Textos


A missão de Jonas

A missão de Jonas
R. Santana


Quem passa por Itabuna e resolve dar uma esticada até o São Caetano e visitar a Igreja Santa de Cássia, lá encontrará frei José Raimundo, o seu pároco, que embora ligado à Fraternidade dos Frades Capuchinhos, não tem aquela postura submissa, subserviente, compungida, humilde, comum aos franciscanos do passado, ele é um frei empreendedor e atual, não tem medo de meter o bedelho nos erros dos governantes e nas injustiças dos mais aquinhoados.
Ele tem a estatura moral de Dom Hélder, de Dom Paulo Evaristo Arns e doutros luminares católicos quanto à força que move essas grandes almas de transformar as sociedades injustas em sociedades justas e iguais. Frei José Raimundo usa sua autoridade religiosa para falar de violência, droga, promiscuidade sexual, saúde, educação, pobreza absoluta, falta de compromisso de alguns cristãos, igrejas mercenárias e outras mazelas da sociedade brasileira e do mundo atual.
Frei José Raimundo é, também, um administrador nato, deu nova roupagem às construções do frei Joaquim Camelli, é gostoso visitar os jardins da Igreja Santa Rita de Cássia, suas dependências, o seu estacionamento, a sala de informática, o auditório, as salas dos grupos religiosos, vê sua fachada, a Casa Santa Rita de Cássia, além das ações sociais que ele promove a exemplo dos mutirões anuais que atendem milhares de pessoas simples da comunidade. Não sei como esse homem ainda não é bispo ou eleito para comandar sua Ordem!...
Pois é, como diz o caboclo, é que no mês de Agosto fui convidado pelo frei José Raimundo para fazer um curso bíblico de Jonas. Jonas aquele que ficou três dias e três noites no ventre duma baleia por desobediência a Deus. Fiquei honrado com o convite, mas assustado com as palavras do pároco: “50 pessoas pensantes e cada pessoa pensante passe o conhecimento adquirido para mais 12 pessoas incumbidas de levar a mensagem de Jonas à comunidade.”
Fiz indiferença ao convite, não me incluía dentre os “pensantes”, se fosse entre os “menos pensantes”, talvez o tivesse aceitado. Não tenho a palavra douta de um São Tomás de Aquino, de um São Paulo, de um Santo Agostinho, de Santa Teresa de Jesus, a Doutora da Igreja Católica, menos ainda a fé de um São Francisco de Assis, de uma Santa Clara ou a perseverança e a humildade de uma Santa Rita de Cássia ou de uma Irmã Dulce.
Gosto de chupar o doce da laranja, eu não gosto de ilações exegéticas, toda vez que entro nessa seara me dou mal (leia o ensaio: “O homem nasce para ser feliz?...”), o racionalismo não se coaduna com a fé... Leio Rute, Judite, Daniel, Jó, Jonas, Ester, José etc., com o olhar dos poetas e escritores românticos, deleitando-me com a narrativa e com o estilo dos autores bíblicos e não de um exegeta. Quero viver e morrer na fé como a minha avó, que não fazia um “ó” com o copo, mas conhecia e vivia a fé em Deus como ninguém.
Porém, pelo apreço que tenho ao pároco, um bichinho ficou perturbando a minha mente por não ter aceitado o seu convite, mas tranqüilizei-me quando o sacerdote convidou ao púlpito, uma semana depois, os “pensantes” para que dessem os seus testemunhos à assembléia sobre o curso de Jonas. Os testemunhos não poderiam ser mais alvissareiros: todos estavam compenetrados da boa nova, dali em diante, eles subverteriam a frase: “... a seara é grande, mas os trabalhadores são poucos...” pela frase: “a seara é pequena e os trabalhadores são muitos...”; dali em diante, Itabuna seria uma nova Ninive: todos os homens iriam jejuar, iriam trocar as vestimentas pelos sacos, iriam untar-se de cinza, convertidos e salvos!...
Pensei que o sacerdote tivesse me esquecido, ledo engano, no último Domingo, dia do Senhor, dia 19 de Setembro de 2010, fui abordado mais uma vez pelo pároco que me doou uma revista da PAULUS com o compromisso da leitura de Jonas, portanto, fiquei na “casa do sem jeito”, como diria o capitão Natário da Fonseca, jagunço de Tocaia Grande de Jorge Amado e, comprometi-me de estudá-lo, não de levar a missão de Jonas aos recantos da nossa cidade: sou réu confesso da minha inépcia evangelizadora.
A história de Jonas é uma narrativa igual a tantas outras que o leitor encontra na Bíblia sobre o povo hebreu, os judeus. Israel abrigava o Templo de Jerusalém, a Casa de Jeová, o reduto da teocracia, donde os sacerdotes detinham o saber e os mistérios da vida e da morte, além de governar o país.
Jonas filho de Amati, Amitar para outros, recebe uma missão de Jeová para converter os ninivitas, povo mau e inimigo de Israel, senão todos seriam destruídos, inclusive, os animais.
Ninive capital da Assíria, naquela época tinha o potencial (resguardando o período histórico) de Salvador, de Recife, de Aracaju, em que a maioria absoluta das cidades eram tribos de alguns minguados habitantes, uma cidade com 120.000 habitantes que era a população de Ninive era o luxo, o supra-sumo e requinte dos assírios, por isto é fácil imaginar a corrupção, a maldade, os desvarios sexuais, os crimes, a exploração comercial e as injustiças que proliferavam em Ninive e chegaram até Jeová e a resistência de Jonas em não querer conclamá-la ao arrependimento, à conversão.
Jonas representava o nacionalismo radical do povo hebreu, o nacionalismo do povo judaico, o orgulho do povo escolhido por Javé, o povo santo de um Deus vivo, protetor, pai, pregar mensagem de vida, de esperança e conversão para estrangeiros, povo impuro, era melhor morrer, ele e os seus contemporâneos entendiam que a misericórdia de Deus era apanágio de Israel e do Templo e não doutro povo, principalmente, um povo ruim, perverso, destruidor, era muito para ele entendê-Lo...
Por isso, desobedeceu a Jeová e descendo a Jope embarcou num navio para Társis, cidade contrária a Ninive. Durante a viagem, o navio foi colhido por uma grande tempestade e os marinheiros não tiveram outra saída, senão, jogar as mercadorias mais pesadas no mar para diminuir o seu peso, todavia, o perigo continuava rondando a tripulação, Jonas se homiziara no porão do navio e foi encontrado pelo comandante da embarcação em sono pesado: “Levanta-te invoca o teu Deus, talvez assim Deus se lembre de nós para que não pereçamos”.
Como a tempestade e os ventos não se arrefeciam, combinaram disputar entre si a sorte e chegarem à causa do mal e Jonas foi o sorteado: “Que te faremos para que o mar se acalme em torno de nós?”. A solução encontrada foi jogá-lo ao mar, o resto o leitor já ouviu dizer ou já leu.
Os ninivitas receberam a misericórdia de Javé a contragosto de Jonas e dos sacerdotes do Templo. Magoado, ele estabeleceu sua tenda nos confins da cidade de Ninive. Javé fez nascer em sua tenda, por um dia e uma noite, uma mamoneira que a cobria com suas folhas, mas logo a fez secar para desespero e incompreensão de Jonas e admoestação de Javé: “Tens, por acaso, motivo para ti irar? Está certo que te aborreças por causa da mamoneira?” e, acrescenta: “E não hei de Eu ter compaixão de Ninive em que estão mais de cento e vinte mil homens, que não sabem discernir entre a sua mão direita e a sua mão esquerda, e também muitos animais?”.
A lição deixada pelo livro de Jonas é que a misericórdia de Deus não tem limite. Não existe povo escolhido, a graça do Altíssimo é estendida a todos os homens santos e pecadores.
Faz-se jus também esclarecer que Jonas pode ser uma personagem fictícia, usada pelo autor dessa historieta, que conhecia demais a tradição judaica e os estrangeiros, com o objetivo de desmistificar a teocracia de Israel e os ensinamentos do Templo. Naquela época, ano 704 a. C., a aversão ao estrangeiro, ao não-judeu, nascia com o indivíduo, em Êxodo lê-se: “Fica atento para observar o que hoje te ordeno: expulsarei de diante de ti os amorreus, os cananeus, os heteus, os ferezeus, os heveus e os jebuseus. Abstém-te de fazer aliança com os moradores da terra para onde vais, para que não seja uma cilada” (Ex.: 34, 11-12).
Enfim, a recomendação da Igreja Católica em estudar a história de Jonas e tê-la como modelo evangelizador é procedente, entretanto, é necessário que os missionários se conscientizem que não existe mais Ninive nem os ninivitas, hoje, o homem tem consciência de sua bondade e de sua maldade, sua conversão, exige que o missionário faça outras leituras e releituras bíblicas, o lirismo do passado não tem espaço neste mundo materialista e racional.

Gênero Literário: Narrativo
Autor: Rilvan Batista de Santana
 
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 02/07/2012
Alterado em 03/08/2012


Comentários


Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr