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Geminiano

Geminiano
R. Santana

Li em algum lugar, quiçá em Harold Robbins: “Quem não tem superstição não tem alma”. Um pensamento feliz do escritor nova-iorquino, pois todo homem é supersticioso, é um sentimento inato, gravado na alma de cada indivíduo. Quem ainda não deu uma olhadinha no seu horóscopo antes de fechar um negócio ou numa desilusão amorosa?...
O brasileiro é uma alma mística, contemplativa, espiritual, mas de atitudes práticas, concretas, machistas. Poucos se permitem confessar os medos, as esperanças, as angústias e as dúvidas que lhes afligem, ao padre, ao pastor, ao psicólogo, ao babalorixá, então, recorrem à leitura dum horóscopo de jornal ou de revista.
Os astrólogos, os feiticeiros contemporâneos, batem o pé que os nascidos entre 20 de maio a 20 de junho, os geminianos, são instáveis na vida e no amor. Embora sejam versáteis, brihantes, de palavra fácil, inteligentes, intuitivos, simpáticos, extrovertidos, de amizade fácil, providos de grande senso de justiça e fiéis aos seus ideais e aos amigos mais do que um cachorro, jogam tudo pro alto sem motivo aparente e tornam-se ranzinzas, polêmicos, infiéis, mal-humorados, às vezes, obtusos, cabeças-duras e fracassados.
Somente quem é geminiano sabe como é difícil ser geminiano. O geminiano, a grosso modo é de paz, mas por ser impulsivo, destemperado, não leva desaforo pra casa, porém, não alimenta ressentimento, maldade, vingança, é capaz de estender a mão ao seu mais figadal inimigo sem resquício de mágoa.
Alguém pode achá-lo cínico, sem-vergonha, desprovido de resíduos morais, de amor-próprio, ledo engano, é de sua natureza pacífica, gosta da amizade, tem ojeriza ao ódio, à vingança, aos golpes baixos, às articulações nocivas, enfim, despreza o mal e às maldades...
Machado de Assis, o maior escritor brasileiro, nasceu um dia após terminar Gêmeos, canceriano da gema, não acreditava que o comportamento e o destino do homem fossem determinados pela ascendência ou descendência dos astros ou das cartas de tarô ou bruxarias. Porém, a maioria dos seus livros traz alguma passagem dos seus personagens consultando cartomantes, pitonisas, ciganas e astrólogos, o mais famoso deles, é o seu conto “A Cartomante”.
Para o meu amigo leitor que corre atrás do pão suado de cada dia, peço-lhe que me permita contar de maneira sucinta esse conto machadiano:
- É um triângulo amoroso entre Vilela, Camilo e Rita. Vilela é o marido de Rita que é amante de Camilo. Rita tem como guru uma cartomante que lhe mostra o caminho do amor e da felicidade...
Camilo faz pouco de sua ingenuidade e desdenha a cartomante e os seus vaticínios. Certo dia, ele recebe um estranho bilhete do seu amigo de infância Vilela, que lhe solicita um encontro com dia, hora e local.
Antes do encontro, movido por sentimento de premonição, Camilo deixa de lado os seus pruridos morais e resolve consultar, para desencargo de consciência, a cartomante que tanto desdenhara e termina acreditando no seu embuste.
Por isso, apressou o tílburi ao encontro de Vilela, mas quando chegou, encontrou sua amante morta e foi morto com um tiro à queima roupa pelo marido traído. – Termina assim o conto de Machado de Assis.
O geminiano é inapto para o comércio e o empreendedorismo, não obstante ser um vulcão de idéias renovadas, não leva a termo um empreendimento por muito tempo, é emocionalmente inconstante, embora não seja um estróina, valoriza mais as coisas do intelecto e da alma do que bens e dinheiro.
Tem a fé de São Francisco de Assis numa semana, na outra semana, ele é agnóstico com a mesma veemência e ardor. Não chega ser ateu, mas é incapaz de sustentar por muito tempo as mesmas convicções religiosas e a mesma denominação.
Embora pareça bronco aos olhos daqueles que julgam pela aparência, o geminiano é versátil intelectualmente, uma cabeça pensante sem ser lógica, tem um desempenho acima da média nas ciências humanas e tropeça na Matemática, na Física, na Química... Consegue dominar bem os seus atos impulsivos, suas atitudes são refletidas e analisadas amiúde, porém, não tem capacidade de síntese, é um prolixo de natureza na fala e na escrita.
O geminiano tem um coração bandido e leviano, gosta de Maria, é apaixonado por Rita e ama Marina ao mesmo tempo. Gosta mais de sexo de que do coração. Sua paixão dura enquanto não é correspondido pela sua amada, parodiando Vinícius Moraes, o seu amor é eterno se não seduz... O geminiano em matéria de bem-querer, ele é comparado ao alpinista que tem um grande desafio na escalação duma montanha, mas quando a escala a graça é outra montanha mais alta.
Porém, se o leitor amigo estiver enfadado dessa prolixidade astrológica e rompesse-lhe a paciência e perguntasse:
-Tu és astrólogo, quiromancista, bruxo, cartomante, babalorixá, pai-de-santo ou píton para conhecer tão bem os mistérios da alma e do coração? – responder-lhe-ia em cima da bucha:
-Meu amigo, eu sou geminiano!..

Autor: Rilvan Batista de Santana
Gênero: crônica

 
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 15/07/2012
Alterado em 03/08/2012


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr