Porém, em tempos idos, muito antes de Frei Joaquim Cameli desembarcar por estas bandas, muito antes dos padres capuchinhos passarem aqui, na época das missões, a fé dos moradores do São Caetano era confiada a Dona Pedrina, Manuel Canguruçu, Mãe Ester, Caboclo Ló e Maria Sertaneja, os primeiros e principais pais-de-santo, filhos de Iansã, Obá, Ibeji, Oxossi, Ogum, Iemanjá e outros orixás, filhos da umbanda de Angola...
O seu sincretismo religioso fazia inveja às idéias ecumênicas atuais. Todos, sem traumas, tinham idéias cristãs permeadas de orixás, salvo, os pais-de-santo charlatães, de interesses escusos, manifestavam crença nos exus como meio de solucionar os males físicos e os casos de possessão dos seus clientes. Naquele tempo, todo barracão tinha um espaço reservado aos santos, à queima de velas, às oferendas e um quartinho escuro cheio de mistério, onde segundo a lenda, o babalorixá mantinha o Diabo preso e o soltava em sessões especiais.
Missa? Missa nos eventos anuais: Sexta-Feira Santa, Natal, Dia de São José e Quarta- feira de Cinzas. Os moradores emperiquitados, roupa domingueira, cabelo brilhantina, desciam a pé, a cavalo ou de carroça para o centro da cidade, no retorno, se despiam daquela parafernália indumentária, arregaçavam a bainha, penduravam os sapatos nas costas e voltavam pegando picula na estrada, às vezes, estrada enlameada.
Porém, os adultos gostavam mais das festas e danças de candomblé, não movidos pela fé, mas pela superstição e requebro dos quadris das morenas e negras ao som dos tambores, possuídas pelos orixás... O som dos tambores era ouvido ao longe e ao invés do som repicado e monótono dos sinos, era mágico o som dos tambores de D. Pedrina ou de Manoel Canguruçu ou de Maria Sertaneja. As filhas de santo, de corpo escultural, de roupa branca e descalça, todo o corpo se mexendo, principalmente, os quadris e os ombros, movimentos eróticos levavam à loucura os filhos de santo, de vez em quando, uma filha de santo embuchava do pai-de-terreiro ou dos filhos-de-santo, aí, o pobre coitado ficava na casa do sem jeito, o jeito era amancebar-se. O pai-de-terreiro participava da dança de candomblé ou ficava sentado num estrado com postura de bispo, abençoando-os e recebendo louvores.
Cada pai-de-santo incorporava um orixá (Bará, Ogum, Oiá-Iansã, Exu, Ibeji, Odé, Otim, Oxalé), estes orixás controlam (conforme a crença), as forças da natureza, portanto, existe o orixá de cura, o orixá para expulsar os espíritos maus, orixá pra controlar as paixões, orixá Tinhoso, orixá para benzer as encruzilhadas, orixá da fortuna, enfim, orixá para fazer o bem e orixá para fazer o mal.
Os candomblés mais arrumados eram o de Dona Pedrina, o de Manoel Canguruçu e o candomblé de Maria Sertaneja. O candomblé de Pedrina era freqüentado pela elite e pelos políticos, a elite, interessada em suas lindas filhas de santo e os políticos interessados no aumento do seu cacife eleitoral. O candomblé de Manoel Canguruçu era voltado para cura de pessoas com obsessão de perseguição, vítimas de bruxaria, endemoninhadas, possessas, e, não para o tratamento de neuroses histéricas, depressão, perturbação obsessivo-compulsiva, esquizofrenias e outras psicopatias. O candomblé de Maria Sertaneja cuidava dos despachos, da coisa-feita e das mandingas de encruzilhada.
Os malucos eram tratados por Manoel Canguruçu por certa “unguentoterapia”, uma substância estranha de rato morto, sapo, urubu, cobra, lagartixa que ele triturava tudo num pilão e deixava de fusão com uma mistura de ervas, após alguns dias, no sol e no sereno, aquilo se tornava uma “pasta putrefata” que era espalhada no corpo do maluco que se não ficasse bom...
Porém, as mulheres malucas, as moças histéricas, de calundu, as moças mal amadas, reprimidas pela ignorância dos pais e dos costumes, cheias de faniquitos, eram tratadas por Manoel Canguruçu com água de cheiro e muita mordomia, as más línguas juravam que elas caíam na lábia e na cama do pai-de-terreiro como a “mosca no leite”.
Um episódio policial acerca do candomblé é contado até hoje pelos moradores mais velhos, protagonizado pelo sargento Mário Silva, delegado do São Caetano naquela época: - As filhas de Iemanjá do Pai João Demétrio, voltavam do Rio Cachoeira com uns tabuleiros de oferenda, vazios, todas de traje branco, pulseiras e argolas, quando foram paradas pelo Jeep Willys do delegado, que autoritariamente, fez as moças subirem no automóvel com os tabuleiros e as levou para cadeia da cidade a pretexto de nada, minto, a pretexto de alimentar o seu ego etílico e autoritário.
Hoje, as histórias de antigamente, parecem contos da carochinha, histórias de Trancoso, fatos inverossímeis, porém, são histórias verdadeiras, crendices de gente simples, crendices que contribuíram para crença racional e o sincretismo cultural e religioso atuais. Naquela época, padre, pastor, médico, advogado e engenheiro eram de ouvir dizer... O São Caetano daquele tempo era uma comunidade de trabalhadores rurais, jagunços, burareiros, carroceiros, aguadeiros, bodegueiros, retirantes, mestres de ofício, a maioria absoluta, analfabeta e supersticiosa, mas sem essa gente, os caetanenses de hoje, não poderiam contar sua História.