O oleiro
O oleiro
R. Santana
I
Era um homem baixo, um metro e sessenta, não passava disso. Branco, cabelos pretos e lisos. Era oleiro de profissão, quando moço, trabalhou na lavoura de Simão Dias, cidade sergipana. Casou-se com uma bonita sergipana de Lagarto. Debandou para o Sul da Bahia ainda jovem. Fixou-se de início no município de Ilhéus em Maria jape. Tempos depois, passou a residir e trabalhar no município de Itabuna e terminou seus dias, louco, numa fazenda próxima do Salobrinho, lugarejo de Ilhéus. Era conhecido como Nozinho, mas no Cartório de Lagarto, constava João Rodrigues Ramos.
Nozinho vivia em conflito entre ser o único provedor de sua casa com um mísero salário de oleiro e a dificuldade de autoridade e mando com a linda mulher que tinha.
Judy, sua mulher, era uma morena cor de canela, com seios grandes, altura mediana, bumbum arrebitado, lábios carnudos, peso proporcional à altura e um rosto escultural. Era uma tentação de mulher.
A ingenuidade de Nozinho doía na alma. Era difícil acreditar que no meado do século passado, ainda houvesse gente tão simples e sem maldade como o senhor João Rodrigues Ramos. Saía pela manhã com o embornal nas costas, levando nele, a marmita com o cardápio trivial: arroz, feijão, carne assada ou mantinhas de bife com rodelas de batata inglesa em cima e, salada de pepino com tomate e alface. Nozinho não era o famoso “bóia fria” da lavoura, mas era o “bóia fria” da olaria. Passava o dia todo amassando barro e moldando tijolos. À tardinha, voltava para casa sujo, exausto e feliz com Judy lhe esperando.
II Edvaldo Fonseca era o que se pode chamar de despreocupado. Novo ainda, aprendeu dirigir automóvel e caminhão de carga pesada. Era disputado por todo tipo de mulher, principalmente, àquelas chamadas de “Maria gasolina”. Numa época em que motorista de transporte de carga era uma raridade, Edvaldo tirava proveito desse status quo profissional.
Divorciado da primeira mulher, após oito anos de casado com Nelza Fonseca, Edvaldo por mais que tenha querido se desvencilhar da mulher e dos filhos não conseguia. A justiça o atormentava no cumprimento da pensão alimentícia, pois seus filhotes eram todos pequenos e sua ex-mulher impedida de trabalhar noutro lugar sem prejuízo da ninhada. Embora fosse um folgazão, pouco responsável, mulherengo, procurava não faltar aos filhos, o lado afetivo de pai.
Nelza o tinha expulsado de casa. Era impossível conviver com um rufião como Edvaldo, que a cada dia, ela tomava conhecimento de suas novas peripécias amorosas. Passou de mulher à amante, é que depois de separados judicialmente, tinham tido mais dois filhos. Era normal vê-lo saindo da casa de sua ex-mulher ao romper da aurora. Esta rotina só era quebrada quando ele estava enrabichado por outra. Ela, mesmo depois de separada, permaneceu-lhe fiel.
III Não se podia afirmar que Nelza fosse uma mulher feia. Era uma morena simpática, não lhe davam 30 anos de idade. Tinha casado de véu e grinalda com Edvaldo na flor da adolescência. Não pensava em casar-se cedo. Quando o conheceu, cultivava o sonho de entrar para o convento da Ordem santa Madalena, ainda relutou em aceitar o namoro, mas foi envolvida com as promessas e juras de amor do jovem caminhoneiro. Se seus pais não tivessem pressionado o dom Juan, Nelza tinha se casado com a barriga na boca. Aos primeiros sintomas de gravidez o malandro foi chamado à responsabilidade:
- Senhor Fonseca, não tenho filha para falatório de vizinhos. Tratemos logo desse casamento, senão, um de nós dois pode ir encomendando sua alma ao Criador!... – Fonseca não era covarde, mas a consciência moral clamava por correção: - Senhor João, não me preocupo com os mexericos dos vizinhos, preocupo-me em fazer sua filha feliz e com um ser que está a caminho, o senhor pode providenciar o enxoval e a data do casamento. Quanto às despesas que forem minhas, eu as assumirei.
IV O casamento foi feito. E, durante alguns anos, Nelza não desejaria outro marido melhor. Edvaldo era um trabalhador incansável, cumpridor de suas obrigações domésticas, bom pai, bom marido, mas pouco e pouco foi dando menos atenção à esposa e mais atenção às mulheres da rua.
V Nozinho era um simplório, não enxergava maldade ao seu redor. Para ele todas pessoas eram honestas. Todavia, o seu instinto de preservação e sua intuição estavam dando sinais de que alguma coisa de ruim estava acontecendo, deu pra aconselhar-se com o seu velho colega de trabalho Manoel Dias:
- Dias, ultimamente, ela sempre tem uma desculpa. Há mais de dois meses que não temos relações sexuais. É dor de cabeça, é mal estar, é naquele dia vermelho do mês, há um pretexto a cada dia.
-Nozinho, procure outras mulheres. Quem sabe se numa provocação, o ciúme aparece e tudo volta ao normal.
-Dias, jamais vou fazer isso. Mesmo que quisesse não conseguiria. Amo minha mulher. Nunca disse isso a ninguém, vou lhe dizer agora, por confiança e sei que você não vai me gozar: nos casamos virgens!...
-Nozinho, fique tranqüilo, isso não é nenhum crime. Apenas, prova que você sempre foi um rapaz contido, se preservou para mulher dos seus sonhos. Ela também, entregou –se - lhe depois de casada. Mas meu amigo, tenha cuidado, mulher quando fica muito dada ou arredia, por debaixo desse angu tem caroço. Cuidado, comece mudar a rotina. Dê para chegar em casa nos momentos mais inesperados. Use todos artifícios de um homem desconfiado e enciumado.
VI
Judy e Fonseca encontraram-se por acaso. Ela tinha ido comprar um novelo de linha numa vendola não muito distante de sua casa quando o encontrou a papear e a beber com alguns amigos. Ele ao vê-la, não se conteve de admiração:
- Juvenal (dono da bodega), eu pensei que as deusas só fossem encontradas nos livros, mas estou diante de uma delas, posso saber sua graça senhorita? – Judy ficou desconcertada, desnorteada, não esperava galanteio àquela hora, ainda mais, diante de tantos homens desconhecidos – Não sou senhorita. Sou a senhora Ramos. O senhor não acha imprudente elogiar mulher casada? – Senhora Ramos me perdoe pela imprudência. Não sabia que era casada, tão jovem!... Porém, o que disse é verdade, não posso negar sua beleza. Negar sua beleza é como negar a beleza das flores... – Ela deu-lhe às costas, pagou ao bodegueiro e saiu.
Fonseca continuou bebendo e proseando com os amigos. Porém, lia-se no seu semblante que o encontro com Judy, o tinha incomodado. Não descansou enquanto não soube quase tudo dela.
VII
Nozinho encontrou mais uma vez a casa fechada. Depois da conversa que tivera com o colega Manoel Dias, deu para chegar em casa nos momentos mais inesperados. Judy estava cada vez mais estranha e distante. Às vezes, quando passava para o trabalho, notava nos vizinhos atitudes diferentes das usuais. Eram cumprimentos demorados, conversas reticentes ou conselhos não pedidos.
Naquele dia, tinha chegado em casa mais cedo. Judy não estava. Isto já não lhe surpreendia. Porém ao adentrá-la teve um pressentimento sombrio e solitário. Inquieto, cheio de idéias confusas, ia de um canto a outro da moradia procurando respostas para suas perguntas silenciosas: “Será que ela me abandonou?”, “Para onde foi?”, “Que devo fazer?” Todas essas perguntas vinham à sua cabeça aos turbilhões, tão envolvido estava que não pressentia que o seu cachorro o lambia dum lado enquanto o gato rosnava do outro. Num momento de insight, lembrou que todos os segredos, os dele e os dela eram guardados numa caixinha metálica que ficava dentro de uma gaveta da cômoda de cinco gavetas no quarto do casal.
Levou um susto, lá dentro da caixinha estava um bilhete com uma letrinha redonda e inteligível. Nele lia-se: “Perdoe-me, não queria magoá-lo. Não lhe mereço... Adeus.” Ele saiu cambaleando da casa porta fora.
No quintal da casa, embaixo de uma mangueira, sentado em um toco, resto de uma árvore apodrecida: ele, o cão e o gato, abraçados, choraram!...
Autor: Rilvan Batista de Santana
Academia de Letras de Itabuna - ALITA