Textos


VILMA

Vilma




Não tínhamos mais de 12 ou 13 anos de idade, foi um amor elétrico, os olhos trocaram farpas de luminosidade quando nos conhecemos. Ela, magra sem ser magérrima, morena, cabelos levemente anelados e compridos, altura média, seios pequenos, mãos sublimes, bumbum empinado, um filé-mignon... Não trocamos uma palavra, os nossos olhos se comunicaram e fizeram promessas e juras de amor!...
O Sr. Augusto Aquino, pai de Wilma, um homem sisudo de poucas palavras, tinha feito uma permuta de casas com João Pedro, um arremedo de meu pai adotivo, em bairros diferentes, na cidade de Itabuna.
Augusto Aquino deveria ter uns ter 45 ou 50 anos de idade, por detrás, o alcunhamos de “o velho”. Lembro-me que não o simpatizei, principalmente, quando descobrimos que sua sabedoria comercial excedia às suas condutas de correção e não foi diferente com o meu tio: - empurrou-lhe uma casa velha em troca duma casa nova e negaceou a volta. Porém, confesso ao leitor que fiquei admirado de sua perspicácia, do seu feeling: “Os olhos são a janela do coração”. Aquino percebeu que entre mim e sua filha tinha “rolado uma química”, “uma coisa de pele”, como dizem os enamorados d’ hoje.
O meu tio não tomou posse da casa, preferiu vendê-la, Aquino se apossou da sua casa e para o meu deleite nos tornamos vizinhos, ou seja, Vilma ficava ao alcance dos meus olhos, separada somente, pela rixa dos dois chefes de família: - eu não podia ir lá, ela não podia vir cá...
Tímido, mas espirituoso, alimentava a chama do nosso amor com versos, bilhetinhos de juras eternas e cartinhas de sonhos e projetos, promessas de gente grande, avalizada por meninos.
Hoje, passado tantos anos, lembro-me que Vilma com sua letrinha arredonda, escrevia ingênuas poesias na forma, mas verdadeiras melodias da palavra, alimento do coração e deleite da alma. Claro que havia erros de português, de métrica, porém, quê importância eles teriam? Nenhuma! Importava o sentimento que revestia cada palavra e cada rima. Para mim, os seus versos excediam aos versos de Drummond, Manuel Bandeira, à prosa de Shekspeare e Machado, ao romantismo de José de Alencar, Álvares de Azevedo, Byron, à melodia de Tom Jobim, Beethowen e Villa Lobos. Cada palavra, cada frase e cada oração que Vilma colocava no papel, eram mais bonitos do que todos os textos escritos pelos imortais da todas as Academias de Letras.
Por outro lado, não possuía a mesma desenvoltura da minha amada, escrevia, reescrevia, cortava palavras, adicionava-as, pedia socorro ao dicionário, parodiava, copiava pensamentos e versos para agradar-lhe, só não cometia o crime do plágio, faltava-me talento e sobrava honestidade, o nome do autor e o uso das aspas eram condições sine qua non para que eu tivesse o sono dos justos.
Usava e abusava da “Revista do Rádio”, copiava os versos das composições mais atuais, interpretadas pelos cantores em voga, dentre esses cantores, Nelson Gonçalves era o meu preferido, suas canções eram as mais populares, ainda guardo de memória os versos de “A deusa da minha rua”, uma composição de: Newton Teixeira e Jorge Faraj, na voz do cantor Nelson Gonçalves, ouvida, naquela época, do Oiapoque ao Chuí pelas ondas da Rádio Nacional ou Marink Veiga:

“A deusa da minha rua
Tem os olhos onde a lua
Costuma se embriagar
Nos seus olhos eu suponho
Que o sol, num dourado sonho
Vai claridade buscar”



“...A ruazinha modesta
É uma paisagem de festa
É uma cascata de luz...”



“...Tal qual o chão de minha vida
A minh’alma comovida
O meu pobre coração”


“...Ela é tão rica e eu tão pobre
Eu sou plebeu
ela é nobre
Não vale a pena sonhar.”





Embaixo de cada verso, de cada estrofe, eu tecia um pequeno comentário, clareando a intenção a exemplo de: “A lua se embriaga em seus olhos”, “O sol rouba a claridade dos seus olhos”, “Vou roubar o cavalo de São Jorge pra na lua passearmos”, “rainha do meu pobre coração”, “você é o meu chão” e por aí afora, a minha imaginação e o meu romantismo não tinham fronteiras...
Os nossos encontros de esporádicos tornaram-se amiúdes quando descobrimos uma maneira de engambelar os pais torrões com o pretexto de estudar em equipe na casa dum ou doutro colega que de todo não era mentira, estudávamos um pouco e bincávamos o restante do tempo de “Amarelinha” ou “Jogo da velha”.
Usava os mais variados artifícios para perder o jogo quando o parceiro era Vilma e ganhava para os demais meninos. As queixas eram iminentes, a molecada bufava, bronqeava, que eu a estava protegendo, que não fechava a linha do “xis” ou pulava na “casa” errada de propósito, por isto, começamos alternar os pares e ambos voltávamos jogar quando tínhamos vencido todos adversários.
Namorávamos sem os avanços dos atuais adolescentes. Ficávamos, mas não “enfincávamos”, não enrolávamos língua na língua, no máximo um “selinho”, mão na mão, um pálido abraço na cintura, um cafuné...
Naquela época não conhecia Machado de Assis nem o seu conto “Uns braços”, em que narra o comflito de Inácio e D. Severina de Borges. Não sofri o desejo reprimido de Inácio que de soslaio, comia com os olhos, os braços da mulher do irascível Borges, tocava e me deleitava com os braços de Vilma. Braços torneados, amorenados, pele aveludada, mãos almofadadas e dedos longilíneos, inspirariam o mais obtuso dos pintores, acho que eles despertaram muitas paixões vida afora...
Dois anos depois, eu era fisicamente, um homem-menino, menos que um adulto e mais que um adolescente. Ela, agora, era uma mulher! Mais encorpada, mais alta, seios definidos, bumbum mais dsenvolvido, performances quadris, pernas mais grossas, mais adulta do que adolescente, mais animal do que razão, uma verdadeira tentação, um convite à luxúria e ao prazer, então, o romantismo, o namoro ingênuo, a pureza e o amor cederam ao fogo do sexo, das entranhas que pedem macho, das paixões normais, da realidade e aí... Eu a perdi!...

Gênero: Conto
Autor: Rilvan Batista de Santana
 
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 16/08/2012


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr