As gêmeas
As gêmeas
R. Santana
I
As duas meninas-moça, as duas meninas-mulher, confirmavam os princípios de Richard Dawkin tão decisivos no estudo do genótipo, no estudo do meio e no fenótipo de uma pessoa: nas suas atitudes, no seu comportamento e nas suas características físicas.
Ana Francisca e Ana Clara, eram gêmeas. Eram iguaizinhas na aparência física desde que nasceram e seus pais completaram a obra da natureza na aparência psicológica, dando-lhes uma educação igual, fazendo-lhes os mesmos gostos, as mesmas vontades, proporcionando-lhes os mesmos vestuários e as mesmas coisas. Se uma delas recebia uma boneca, a outra recebia uma boneca igual. Construindo assim, atitudes e comportamentos semelhantes.
Uma delas, a Ana Francisca, mais racional, ensaiou ainda mocinha, contundentes protestos de rejeição às fórmulas prontas dos seus pais, mas com o tempo, entendeu que era mais proveitoso concordar com o desejo deles do que afrontá-los. Contanto que Ana Francisca dava aos seus brinquedos um destino mais utilitário, enquanto Ana Clara dava-lhes um sentido lúdico, de entretenimento.
Jovens adultas, Ana Francisca estava concluindo o estágio do curso de medicina; Ana Clara, já tinha concluído curso de Assistente Social. As duas trabalhavam no mesmo hospital. Os pais não tinham evitado ao longo do tempo que uma fosse mais reflexiva e introspectiva; mais kantiana, enquanto a outra, fosse mais dada socialmente e tivesse desenvolvido uma inteligência emocional à teoria Goleman. Ana Clara era indubitavelmente, mais tragável e simpática no dia-a-dia. Todavia, ambas tinham almas generosas.
II
Alfredo Almeida Botelho e Kátia, depois de 5 anos de casados, dois abortos involuntários e Kátia submetida aos recursos modernos da medicina sem sucesso aparente, tinham perdido a esperança de terem filhos por concepção natural. Já pensavam numa concepção in vitro, numa adoção, quando surgiu a gravidez de Kátia. Católicos fervorosos, se pegaram aos santos Francisco e Clara. Se o rebento fosse macho, receberia o prenome de Francisco e fêmea, de Clara. Mas diz o povo que o “homem faz e Deus desfaz”, ao invés de um filho ou uma filha, Kátia teve duas lindas meninas e para agradecer a graça em dobro, as duas também foram homenageadas por Ana, mãe de Nossa Senhora.
Alfredo e Kátia eram médicos pediatras. Tinham embasamento científico, cultura médica, porém, entendiam que quando a ciência falha, a saída é puxar o saco do pessoal lá de cima e a resposta foi pródiga, pediram um filho e mandaram duas lindas meninas.
Nascidas de 7 meses, com saúde fragilizada, ficaram um tempo considerável na encubação, com cuidados redobrados dos pais e dos médicos. Passado o susto, saídas do hospital, com os esforços do pai e da mãe, as recém-nascidas adquiriram uma saúde de ferro ao longo da vida já na primeira infância.
III
José Carlos Alves dos Santos, Carlão para os amigos, não descendia de família de tradição e fortuna. Era filho de mãe professora e pai caminhoneiro.e o irmão mais velho de quatro, todavia, aos 27 anos já era reconhecido como um dos mais promissores profissionais do direito da área cível de Aracaju. Não tinha dinheiro, mas tinha talento, determinação e ousadia profissionais. Ele tinha certeza que o resto seria conseqüência e sorte.
Dançarino de mancheia, na noite de reveillon de 1985, conheceu e encantou-se por uma jovem que dançava na boate “Night Club Caju”, à avenida Santos Dumont, orla da praia de Atalaia, na capital sergipana.
Foi um amor à primeira vista. Ana Francisca brincava com um grupo de amigos quando tropeçou em Carlão e despejou-lhe na roupa, a taça de champagne que trazia nas mãos.
-Desculpe-me Senhor, não bebi o suficiente para me embebedar, fui empurrada por alguém que lhe amarrotou a roupa de bebida. – Desculpou-se Ana Francisca – Carlão não perturbou-se. Tirou o lenço do bolso e à medida que secava a roupa, não tirava os olhos da jovem que de certa forma, começou sentir-se incomodada. Na fleuma que lhe era peculiar, falou:
-Não lhe desculpo! - quando ela ameaçou reagir, ele completa: - Onde já se viu uma linda mulher pedir desculpa do que não fez?... Só lhe desculpo se não me chamar de “senhor”! – brincou Carlão – Ana Francisca estava admirada com a presença de espírito dele. Não o conhecia, mas gostou de sua tirada, do seu jeito moleque e conquistador.
-Desculpe-me é hábito lá de casa. Meus pais tiveram uma educação calvinista, embora sejam católicos, são muito cerimoniosos e formais. Acho difícil depois de adulta romper com esses preceitos que fui criada. Ademais, é praxe no cotidiano o tratamento de “senhor” e “senhora”, para pessoas que não são da nossa intimidade, não obstante que sejam velhas ou moças. – justificou-se Ana Francisca.
-Fique à vontade!... Sou José Carlos Alves dos Santos, Carlão para os amigos e os menos amigos. Espero que a senhorita me trate de Carlão, além de fazer jus ao meu tamanho, é vulgo. – Carlão tinha uma lábia fácil e uma disposição enorme de fazer amizades, era sociável por natureza.
-Sou Ana (as duas omitiam Francisca e Clara), formando em medicina, trabalho no hospital do estado, às suas ordens!... – apresentou-se.
A festa continuou noite adentro. Os dois dançaram quase que exclusivos. Uma vez ou outra trocaram de parceiros. Pareciam velhos amigos, conhecidos de longas eras. Carlão era só alegria. Brincava, rodopiava Ana no salão com leveza e habilidade. Ao alvorecer, somente os dois, encontravam-se lépidos e soltos no meio do salão. Os demais perambulavam sem norte na casa ou se prostravam nos cantos, cansados e bêbados.
Ambos estavam de carro, ambos estavam acompanhados de amigos e tinham o compromisso de levá-los de volta. As despedidas foram rápidas e convencionais, não tinham tido tempo para vínculos afetivos. Carlão tinha impressionado Ana Francisca mais pela retórica, pelo papo fluente do que pela beleza física. Porém, para Francisca, o físico era de somenos importância, ela era muito cabeça para ficar presa ao aparente. Também não existia nenhum mal, nenhuma regra contrária, nenhum crime, juntar o útil à beleza, afinal, quem é refratário ao belo? Ninguém.
Carlão não era racional no querer, no gostar, no amor. O cheiro, o cabelo, o corpo, a boniteza, o cafuné, o dengo, o requebro e os salamaleques eram os traços
necessários de uma mulher para Carlão ficar de quatro, caído de paixão e amor. E, Ana Francisca e Ana Clara tinham sido sobejamente premiadas pela beleza, pela natureza.
IV
Depois que as duas jogaram conversa fora e Ana Clara queixando-se da rabugice dos seus pais na noite de reveillon, que bem logo os ponteiros dos relógios anunciavam a virada de ano, os seus pais tinham deixado-a com as amigas e tinham ido dormir. Enquanto Ana Francisca lhe contava que seu reveillon tinha sido alegre e cheio de novidade e que tinha amarrotado a roupa dum rapaz sem desejar, mas que no final, tinham ficado ótimos amigos e completava:
-Dançamos a noite toda. Ele me cantando e eu deixando ser cantada, brincando que estava acreditando.
-Mas não rolou nada entre vocês? – perguntou-lhe Ana Clara.
-Sim. Muito affair, boa música, muitas palavras ao ouvido, muito champagne, muitas promessas não cumpridas e troca de e-mail e celular na despedida. – respondeu-lhe Ana Francisca.
-Ah, ele vai lhe ligar e passar mensagens!...
-Para mim não, ele vai ligar pra você! – disse-lhe Ana Francisca.
-O quê? Você deu-lhe o número do meu celular e o meu e-mail como seus? Isto é falsificação ideológica!!! – esbravejou Ana Clara.
-Calma! Ele é um bom rapaz, advogado, não é bonito mas é agradável, talvez, dê namoro com você. Vamos pregar-lhe uma peça: As gêmeas! Explico-lhe: iremos usar a mesma identidade, um dia sai você; outro dia, saio eu. Ele jamais irá descobrir, basta que tenhamos cuidado. Se você não gostar dele, tacitamente, daremos um fim à brincadeira – propôs-lhe Francisca.
-Francisca, você é inconseqüente com as coisas do coração, leva na troça, não acredita em paixão, em amor... E, se o feitiço virar sobre o feiticeiro (vaticinou), nos apaixonando? Uma de nós, irá sofrer emocionalmente. Será que você tem estrutura? Gente cabeça é quem mais sofre e se desmorona facilmente. Pascal deixou isso claro: “...o coração tem razões que a própria razão desconhece...”, acho que não devemos brincar com os sentimentos dos outros, não conte comigo. – resistiu Ana Clara.
-Mana, quero somente brincar um pouco com Carlão. Você não o conhece, ele é muito articulado e inteligente, talvez não telefone, nenhuma de nós, vai se machucar. Quero ver até onde vai sua perspicácia, se ele vai descobrir que não somos as mesmas e... – não completou de falar o celular de Ana Clara tocou:
- Princesa, pensei que ainda estivesse dormindo... – Ana clara fecha o celular com a mão e diz: - é pra você, é ele! – Ana Francisca não se perturba: - atenda maninha, você soube todos os detalhes da festa não vai tropeçar. – Clara ficou atarantada, sua irmã era determinada. Quando ela queria algo, perseguia o objetivo com afinco, às vezes, tornava-se inoportuna. Clara resolveu num átimo de tempo e pela curiosidade que Carlão começava-lhe despertar, entrou no jogo:
-Perdi o sono. Cochilei quando cheguei, mas o suficiente para repor as energias do organismo. E você não dormiu? – contra-atacou Clara.
-Não, e sabe quem foi a culpada? – Clara fez uma pausa propositada. Começava gostar da brincadeira. Não se sentia culpada pela farsa representação, Ana Francisca que tinha inventado essa brincadeira, que cobrasse dela!
-Acho que não houve a culpada, mas as culpadas!...
-Não, não houve mais de uma, na minha cabeça, só uma mulher bonita e inteligente, mexeu com a minha cabeça... – provocou Carlão.
-Ah, ah, ah... desculpe-me, pensei que a champagne tinha tirado o seu sono!.. – brincou Clara.
-Não brinque com esse coração ferido, doido para lhe reencontrar. Acredito que em seus braços, ele irá recuperar essas horas que passou longe desses olhos verdes! – Carlão jogou um flerte.
-Parece-me que conheci ontem um notável galanteador. Ontem, eu atribuía seus galanteios ao efeito do álcool. Hoje, mesmo pelo celular, percebe-se sobriedade e sobra sedução. Termino convencida e correndo para os seus braços, qual a mulher que não gosta de elogios? Porém, você se esqueceu de uma coisa: sou médica e protejo-me das doenças do coração. – Clara estava se saindo tão bem que Francisca comentou com certa ironia:
-Você não queria participar da farsa, da brincadeira, me chamou de inconseqüente, agora, está representando tão bem que tenho muito que aprender com a minha conseqüente irmã!...
-Eu não sou inteligente quanto você mas não sou uma toupeira, trambique é de fácil aprendizagem! – Clara estava nervosa.
-Não precisa ofender, quis somente brincar com esse dom Juan tupiniquim, testar sua percepção, seu discernimento. Se você não quiser brincar, irei dar um basta! – Francisca estava uma pilha.
-Desculpe-me. Agora, estou curiosa, selemos nosso acordo. - puxou sua mão e colocou-a sobre a sua.
V
O namoro com as duas foi estabelecido. Carlão saia com uma hoje, a outra, amanhã, parecia que não se dava conta do embuste. Uma tinha o cuidado de passar para outra todos os detalhes do encontro. Um mês já se tinha transcorrido, nenhuma das duas, quis apresentar Carlão aos pais. A saída era do hospital e os pretextos aos pais eram horas extras no trabalho.
Como o feitiço vira pro feiticeiro, Francisca estava apaixonada e começava esboçar pontas de ciúme. Já não queria participar do revezamento e num desses dias, abriu o jogo pra Clara:
-Maninha, o jogo terminou. Não podemos continuar com essa encenação. Ontem, tive que me fazer de estressada, de brava, para não despertar a desconfiança de Carlão, quando convidou-me para beber e contou-lhe:
-Eu não gosto de beber, já lhe disse!
-Mas... ainda ontem, tomamos umas duas cervejas e... – não completou.
-Eu? Ontem, eu estava de plantão!!! – Neste momento, percebi a gafe, o desastre e a besteira que tinha feito e de imediato emendei:
-Engano-me, bebemos... – foi a vez de Carlão.
-Bebemos? Eu não bebi nada. Falei “tomamos umas duas cervejas”, por força do hábito, eu estava com mal estar, fiz lhe acompanhar à mesa.
-Chega Carlão! Não fique esmiuçando detalhes de ontem. Quer me confundir? – Carlão tinha medo de magoar a namorada, por isto, contemporizou:
-Tudo bem querida, deixemos esses detalhes de somenos importância pra lá. Porém, sugiro-lhe que diminua seu ritmo de trabalho, seu estresse é visível.
Clara ouviu tudo calada. Já tinha percebido os sinais de inquietação de Francisca. Carlão tinha razão: ela estava estressada. O ciúme e a paixão estavam incomodando-lhe dividi-lo. A brincadeira inicial começava fazer os seus estragos. A renúncia, agora, seria sofrida para qualquer uma delas. Descobrir para Carlão que tinha sido usado, não seria de bom alvitre. Embora ingênuo no querer, puro de sentimentos, Carlão, depois que soubesse, com certeza, iria se sentir enganado, ultrajado, ludibriado, ter sido o joguete na trama das duas...
Com o ultimato da irmã, Clara não teve saída senão, dizer-lhe que também estava apaixonada por Carlão e, tinha a intenção de lhe contar tudo se necessário fosse para não perdê-lo:
-O jogo Francisca, para mim terminou. Irei contar tudo a Carlão, se necessário, e terminar com esse festival de mentiras e embustes, quero doravante um relacionamento sério, comprometido com a verdade. Como para você, tudo desde o início é divertimento, sua saída, agora, será prazerosa e um descarrego de consciência, não será necessário continuarmos fingindo.
-As coisas não são tão fáceis assim. Estou mais comprometida do que você pensa. Lembra-se do dia dos namorados? Fomos pra cama, estou sem menstruação há uns 40 dias, acho que estou grávida! – blefou Francisca.
-É mentira!!! Só acredito com os resultados dos exames médicos em mãos. Mesmo assim, irei lutar por Carlão, você empurrou-me para os seus braços, assegurando-me eu que fizesse bom proveito, enquanto brincávamos de dupla identidade!... – Clara estava descontrolada.
-Irmã deixe de histerismo. Falei-lhe: “acho que estou grávida”, não lhe disse que estou grávida. Porém, não estou a fim de abrir mão dele, vamos disputá-lo, quem tiver a unha maior que suba na parede. – Francisca não se intimidou com o nervoso da irmã.
-Alguém disse que religião, política e mulher não se discute se abraça. Não irei usar de manobra, de golpe baixo para tê-lo. Não vou lhe acusar e não vou reduzir a minha culpa nesse episódio. Vou chamá-lo aqui em casa, apresentá-lo aos meus pais e deixar que ele descubra o resto por si. – Clara, não ficou na ameaça. Naquele mesmo dia, convidou Carlão à sua casa, apresentou-lhe aos seus pais (os seus pais nada sabiam), falou da irmã gêmea e prometeu-lhe apresentá-la assim que pintasse uma oportunidade.
À noite, quando Francisca chegou do trabalho, encontrou a casa em polvorosa. Seus pais, parentes e empregados, todos comentando sobre o namorado da irmã e a boa impressão que o rapaz lhes causara. Racional, dissimulada, demonstrou interesse em conhecê-lo, esperava ter a mesma boa impressão do rapaz, desejava também, que a irmã fosse feliz com esse novo amor.
Alegando mal estar, sintoma de uma velha enxaqueca, recolheu-se mais cedo aos seus aposentos sem o seu breackfast noturno. Todavia, ela urdia intimamente, estratégias para enfrentar a teimosia de Clara e os rumos inesperados do triângulo amoroso.
Relutava admitir sua paixão por Carlão. Não pensou nas conseqüências que poderiam advir quando Clara foi chamada para participar da brincadeira de dupla identidade. No início, não nutria nenhum sentimento especial pelo rapaz, mas os sustos e as emoções na atuação dos papéis mais a convivência com Carlão, tinham feito de Francisca, uma mulher apaixonada. Não vislumbrava partilhar com outra esses sentimentos, mesmo Clara, a metade do seu ser.
Passava da meia noite, Francisca com os olhos pregados no teto, quando Clara adentra no quarto, sorrateiramente, pé ante pé para não despertar a irmã, quando no escuro do ambiente, é tomada de susto com a interpelação intempestiva de Francisca:
-Você abriu o jogo pra Carlão? – ainda atarantada, não refeita da surpresa, procurando o interruptor da luz, Clara responde:
-Não! Mas assumi o meu namoro. Deixei de representar e mentir, quero as coisas às claras doravante. Se você se afastar habilmente da cena, ele jamais irá desconfiar que foi usado e ludibriado nos seus sentimentos.
-Existe um detalhe: ele lhe namora em mim. Ele namora Ana Clara como se fosse Ana Francisca, quando ele conhecer sua verdadeira identidade que você não é a mulher que primeiro o conheceu no reveillon, que é uma impostora, uma santinha do pau oco, o seu castelo de cartas e fantasias, desmoronará num sopro!... – ameaçou-lhe Francisca.
-Não sou isenta de culpa, fui conivente com sua farsa e me arrependo. Estou convencida que irei pagar um preço, prefiro assim do que presa nas teias da mentira, da desonestidade, da falsidade. Se ele ciente de suas armadilhas, dos seus artifícios e do jogo que estabeleceu para brincar de faz-de-conta, lhe preferir, eu me afastarei porque vocês se merecem – concluiu Clara. – Francisca compreendeu que sua irmã tinha sido envolvida nesse caso por sua insistência, inclusive, garantiu-lhe que não sentia nenhum sentimento por Carlão, apenas uma simpatia social e o ardil seria uma forma diferente de rejeitar os seus galanteios e livrar-se dele em pouco tempo. Por isto, propôs-lhe:
-Quero lhe pedir que me deixe explicar tudo que fizemos antes dele vir aqui. Não irei mascarar os fatos. Ele ficará com a opção de decidir se ficará comigo ou com você.
-Com a condição dessa oportunidade não se repetir qualquer que seja o pretexto. Concorda? – condicionou Clara.
-Concordo!...
VI
Estrada da praia dos Coqueiros, motel “Life & Beatfull”, km 20, cidade de Aracaju. Lugar paradisíaco perto do mar. Às 18:40 h, um táxi adentra esse estabelecimento levando um casal jovem no banco traseiro. Os dois iam tão enlaçados, disfarçados, que as câmaras da portaria, identificaram com nitidez, somente, o motorista e seu táxi. O taxista tinha sido instruído para tomar as providências:
-Uma suíte presidencial! – pediu.
-Número 20, à esquerda, vista para o mar! – orientou o recepcionista. – Ainda no interior do automóvel, Carlão adverte o taxista:
-Juca, estaremos lhe esperando às 23 horas!
-Não se preocupe doutor, pontualidade inglesa! – tranqüilizou-lhe o motorista..
Ela nunca tinha freqüentado esse motel, estava atenta para os mínimos detalhes. Já tinha ouvido falar das suas instalações, da sua funcionalidade, da sua beleza, do seu luxo, através de algumas amigas, mas in loco, ficara mais deslumbrada.com o seu conforto. Agora, sabia porque Carlão insistira tanto que fossem pra lá. Ele que a despertou daquele momento de deslumbre:
-Ana, o quê achou?
-Em relação ao motel que fomos à semana passada, este é de padrão internacional!...
-Quer que eu acredite que você nunca esteve aqui com outros homens, se este motel é o principal point do sexo da elite aracajuana?! – perguntou-lhe irritado.
-Não estou lhe reconhecendo... O que você sabe do meu passado? Não sou puta pra ter vários homens! Sou uma moça normal, não sou santa já estive em outros motéis com o meu ex-noivo, você é o meu segundo namorado, trouxe-me aqui para humilhar-me? – pegou a bolsa e ameaçou sair.
-Um momento, você e sua irmã já representaram bastante, pensam que sou idiota? Faz tempo que descobri o jogo sujo de vocês duas, mas não estava nem aí, queria continuar trepando as duas, o resto que se foda!... Vocês pensam que eu engoli a recepção programada dos seus pais, como se nada soubessem? É uma família de pilantras! Não vai sair daqui antes do táxi voltar nem que tenha de lhe dar uns tapas e lhe ensinar não fazer mais ninguém de idiota!... – Carlão estava transtornado. Ela estava surpresa e mais transtornada, tinha marcado o encontro de ambos, justamente, para colocar os pontos nos ii, confessar-lhe um “mea culpa” e dá-lhe a opção de escolha. Embora estivesse apaixonada, como sua irmã, aceitaria o resultado do desfecho qualquer que fosse.
Carlão continuava irônico, debochado e desrespeitoso. Já tinha tomado quase todo o whisky (aos goles) do frigobar. Quase à força a despiu e para ela não apanhar, submeteu-se ao sexo selvagem do parceiro:
-A outra prostituta não lhe contou? Ontem foi o seu dia! E quando você falou que fizemos sexo “semana passada”, descobrir que você não era ela e ela não era você. Embora tenha descoberto a farsa sua e dela faz algum tempo, pelos lapsos dos detalhes que vocês deixavam escapar nas suas conversas, irei reivindicar o Oscar do cinema americano pelo brilhante desempenho artístico de vocês. Quantas vezes fiquei aturdido: quem era quem que estava trepando? – ele estava uma arara!
-Já se vingou (chorosa), deixe-me ir embora!!! – gritou.
-Depois, sua vagabunda!...
VII
No outro dia cedo, os jornais, as televisões, as rádios destacavam a morte inesperada e prematura do atuante advogado, o jovem José Carlos Alves dos Santos, conhecido pelos amigos e inimigos por Carlão. Ressaltavam suas qualidades, seu porte atlético, seu jeito brincalhão e, entrelinhas, levantava suspeição de morte por envenenamento dum composto arsênico ou overdose de cocaína dissolvida na bebida por uma acompanhante prostituta de identidade até então desconhecida pela polícia, que o acompanhava, naquela noite, no motel “Life & Beatfull”.
A página policial do Diário Popular informava que um conhecido taxista (omitia o nome por questão de segurança e para não atrapalhar as investigações), da praça Fausto Cardoso, centro da cidade, tinha ido levar o casal ao motel e estava à disposição da polícia para identificá-la.
Amigos e parentes lamentavam o destino da jovem viúva e dois filhos menores que o advogado deixara. A viúva, filha duma tradicional família sergipana e procuradora do estado de Sergipe, pranteada, sob a dor da perda do jovem esposo, jurava que descobriria o escroque autor do nefasto crime.
VIII
I
Juca foi pontual. Chegou ao motel às 23 h, conforme exigência do seu cliente. Carlão era seu cliente desde solteiro quando ainda não tinha carro. Casado e bem sucedido, deixava seu carro numa garagem coletiva perto do seu escritório e usava o táxi de Juca para suas aventuras extraconjugais. Juca era discreto, confiável, conhecia os hábitos do seu cliente e dentre as exigências de Carlão, a pontualidade, não iniciar papo com sua acompanhante e não telefonar para sua residência, sob nenhum pretexto, eram exigências condicionadas por um contrato de intimidade e confiança. Ele, Carlão, era quem dava as derivadas de local, horário, chegada, saída, dia, etc.
-Suíte nº. 20! – estacionou o carro na garagem e esperou que o casal descesse. Quinze ou 20 minutos depois, cansado de esperar e estranhando a demora, procurou o pessoal da portaria:
-A acompanhante pagou a conta, solicitou um táxi e avisou que seu parceiro iria lhe esperar enquanto se refazia do pileque! – informou-lhe o atendente.
-Olhe rapaz, conheço esse cliente faz tempo e jamais ele bebeu pra ficar grogue e não ter condições de pegar o táxi, salvo se ele pegou no sono. Peço-lhe que mande chamá-lo.
Minutos depois, surge o gerente mais um preposto, apavorados, dizendo-lhe que seria necessário chamar a polícia e uma ambulância, que encontraram-no em estado suspeito, parecia estar morto....
Foi um discreto corre-corre. O gerente cismava não chamar os demais clientes à atenção. A polícia chegou. Todos os procedimentos foram feitos. Gerente, funcionários de plantão e taxista foram intimados registrar ocorrência e os primeiros esclarecimentos.
A família avisada.
IX
Os pais das gêmeas tomaram conhecimento pela imprensa e por Clara. Não lamentaram a morte de Carlão. Não perdoavam o logro e o papelão que tinham sido submetidos pelo namorado da filha. Ela apresentara-se como um homem solteiro, desimpedido. Depois aparece na imprensa, o retrato do calhorda de 38 anos de idade, morto por suspeita de envenenamento, deixando uma jovem esposa e dois filhos menores.
Clara foi chamada para prestar esclarecimento. A polícia tinha recebido um telefonema, apontando-a como uma das mulheres que se relacionava com a vítima. Convidada, não se encaixava na descrição do taxista e na prova de reconhecimento com outras mulheres sequer foi citada. Recebeu as desculpas da polícia e terminou como mais uma das vítimas do falecido rufião.
X
Um mês depois.
Francisca e Clara liam no Diário Popular: “ADVOGADO NÃO FOI ENVENENADO, pág. 10”. O matutino trazia uma longa matéria com a conclusão da polícia, embasada em laudos médicos, informando que o advogado José Carlos Alves dos Santos, tinha sido vítima de infarto fulminante pela ingestão de remédio de estímulo erótico e excesso de bebida. E, atribuía-se à fuga da amante, uma reação de medo para não ser incriminada pela família da vítima.
Completava a nota que sua amante deveria ser uma pessoa esclarecida, de vida mundana experiente, pois tinha eliminado todos os vestígios de sua passagem e que as câmaras do motel, tinham imagens dela de costas e frontais com fartos cabelos sobre o rosto.e usava óculos escuros. E, se a vítima tinha tido uma morte acidental, encerravam-se as investigações e o processo seria remetido ao Ministério Público e à Justiça para fins de direito.
-Clara, perdoe-me por tudo que lhe fiz passar por causa daquele calhorda. Eu estava a fim de abrir mão dele para lhe poupar de algum sofrimento. Porém, o diabo lhe carregou na hora certa!... – penitenciou-se Francisca.
-Não se preocupe Francisca, tudo passa.. Porém, não esqueçamos que a mentira é nociva mesmo na mais ingênua situação, pois uma mentira puxa outra mentira e à medida que mentimos, mais comprometidas ficamos!...
Clara e Francisca se abraçaram e juraram arrependimento.
Autor: Rilvan Batista de Santana
e-mail: rilvan.santana@yahoo.com.br
Itabuna (BA)
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