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O C a s a m e n t o

O C a s a m e n t o
R. Santana

O casamento é um consórcio em que a mulher entra com a beleza, o sexo, as curvas bem delineadas, um bumbum empinado, uns peitos avolumados e o homem entra com o trabalho e o capital. Por mais que tenhamos progredido intelectualmente e culturalmente, a tradição permanece: é feio a mulher pagar as contas – o homem é o provedor da família. Porém, nem sempre foi assim, em épocas não muito remotas, o mancebo recebia um polpudo dote que lhe garantia o feito e o feitio.
Há um conto de Malba Tahan, que num país do Oriente (não me pergunte o nome), um judeu muito rico, com base no Talmude, fez chegar notícias aos jovens rapazes daquela época, que sua linda filha além de possuir um riquíssimo dote, o felizardo que a desposasse ficaria às expensas dele por dez longos anos, sem trabalhar, na maior boa vida... Um pobre jovem judeu, de tribo rival, apaixonou-se pela moça e pelas promessas do seu pai. Como “esmola grande cego desconfia”, pensou: “esses judeus não dão prego sem estopa, há truta nisso!” - Aí decidiu aconselhar-se com o mais velho ancião da sua tribo: - estou apaixonado. Ela é a mulher da minha vida. Porém, laranja madura na beira da estrada ou está bichada ou tem marimbondo no pé, né? – o velho pensou, pensou, achou que o rapaz procedia bem em desconfiar, essa raça não era fácil e disse: - meu jovem, não se faz omelete sem quebrar os ovos. Tu cuidas do teu casamento e do contrato, se algo não ocorrer bem com a promessa do teu sogro, procuras um judeu rival do pai da tua noiva e aconselhas-te com ele - o jovem sentia que havia algo de podre no reino da Dinamarca, mas valia qualquer sacrifício para desposar/àquela/jovem.
O casamento transcorreu com muitos folguedos, bebidas, comidas durante três dias, tudo era só alegria! Seu sogro era uma simpatia em pessoa, cuidou dos mínimos detalhes para que nada fosse motivo de reprovação e comentários desairosos. Os convidados ficaram encantados com o fausto da casa. Os nubentes se esbaldaram de tanto dançar e degustar dos prazeres da mesa, porém, toda festa tem início e fim e cada um voltou para o seu dia-a-dia.
Passados longos dez dias de bonança, o sogro vai à casa dos pombinhos e depois de muitos abraços e beijos dando fim às saudades, o sogro chama o genro em segredo e pergunta: - e aí meu genro, estás feliz? O genro não pode esconder o contentamento e respondeu-lhe: - melhor estraga, meu sogro! - Não podia se queixar. A esposa era maravilhosa, possuía todas qualidades, além disso o sogro estava cumprindo tudo que prometera. O felizardo estava navegando em céu de brigadeiro, não tinha motivos para reclamar... O velho começou andar dum lado pra outro, pigarreou, coçou a cabeça, por fim falou: - meu genro, eu não posso me queixar, a minha filha está feliz a olhos vistos, porém... já não tenho mais obrigações contigo, já cumpri o meu dever de pai e de sogro - o genro foi abaixo, não estava entendendo... queria uma explicação: - Meu sogro, não estou lhe entendendo, além do dote, não me foi prometido dez anos às tuas expensas? Casei-me com tua filha, estamos felizes, gozando ainda nossa lua de mel e tu me vens com esta de ter cumprido o nosso contrato? Maluqueceu? – o velho continuou no seu périplo, reflexivo, respondeu: - não estou maluco meu genro! Tu me dissestes ainda pouco que és feliz, melhor estraga e há um provérbio do nosso povo que um “dia feliz na vida de um homem vale por um ano”, tu estás com dez dias de felicidade, então, pela nossa tradição és feliz há dez anos! – o rapaz caiu em si, realmente, foram dez dias de gozo e felicidade, não podia reclamar, o velho lhe tinha pego uma peça... teria que trabalhar daí em diante para prover sua casa. Tinha sido embrulhado e enrolado pelo artifício e sagacidade do sogro, como se safar dessa esperteza? Lembrou-se do conselho do ancião de sua tribo: “procuras um judeu rival do pai de tua noiva”.
Ele foi ao mentor mais famoso da sua região queixar-se do procedimento e esperteza do sogro, do artifício que ele tinha usado para safar-se dos compromissos e retirar-lhe a gorda mesada. Que faria? Como iria sustentar a si e a mulher? O mentor depois de ouvir os queixumes do folgado, disse: - jovem, teu problema é fácil de resolver, tu voltes e digas ao teu sogro que a lei judaica dá direito ao marido repudiar a esposa que em dez anos não concebeu! - O jovem saiu dali saltitante, achava que seu caso tinha sido solucionado, embora amasse a esposa, tinha que cutucar o velho e não deixar a bonomia matrimonial:
- Querido sogro vim devolver tua filha! -, o velho ficou estupefato, teria ocorrido um flagrante adultério? Porém, como todo bom judeu, manteve-se calmo, reprimiu os impulsos, pois sabia que um escândalo naquele momento o deixaria em maus lençóis e por experiência sabia que uma boa conversa e umas moedas de ouro na bolsa de um fraco caráter enfraquece qualquer ímpeto de dignidade. Ademais, bronca é arma de trouxa. Abriu os braços, um largo sorriso estampou-lhe o rosto, perguntou: - Não amas mais minha filha? - O rapaz não esperava por aquele desprendimento e desfaçatez... O seu sogro era um grande canastrão, representava mal, mas representava... – pensei que tu estavas me preparando um neto? – neto!... neto era o gancho: - é justamente o neto meu sogro, está faltando um neto! E, conforme a lei judaica, a mulher que não concebe em dez anos é repudiada! – o velho não perdeu a fleuma: - meu rapaz quer matar do coração este velho? Esqueces tudo que te falei! Foi uma grande brincadeira! Queria somente conhecer se o meu genro é arguto... vás e continua fazendo minha filha feliz... Tu és o genro que pedi ao profeta Moisés! Se quiserdes morar comigo, és mais um filho à mesa...

Para um sabido, sabido e meio. Para os inimigos a lei e para os amigos as falhas da lei...


Autor: Rilvan Batista de Santana- Academia de Letras de Itabuna - ALITA
e-mail: rilvan.santana@yahoo.com.br
 
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 22/06/2012
Alterado em 03/08/2012


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr