Carta para Pedro
Itabuna, 01 de maio de 2011.
Carta para Pedro
Estimado afilhado:
Quero lhe parabenizar pelo título de doutor que lhe foi conferido, o mês passado, aí na terra do Tio Sam. Nunca duvidei de sua competência e que chegaria tão longe, todavia, você não me deve nenhum preito de gratidão, mas à mulher que lhe pariu e propiciou o seu primeiro título de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais e nos deixou antes do combinado.
Lembro-me de sua luta, de sua preocupação, de suas noites perdidas, debruçada na máquina de costura para que não lhe faltasse o lápis, a caneta, o caderno, o livro e algum dinheirinho para fazer jus às suas necessidades de rapaz. Lembro-me de suas recomendações: “.... Professor, ajude-me na educação deste menino...” Lembro-me, também, de sua alegria na investidura da promotoria e da vida digna que lhe proporcionou até quando Deus lhe deu vida.
Mas caro afilhado, quero lhe agradecer pelos comentários que fez no ensaio que elaborei com o título: “O homem nasce para ser feliz?...”, os seus comentários, além dos subsídios teóricos que você me propõe, os seus comentários soergueram a minha auto-estima, é que o enviei para vários filósofos, pessoas doutas, faculdades de filosofia e universidades e deram-me boca calada como resposta. Ainda pensei parodiar o nosso ex-presidente FHC e dizer-lhes que “esquecessem o que escrevi“, não o fiz para não passar por um desdém ainda maior dessa gente sabichona.
Não quis imitar Santo Tomás de Aquino – a história dos motores e dos movimentos -, explico a existência de Deus e das coisas que ocorrem no mundo com o capítulo: “O mundo das possibilidades” e dou um desfecho filosófico, metafísico, quando explico a natureza de Deus.
Porém, querido afilhado, esse ensaio não tem por princípio fazer coro ao ateísmo ou negar a existência do Ser dos seres a exemplo de Nietzsche e doutros filósofos de semelhante estatura moral e intelectual, mas evitar o estigma de “Deus permitiu” de tudo de ruim que ocorre com o homem e a natureza, além de excluir resquícios deterministas e coloca no lugar certo a teoria do livre- arbítrio.
Antes que me traia a memória, quero lhe parabenizar mais uma vez e sua consorte Kamile pela notícia de mais um herdeiro que se aproxima. Para mim que sou um bocó, um jeca nordestino com mania de mexer com as palavras, nunca viajei o país e não tive recursos nem condições para conhecer o mundo lá fora, ter um filho é mais importante do que ser doutor porque o título morre com o indivíduo e o filho é a continuação da vida.
Pedro, num dos trechos de sua carta você se preocupa com a minha fé, acho que em decorrência da minha proposta teórica no ensaio “O homem nasce para ser feliz?...”, quero lhe dizer que o pensador se estriba na razão e o homem no coração. O homem tem que se alimentar da fé e a simbologia a materializa, por isto, eu nasci, cresci e irei morrer Católico.
Jamais me afastarei dessa denominação religiosa, dentre outros motivos, compartilho com outros leigos que é a única igreja fundada por Jesus Cristo, é um fato histórico inconteste, afora não existir outro líder religioso de mais autoridade na História, portanto, sou cristão por convicção, compreendo os seus defeitos quando me lembro que a igreja é santa e pecadora.
Todavia, não poderia lhe dizer a mesma coisa sobre a minha prática religiosa. Ultimamente, com a mudança do padre, tenho sido arredio na freqüência da minha igreja, como você sabe, não sou nenhum beato, nenhum papa-hóstia, não participo de grupo, no entanto, eu sou um católico que não falto às missas de finais de semana e as assisto pela televisão quase todos os dias. Porém, as missas na igreja, as missas presenciais, têm o seu lugar na prática do cristão.
A missa televisiva, a missa à distância, não lhe proporciona bate-papo com os amigos, não lhe proporciona um encontro inesperado, não lhe proporciona tomar um copo de mingau na praça da igreja ou tomar um cafezinho no bar da esquina, para os mais jovens, a missa à distância, não proporciona a participação dos folguedos das festas religiosas ou namoriscar com moças bonitas!...
Você é discreto, econômico em palavras e atos, não me irá perguntar se a transferência de um padre é motivo suficiente para alguém deixar de freqüentar, normalmente, a igreja que não é do padre, mas da comunidade. Se me perguntasse, eu diria que não foi esse o motivo, não obstante manifestar, publicamente, a minha solidariedade ao religioso transferido pela injustiça que lhe foi feita.
Às vezes, acho que está em mim o problema, com a idade, nos tornamos mais exigentes, não ficamos satisfeitos com algumas práticas ultrapassadas, alguns discursos sem significado subsidiando os Evangelhos, de padres que não avançaram no tempo, padres que não falam a linguagem do povo, padres que não conhecem os problemas de sua comunidade e ainda usam o “pecado” como principal instrumento de evangelização e conversão.
Estimado afilhado, eu soube que o novo padre é intelectual, é preparado, embora, numa de suas práticas, ele falou que “a igreja não precisa de intelectuais, mas de homens de fé”. Pensei que não o tivesse entendido ou ouvido bem sua fala, mas, ele repetiu a frase e a justificou. Se me fosse dado alguma intimidade com o nosso líder religioso, teria lhe dito: “Padre, Jesus Cristo fundou sua igreja e escolheu Saulo (São Paulo), versado nas Leis dos judeus, intelectual brilhante, para consolidá-la”. Caro Pedro, será que o homem não leu São Tomás de Aquino, D. Helder Câmara, Alberto Magno, Santo Antônio de Lisboa, Tereza de Ávila, dentre outros doutores da igreja?...
Pedro, mais uma vez, peço-lhe que perdoe a minha prolixidade, permita-me ir até o fim desta carta e justificar o meu afastamento parcial da minha paróquia, é que não lhe falei ainda do bafafá que causou o meu texto solidário ao padre que foi desterrado de mala e cuia para ser subalterno doutro padre, numa igrejinha distante, onde congregam duas dúzias de beatas, uns minguados homens e mulheres de boa fé, o coroinha, os remanescentes da “Passarela do Álcool” e um cachorro vira-lata que, diuturnamente, faz a sentinela da porta.
“Pois é”, como diz o tabaréu, assim que o padre se foi o novo padre me “intimou”, de riso na boca, ele deu-me uma admoestação com respingos de ameaça de processo. O homem estava uma fera, mas os detalhes ficarão para o seu retorno à velha pátria de palmeiras e sabiá, onde as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá, conforme o nosso poeta Gonçalves Dias.
Já lhe disse, não sei quando, que a idade traz rugas e reflexões, nos tornamos mais seletivo, mais ranzinza, mais cioso do tempo, mais exigente, menos tolerante, por isto, eu tenho evitado, ultimamente, de ir com freqüência à igreja, não tenho mais paciência para suportar homilia repetitiva (lembro-me do meu avô para afirmar alguma coisa por demais conhecida: “... é igual missa de padre...”), ou didática, Cristo, pouco usou dos conhecimentos dos seus antepassados em seus ensinamentos. Ele usou e abusou de parábolas simples, mas cheias de significado para explicar sua doutrina.
Pedro, o nosso padre parece um bom homem, digo-lhe “parece”, pois me lembrei mais uma vez dos ditos do meu avô João Zabelinha: “Meu neto, desconfie de homem do riso frouxo e de mulher casada que anda sempre de cara fechada...”, o homem tem o riso frouxo... Não sei se o dito do velho ainda serve para os dias de hoje, porém, é bom ficar com o pé atrás e dar curso ao tempo...
Apesar dele ser um homem culto, suas prédicas são prolixas, confusas, maçantes, enfadonhas e de incoerência lógica. Ele não tem um pensamento uniforme, coerente, o seu discurso começa em Gênesis vai para Mateus passa por Êxodo e desembarca nas cartas de São Paulo, sem encadeamento das idéias, apenas, um desbunde de conhecimentos decorados, um xarope!...
Não me lembro da data, mas lembro-me que foi numa Quinta-Feira, na missa das 19:00 horas, quando um irmão de fé me cutucou: “Amigo, eu não entendo muitas palavras que este padre fala, o senhor sabe o que é “escatológico” e “exegético” ?...” Assim é o novo padre, além de não ter um pensamento lógico, vomita um rol de palavras difíceis que a pessoa comum ignora, o pior, é que ainda tira uma de mestre-escola e as começa definir buscando a origem do grego ou do latim, é ridículo...
Meu caro afilhado, a minha fé continua no mesmo lugar, a minha crise não é com a instituição, mas com pessoas e métodos, e, bom cristão que sou, espero dentro de poucos dias, jogar esses ressentimentos fora e voltar à rotina.
Enfim, dê um beijo em Cauã, Kamile... Aqui, das terras do cacau, ficarei rogando aos céus que o menino que se encontra a caminho, nasça com saúde e paz!...
Do seu padrinho,
R. Santana
Gênero: carta
Autor: Rilvan Batista de Santana