Frei J. G. Costa dos Santos:
Itabuna, 10 setembro de 2009.
Caro Frei J. G. Costa dos Santos:
Com seu jeitinho amigo, colocou-me numa saia justa: - corrigir os erros de sua redação: “Mudanças pessoais e históricas”.
Tenho aversão ao trabalho de correção, com sua bagagem cultural, seria uma presunção, eu jactar-me de corrigi-lo, prefiro pensar que vou ajudar-lhe encontrar não os erros, mas os lapsos de redação, os lapsos de raciocínio e ajudar-lhe na construção de um estilo.
Não sou capaz de construir um texto em que a técnica sobrepuja a criatividade. Ouso dizer-lhe que o texto que me privilegia na sua análise, peca pelo estilo formal, bitolado, com proposições sem brilho, obedecendo, somente, aos ditames dos exames de vestibular, exames que contribuem para que o candidato feche o número de linhas açodadamente, às vezes, com parágrafos e idéias repetidas, doutras vezes, sem muita coerência, frases desarticuladas, com o propósito do cumprimento de uma tarefa de avaliação.
Gostei do texto do adolescente que exprime o seu pensamento em relação às mudanças de costume, de hábito, de comportamento, de sua geração e a geração dos seus predecessores, com leveza, criatividade e objetividade.
Permita-me a transcrição desse texto não para confrontá-lo com o seu, mas justificar e fundamentar o nosso pensamento em relação ao mister da escrita, em particular, a arte do saber redigir:
“Não mudou nada. Os coroas agora implicam porque a gente corta e pinta os cabelos assim e assado, mas a mesma macaquice havia na época deles, com Elvis Presley, brilhantina e coisa tal. (...) Eles também usavam calça jeans, só que chamavam calça americana. A diferença é que, em vez de camisões coloridos, usavam camisas banlon. E no lugar do tênis e da sandália havaiana, calçavam mocassins.”
Numa linguagem simples, direta, sem floreio, sem erudição, o adolescente escreve sobre os novos valores, as mudanças de comportamento, os novos paradigmas, sem incorrer em falsas verdades, mas com proposições inteligíveis, acessíveis à compreensão do mais obtuso indivíduo.
Agora, vejamos, eu e você, o texto “Mudanças pessoais e históricas” que fui incumbido de sua correção, que de bom grado, devolver-lhe-ei a toga do julgamento e da análise, se o insigne religioso jurar pelos santos dos céus, que doravante não ficará mais escravo das técnicas da escrita e das convenções, mas será fiel ao seu pensamento e dará curso aos lampejos da criatividade e da invenção, porém, sem abraçar às expressões chulas ou empanar a estética da palavra.
Vejamos o texto, depois, nós procedamos a sua análise:
“Mudanças Pessoais e históricas”
“O ser humano está constantemente em mudança, buscando o novo e o aperfeiçoando a cada dia. Por isso, em cada época as pessoas criam novos paradigmas e as vivenciam a partir da sua própria cultura.”
“Essa mutabilidade faz parte da natureza humana e se evidencia no decorrer da história. A busca pelo novo dar uma invenção, alegria, esperança ao homem e abre-lhe novos horizontes. Quando o indivíduo termina uma invenção, já se desperta para dar início à outra, isso aconteceu com os gregos, com os cientistas, principalmente no mundo de hoje, com a tecnologia de ponta. Assim, a criatividade faz parte da natureza e do espírito humano.”
“Quando uma determinada nação tem intuição e cria algo novo causa impacto e gera insegurança nas pessoas. Contudo, com o passar do tempo as coisas se normalizam e vira rotina. Na década de sessenta, surgiram novas idéias, posicionamento frente a ditadura militar, estudantes, intelectuais e artistas foram exilados, presos e outros assassinados. Vê-se, então, que era necessário a mudança de comportamento.”
“Percebe-se, portanto, que essa mutabilidade é inerente ao ser humano. Cabe, pois, aceitar as novas idéias e atitudes, que são capazes de mudar o rumo da vida das pessoas”.
Agora, analisemos:
-Embora as frases tenham sido buriladas, são incipientes, sem desenvoltura, repetitivas;
-O texto está eivado de raciocínios falsos, sofismas, a exemplo da invocação dos gregos para justificar as invenções, é sabido que os gregos eram especulativos, as teorias de Física, do Universo e Biologia, do seu gênio maior, Aristóteles, hoje, têm apenas, valor histórico, enquanto suas teorias de Lógica e Moral permanecem atuais e perenes. Dir-se-ia a mesma coisa de Demócrito de Abdera, com sua teoria atômica. A ciência e as invenções deslancharam-se com o empirismo de Fancis Bacon, a Física de Galileu e Newton, o positivismo de Comte e as teorias da evolução de Darwin...;
-Outro raciocínio discutível, retórico, afirma: “Quando uma determinada nação tem intuição e cria algo novo causa impacto e gera insegurança nas pessoas.” Nação é um ente jurídico, não tem intuição, o povo é que, em princípio, tem discernimento, ou seja, as idéias novas têm origem no indivíduo e no decorrer do tempo, elas se tornam de domínio público;
-Outro equívoco está no penúltimo parágrafo quando por escassez de argumento para explicar a contracultura dos anos 60, de origem hippie, movimento revolucionário dos costumes e comportamentos vigentes daquela época, com a divisa “peace and love”,
de jovens ingleses de classe média, que por princípio pacifista, jamais se confrontariam com governos militares, ditadores de plantão, pois eram contra a guerra, o capitalismo, as corporações empresariais e qualquer tipo de autoritarismo.
A filosofia de vida do hippie, ainda hoje, é pautada ao desapego dos bens materiais, prega o sexo livre, viver em comunidade e o retorno à natureza. Os intelectuais, os políticos e estudantes que foram presos, exilados e assassinados nos anos 60, foram mais por ideais socialistas e comunistas do que pela influência que tiveram na contracultura, na renovação dos costumes e os novos estigmas comportamentais.
O texto começa falando que a “...mutabilidade faz parte da natureza humana...” e termina da mesma forma: “...mutabilidade é inerente ao ser humano...”, isto é uma conclusão chinfrim, primária, repetitiva, sem imaginação e criatividade.
Meu caro frei J.G. Costa dos Santos, eu espero não ser colocado na prateleira do ressentimento... Não tenho culpa da franqueza que destilei, fui empurrado, fiquei na casa do sem jeito quando tu me impeliste tecer comentário ao teu texto, tenho ojeriza às técnicas e aos métodos que dificultam a livre expressão do pensamento, o fiz para não vos trair intelectualmente.
Enfim, tu és generoso quando me designas como escritor, não sou escritor, sou um escrevinhador, um ávido leitor, que com transpiração ousa colocar no papel alguns causos, algumas idéias. Escrevo com dificuldade, parindo cada frase, não domino a gramática, não possuo a desenvoltura de um Machado, de um Euclides, de um Cyro de Mattos, de um Adonias Filho, de um Jorge Araújo, de um Adelindo Kfoury, por isto, tu não dês relevância às críticas que fiz ao texto “Mudanças Pessoais e históricas” e plagiando a linguagem hippie: Paz e amor!... Ou, pra fazer jus à prática cristã do preclaro amigo, dir-te-ei: O amor de Cristo nos unindo!...
Cordialmente,
Rilvan Batista de Santana