Textos


Réquiem
R. Santana
 
        "Senhor, conceda-lhe a vida eterna v

     Hoje, acordei com o pressentimento de morte. Não sei quanto tempo vou durar, mas sei que não vou demorar muito neste planeta Terra. Se fosse versado em música clássica como Mozart, começaria escrever a minha música para o meu sepultamento: “requiem aeternam”, na versão dos doutos: repouso eterno! Porém, quem disse ao energúmeno que criou este tal “requiem aeternam”, que eu quero repousar eternamente? Se o movimento, o dia a dia, a atribulação, os desafios e as superações que fazem a vida gostosa e o desejo de viver. O matuto é feliz quando diz: “Se morrer é descanso, eu prefiro viver cansado”.
      No meu sepultamento, não ficarei menos feliz se na falta de um Mozart, se alguém providenciasse Roberto Carlos, Chico Buarque ou Milton Nascimento, nossos maiores cancioneiros, enquanto meu corpo frio fosse baixado na terra árida ou o caixão fosse colocado numa gaveta, os parentes, amigos e amigas cantassem “O Senhor é Santo”, “Jesus Cristo” ou “Cálice”, estas canções não me aliviariam descer ao inferno, mas consolariam os corações dos que estiveram comigo até o fim, para os mais crédulos cristãos, o fim do começo, a espera da ressurreição.
   Não ficarei depressivo quanto Mozart, que atribuiu o pedido do réquiem ao mensageiro do Destino que queria encomendar uma peça musical para si e não para um conde alemão qualquer, pois o mensageiro sumiu com a mensagem...
    Entretanto, não faz jus pela dificuldade, eu pedi à viúva e aos amigos uma missa acompanhada por uma orquestra tocando uma música de Mozart, de Beethoven ou de Joseph Haydn, se estou lhe deixando modestos recursos, portanto, as músicas dos nossos cancioneiros populares, é que preencherão a nave da igreja e também os sentimentos dos meus entes queridos com a mesma força de uma música clássica.
      Hoje, a preocupação dos ricos mortais, não é mais com a suntuosidade das missas (os padres encomendam o corpo na pedra fria da funerária), com as músicas fúnebres orquestradas, mas com a beleza do ataúde, a quantidade de coroas (quanto mais coroas, mais importante é o defunto), a quantidade de flores e a riqueza do mausoleu.
    Os pobres mortais satisfazem-se com um caixão que não deixe o corpo no meio do caminho, o canto dos Salmos, uma sepultura na terra fria e a lembrança eterna do seu ente querido.
       Mas, o pior de quem vai mudar daqui pra lá, é que do lado de lá é um mistério, ninguém ainda tem prova do que ocorre depois da morte. Os kardecistas alimentam uma vida depois da morte, com o mesmo formato daqui, em que o sujeito continua em atividade após a morte, depois de sucessivas reencarnações para o seu aperfeiçoamento espiritual, seu espírito viverá para sempre.
    Cada religião tem um pensamento, o cristão espera a ressurreição, o muçulmano, espera encontrar o repouso eterno no paraíso junto de Alá. O budista espera encontrar um estado espiritual zen, através da intuição e da contemplação. O deísta, o panteísta e o ateu têm concepções diferentes, porém, todos eles não têm certeza do que acontece do lado de lá e ninguém faz questão de morrer, todos eles esperam que a morte chegue naturalmente sem atropelo e desejo.
     Não desejo ir para o lado de lá, mas não existe saída, “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”, por isto, tenho que pensar num “requiem aeternam”, num repouso eterno mesmo contra vontade. Os amigos, os parentes e os meus inimigos que me sigam, no entanto, desejo-lhes um século para um “requiem aeternam”, já que não sei o que é do lado de lá, mas estou certo que todos haverão de chegar...
        Deus criou o homem e tudo que existe, ao homem lhe deu promessa de vida eterna. Qualquer que seja o caminho registra esta promessa, mas se não foi Deus que alimentou o homem a promessa de vida eterna através das Escrituras Sagradas, não é blasfêmia, mas seria melhor que Ele não o tivesse criado.
   Porém, não devemos condenar os homens santos que alimentaram séculos essa esperança através da fé, se o homem não tivesse nada para se agarrar, sua crise existencial começaria desde o nascimento, seus dias seriam um inferno, suas tormentas acabariam com a sua morte.
    A vida se finda, é a única certeza, não sabemos se a vida finda eternamente ou é o fim do começo para ressurreição ou reencarnação. Se a morte é o fim do começo, valeu a pena toda a crise existencial, todas as agonias terrenas, todos os sofrimentos, mas se não existe vida espiritual eterna, o ser humano não passa de uma coisa abjeta e desprezível, uma criatura com o mesmo destino de um sapo ou de uma rã, melhor seria que não tivesse tido a História da Humanidade, pois no futuro, o homem irá renegar Deus e construir o seu próprio destino.
    A dúvida é cruel, mas vale a pena alimentar a esperança de vida eterna, senão, melhor morrer do que ter nascido. 
 
Autor: Rilvan Batista de Santana 
Licença: Creative Commons
Academia de Letras de Itabuna - ALITA 
Imagem: Google 

 
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 21/06/2012
Alterado em 20/07/2024


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