O Cadáver - R. Santana
Ele estava ali estirado, o cadáver, o nada diante do tudo e tudo diante do nada, mas o tudo é o nada... Deus, ó Deus, onde estás que não vês o nada?! Nós todos, somos o nada diante de Ti! O nada é o cadáver, mas o cadáver já foi o tudo e o tudo um dia será o nada! O nada é o que existe...
Meu Deus, meu Deus, por que o tudo um dia tem que ser o nada? Não basta à angústia do homem não saber de onde veio, quem é, e, para onde vai? É preciso ainda ter consciência que não é nada?! Se os nossos dobrados de lágrimas e dor chegassem a Ti, o mundo deixaria de ser imundo e seria mundo. Deus, ó Deus, se o homem fosse tudo, deixaria de ser besta fera, desumano, desalmado e passaria ser humano!...
Deus, ó Deus, as frias carnes depositadas ali na pedra fria da funerária, serão comidas pelos vermes sem cerimônia, não importa para o verme, se um dia essas carnes foram vestidas por cambraia, seda, algodão, casimira, brim, cáqui ou jeans. Se a carne é de sábio ou de ignorante, o que importa para o verme que a carne será sua comida, depois, verme e carne serão pó e mais do que nada.
Meu Deus, meu Deus, é justo ao homem o nada?! Nenhuma morte é digna, a morte é a indignidade da vida. Se o apóstolo diz: “Ou não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que habita em vós, o qual possuís da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por preço; glorificai pois a Deus no vosso corpo.” (Cf. 1Co 6:19,20). Como justificar a presença do Deus no nada? Não seria mais fácil dizer que Deus nunca esteve no corpo do homem? Portanto, o nada sempre foi o nada desde o início dos tempos!...
Estava ali o cadáver, pranteado e amado pelo tudo, tudo que amanhã será nada. Cadáver maniqueísta que foi bom ou mau e que viveu bem ou mal, qual o lado que o verme primeiro vai comer? Se o verme for bom, primeiro ele vai comer o lado mau se o verme for mau, ele vai começar pelo lado bom. Na vida não existe meio termo, só existe o bem ou o mal.
Porém, quando a vida se esvai, resta, somente, o cadáver, a luta entre o bem e o mal não tem sentido. O tudo não chora à chegada do nada, o tudo chora à exiguidade da vida, o tudo percebe que não é nada.
Estava ali estirado, o cadáver, sem vida e sem alma, mas será que existe alma, independente do corpo? Ou, alma é a energia que anima o corpo e se exaure deixando o cadáver? Os cientistas já conseguiram captar (filmar) a “energia” que se esvai do corpo nos estertores da morte. Há, hoje, quem advogue que esse processo não é instantâneo, leva em média, 20 dias para que o moribundo se torne cadáver.
Filhos, mulher, parentes, e amigos, choram e se descabelam sobre o cadáver, mas o cadáver é o nada, então, eles devem estar chorando, lembrando de tudo que é nada, a separação é eterna, a ressurreição e a reencarnação são embasadas na fé... Será que o nada um dia voltará ser o tudo? Ou, sempre o tudo será nada? Mistérios que o homem ainda não conseguiu decifrá-los, mas aceitá-los.
Ah, pais! Não devem chorar, porque o cadáver ali não é mais o seu filho, é um corpo depositado na pedra fria e indiferente da funerária, é um corpo estranho, não responde mais ao seu clamor, é o tudo diante do nada, ele não mais será acalentado no seio da família, pois o mundo da possibilidade exerceu o possível e desordenou a ordem natureza.
Em vão é o esforço do homem para juntar riquezas em detrimento da vida se o nada é o fim. Quantas vidas são ceifadas pelo vício e ambição material? Não se pode contar. O homem moderno ainda continua com idéias atávicas, sua mente pouco evoluiu em relação ao tempo, os cientistas afirmam que o cérebro do homem tem uma grande parte inexplorada. Se a mente humana tivesse desenvolvido todas suas potencialidades ao longo do tempo, sua espiritualidade fosse zen, ele tivesse mais amor à vida e à natureza, o nada seria diferente...
Deus, ó Deus, por que fez do tempo o nosso cutelo? Não se entende a exiguidade de vida que destes a vossa criação diante do tempo infinito! Um meteorito leva centenas de anos para se desintegrar (morrer) no espaço enquanto o homem e as outras espécies, a vida é fugaz. Se a vida é tão curta, melhor é morrer... Se não nascêssemos não teríamos a angústia que somos nada, a exiguidade da vida desperta insegurança no homem desde o nascimento á morte.
Chora humanidade que hoje é tudo e amanhã será nada!... Chora alma minha que hoje é vida e amanhã será o meu cadáver depositado no inferno, onde os vermes não deixarão em paz as minhas frias carnes, devorando as carnes boas e as carnes más!... Se as promessas de vida eterna e remissão dos pecados de Jesus Cristo não se cumprirem, debalde foi nossa luta entre o bem e o mal!...
Autor: Rilvan Batista de Santana
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Membro fundador da Academia de Letras de Itabuna -ALITA
Imagem: Google
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 05/06/2012
Alterado em 05/10/2023