vez prefeito de Itabuna numa campanha memorável, apoiado pelo povo, ACM e recusado pela elite intelectual, os remanescentes do coronelismo e a classe empresarial. E, se não fosse à influência e o prestígio de ACM no governo do Golpe de 64, Alcântara não teria tomado posse, face os escusos recursos que a oposição usou.
A demagogice de Alcântara não tinha limite, certa feita, importunado por um rapaz que precisava de um sapato para enfrentar o seu primeiro emprego, Alcântara entregou-lhe o seu sapato e foi para prefeitura descalço.
Morreu no poder e até no seu sepultamento brincou com o povo, é que na hora de baixar o féretro à cova, depois de longos discursos de consenso da oposição e da situação, procedeu-se uma salva de tiros e um gaiato no meio do povo gritou: “... o homem ressuscitou!!!”, aí foi uma debandada, gente por todos os lados, à toa, sem rumo, uma explosão emocional incontrolável.
Alcântara morreu pobre.
Fernando Gomes, ex-prefeito de Itabuna, conhecido por Fernando “Cuma”, também entrou para as páginas do folclore itabunense não pelos seus feitos administrativos, mas por ser o rei da cacofonia, das palavras atropeladas e inimigo da gramática.
O apodo “Cuma” originou-se de uma aposta entre um correligionário e um adversário, este, desafiou o outro, que entre dez palavras pronunciadas Fernando erraria a metade e na primeira oportunidade ambos encontraram-no:
-Tudo bem, prefeito? – e o prócer político:
-Cuma?... – o “Cuma” ficou.
Doutra feita, o barbeiro pergunta-lhe:
-Como quer a barba, prefeito?
-“Tarco”, “arcool” e quer que “móie”!
O seu irmão, Daniel Gomes, deputado estadual da Bahia, que dista no tempo, na defesa ferrenha de justificar as verbas recebidas pelo prefeito Fernando Gomes e aplicadas nas obras de infraestrutura, deixou assentado nos anais da Assembleia Legislativa a célebre frase: “L`etat ce moi”, minto leitor, não foi o Luis XIV, foi o Daniel Gomes: “aterrou-las” , “encascaroulha-las” e “calçou-las”.
Poupe-me, leitor!...


Autor: Rilvan Batista de Santana
Gênero: Artigo
Obra: registrada.

 
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 19/08/2012


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr